ENSAIO SOBRE A INDUSTRIALIZAÇÃO DO OCIDENTE: A ESCALA DO MUNDO DE PATRICK VERLEY – por AURAN DERIEN

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A Escala do Mundo

Ensaio sobre a industrialização do Ocidente: a escala do mundo de Patrick Verley

Auran Derien, Revista Metamag
18 de Junho de 2014

ESSAI SUR L’INDUSTRIALISATION DE L’OCCIDENT

 L’Échelle du monde de Patrick VERLEY

 

Os prazeres intelectuais da sociedade do espectáculo são raros. É difícil ler uma obra redigida por um verdadeiro Mestre tantos são  os animais a invadirem  o campo cultural. O livro de Patrick Verley convida a pensar com prudência mas com  firmeza, a argumentar, a analisar com lisura os dados múltiplos, e finalmente a render  homenagem aos  que guardam o  sentido da  antiga tradição erudito.

Pensar o processo de industrialização

A Escala do Mundo - II

Pensar na Europa tornou-se perigoso. O renascimento da inquisição perdeu de reputação a história, doravante lugar da verdade revelada e por conseguinte legal. A época que se estende do século XVIII a 1880 – mais ou menos – conhece os seus ideólogos limitados embora o tema geral seja o estudo da industrialização. Se a tirania acabou, a qual obrigava a pensar o desenvolvimento de acordo com as leis da ciência proletária  apoiada sobre  o Goulag, a ciência ocidental substituiu-a, e com vantagens,  impondo as análises do FMI, do Banco Mundial, da OMC. Mas Patrick Verley efectua o seu  estudo  com métodos já provados e convence-nos de uma ausência de leis gerais e a-temporais para explicar o processo de industrialização.

Um processo de industrialização em parte autónomo

É impossível provar e por conseguinte aceitar a ideia de que haveria receitas para cada um se poder desenvolver. Este fenómeno resulta de certas mudanças nas estruturas tradicionais, apoia-se sobre mercados novos e aceita diversos modelos de organização do trabalho. É também fundamental considerar que o comerciante sempre foi mais parasita  que o fabricante, porque os mercadores sempre querem uma taxa de lucro muito superior à o que é obtido pelos produtores. Portanto, pode-se observar a queda de um país ou de um sector quando as relações de força  políticas evoluem, como para os Países Baixos no fim do século  XVII  e ao início do século XVIII.

A Escala do Mundo - III

 A transformação dos transportes é um factor  chave     do  desenvolvimento. Transportar pessoas e correio melhores em condições tem repercussões  sobre o consumo de bens e de serviços, sobre amobilidade da mão de obra, sobre os circuitos das  mercadorias assim como sobre  os tipos de serviços que acompanham as vendas. O autor faz ressaltar  a especificidade e o valor intrínseco dos industriais que têm se fazer do seu lugar, num universo composto de banqueiros. Mesmo quando  as mudanças produzem rupturas, os seus efeitos  sociais necessitam de anos passados para   serem    significativos. Um caso bem explicado bem é o da primeira linha regular, mensal, de cargueiros transatlânticos em 1817.

Os Estados, actores principais da luta pelos mercados  

A Escala do Mundo - IV

As situações francesas e inglesas são estudadas em detalhe e segue-se com interesse as investigações meticulosas sobre as trocas comerciais. As exportações, no século XVIII  não representavam uma parte essencial do Rendimento Nacional. O grande negócio da Inglaterra é com a  Índia. Entre a Grã-Bretanha e as suas colónias estabelece-se uma imensa zona de comércio livre favorável à venda de produtos de boa qualidade. Os ritmos de crescimento das indústrias dos dois países são comparáveis, mas a França domina os mercados continentais, embora a Europa oriental seja um espaço relativamente vazio. Um produto como o algodão é conhecido com suficientemente detalhes de modo que se  possa  saber qual foi a importância de Saint-Domingue para a França. Toma-se consciência do ódio anglo-saxónico contra a França, herança possível de diferenças religiosas mas sobretudo devido à presença das duas nações sobre mercados similares.

Quando o autor descreve os países orientais, é importante estar-se  consciente de que a Índia, a China e o Japão começarão a depender da tecnologia europeia somente durante o  século XIX. No  século  XVIII  a paixão dos europeus pelos produtos exóticos era tal que era mesmo necessário aplicar medidas proteccionistas  antes que a técnica criasse a diferença  a seu  favor. Há por conseguinte efectivamente uma evolução específica ligada à técnica que nunca tinha existido até aí e  que não se renovará na Europa, como o ensina o caso da decadência industrial dos Países Baixos.

O desenvolvimento é multifactorial, e o financiamento é fundamental

Os marxistas tinham metido na cabeça dos “intelectuais” a ideia de que era necessário uma acumulação primitiva. No entanto, os trabalhos recentes deixam aparecer investimentos limitados. O comércio mobilizava muito dinheiro, não a indústria. A Holanda exercia a função de centro monetário europeu na mesma altura  em  que a sua indústria era tida como  maltratada. O negociante preocupa-se ao mesmo tempo com as mercadorias e com o dinheiro, enquanto que as iniciativas industriais pedem outras motivações. O comerciante, o financeiro preexiste ao industrial e ele sobrevive-lhe como se pode dar conta na Europa actual onde se acumulam os terrenos desaproveitados de uma indústria destruída pelos carneiros de Panurge da globalização.

A moeda-sinal, ou moeda fiduciária, da qual o poder liberatório depende de uma autoridade na qual os utilizadores têm confiança só  aparece no século XX. Os pagamentos efectuam-se graças a técnicas de compensação que não diferem, no plano dos princípios, do  que se está  a fazer hoje. Está-se assim em condições de não sobrestimar o papel do crédito no processo de desenvolvimento e, por comparação, compreende-se que o peso actual da finança é apenas um meio para pilhar as populações e os Estados.

Aceitar a contingência

A situação económica não se explica somente pelas suas próprias  componentes. Certas interdependências são fundamentais, em configurações datadas. As relações importantes estabelecem-se entre o poder político e o poder industrial. Sem isso, nenhuma industrialização é possível contra as potências do momento. As guerras alteram as relações de força  e compreende-se melhor a razão do fanatismo destrutivo fomentado pela finança anglo-saxónica. Para ter sucesso, é necessário saber quebrar as relações de subjugação, o que foi possível durante a epopeia napoleónica, por exemplo, com o autobloqueio do continente europeu contra a Inglaterra.

De todas as relações relevantes, o autor recorda as  que vinculam o processo de industrialização às classes médias por um lado, e a distribuição dos rendimentos por outro lado. Uma lição  foi tirada quanto á  formação dos domésticos europeus , onde  precisamente se destrói  as classes médias e onde os rendimentos seguem a via piramidal do antigo Egipto. O desenvolvimento industrial é frágil  e os míticos os empresários‑inovadores eram  muito raros. As organizações patronais são muito temerosas. A industrialização está  articulada à transformação global da sociedade. Existe simultaneamente a urbanização, a administração, a forma do Estado, “os mercados estrangeiros”, e tudo isto  funciona de maneira autónoma e em relação com o resto. O sucesso sempre foi contingente, temporário e frágil.

Auran Derien, ESSAI SUR L’INDUSTRIALISATION DE L’OCCIDENT, revista Metamag

L’Échelle du monde de Patrick Verley, un ouvrage à méditer.

 

L’Echelle du monde, Essai sur l’industrialisation de l’Occident de Patrick VERLEY, Collection Tel (n° 399), Gallimard,952 pages, sous couverture illustrée, 125 x 190 mm, 24€

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Ver o original em:

http://metamag.fr/metamag-2123-ESSAI-SUR-L-INDUSTRIALISATION-DE-L-OCCIDENT.html

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