PORQUE É QUE A GRÉCIA ESTÁ A PROVOCAR A ALEMANHA SOBRE A QUESTÃO DAS REPARAÇÕES DE GUERRA? – por ROMARIC GODIN

Falareconomia1 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Porque é que a GRÉCIA  está a provocar a Alemanha sobre a questão das reparações de guerra?

Os 278,7 mil milhões de euros que a Grécia poderia pedir a Alemanha para a compensação de guerra provoca a ira de políticos e dos meios de comunicação europeus. mas porque é que o governo de Tsipras levanta esta questão?

Romaric Godin, Pourquoi la Grèce provoque-t-elle l’Allemagne sur les réparations de guerre?

La Tribune, 7 de Abril de 2015.

Um manifestante levanta uma bandeira grega durante uma manifestação anti-autoridade diante do Parlamento em Atenas.. Crédit photo : Yannis Behrakis/Reuters
Um manifestante levanta uma bandeira grega durante uma manifestação anti-autoridade diante do Parlamento em Atenas.. Crédit photo : Yannis Behrakis/Reuters

O governo grego anda a brincar com o fogo? A questão merece ser posta, enquanto a nova maioria, eleita em 25 de Janeiro lançou várias iniciativas nestes últimas dias: a avaliação “da dívida de guerra” alemã, a criação de uma Comissão de Avaliação da dívida e o estabelecimento de uma Comissão Parlamentar sobre as condições de “resgate” de 2010.

Um absurdo arriscado?

Na Europa, é sobretudo a primeira questão que provoca gritos de escândalo, especialmente depois de que o vice-ministro das finanças, Dimitris Mardas, estimou em 279 mil milhões de euros o montante que deve a Alemanha à Grécia. O Vice-Chanceler da Alemanha, o social-Democrata Sigmar Gabriel, considerou esta exigência como “estúpida”. Como é que, a priori, não lhe dar razão? O valor é considerável e é certo que a Alemanha nunca pagará à Grécia um tal montante. Também se sabe que apenas a Grécia solicita o pagamento da indemnização, enquanto outras países vítimas do nazismo estão silenciosos.

Pode-se parar esta estupidez. E, portanto, estimar que a Grécia joga um jogo perigoso. O diário Le Monde estima assim que Atenas assume três riscos. O primeiro, o de tentar “designar uma autoridade estrangeira” à sua situação; a segunda, a de retirar o argumento de pragmatismo ao exigir pedir o que pediu, o pagamento de uma dívida não pagável; o terceiro, finalmente o de destruir o princípio da solidariedade europeia, pondo em causa o princípio sobre o qual a UE teria sido fundada, “a ultrapassagem do ciclo de guerras e de humilhações que levou a Europa à ruína.”

A Grécia isolada ? Está feito !

Na realidade, o jogo pode ser um pouco mais fino do que aquilo que se acreditava. Lembremo-nos primeiro que a Grécia não tem necessidade desta questão (como também não tem necessidade de uma aproximação com Moscou) para se encontrar isolada na Europa. A Grécia está isolada da Europa desde 26 de Janeiro, por outras palavras, desde a formação do novo governo. As reuniões do Eurogrupo mostraram esse isolamento e o diálogo de surdos que se processa desde 20 de Fevereiro confirma-o bem. A utilização da questão das reparações de guerra, portanto, responde a uma lógica de braço de ferro e de equilíbrio de poder no qual a Grécia joga, aconteça o que acontecer, sozinha contra todos. É claro, sem ofensa a muitos, os líderes gregos não são mais estúpidos do que a maioria dos jornalistas europeus. Sabem, portanto, que a Alemanha nunca passará um cheque de 279 mil milhões de euros para a Grécia. Então, porque é que levanta esta questão?

Mensagem à opinião grega

Primeiro, porque é uma mensagem enviada à opinião pública grega. As eleições de 25 de Janeiro foram uma revolta contra o sentimento de humilhação muito forte que representaram os anos ‘troika’ na Grécia. Alexis Tsipras sabe que a maior parte de sua popularidade reside na sua capacidade de resistir às exigências dos credores. Esta questão das reparações entre na mesma lógica: trata-se de mostrar aos gregos que a Grécia fala de igual para igual com a Alemanha e pode referir-se aos temas que a irritam. Desde há muito tempo, os governos gregos evitaram o assunto, sem no entanto obter um verdadeiro respeito pela parte dos europeus. Esse tempo acabou e o governo grego quer mostrar que ele agora ousa colocar estes temas em cima da mesa. No espírito da nova liderança grega, com ou sem razão, isto responde a duas necessidades. A primeira é que a economia nacional só se recupera se os gregos recuperarem a confiança neles e, portanto, se encontraram este ‘orgulho nacional’ que os últimos cinco anos lhes roubaram largamente. O segundo é que se as negociações viram para o negativo, o governo vai precisar de apoio popular, deve poupar muito na sua popularidade.

À procura de responsáveis externos?

Ao contrário do que afirma Le Monde, o governo grego nunca procurou estabelecer uma ligação entre a falta de pagamento de indemnizações e a situação actual do país. Se lermos o discurso integral de Alexis Tsipras sobre o assunto abordado no Vouli, o Parlamento grego em 10 de Março, pode-se procurar em vão uma tal ligação. Além disso, a maioria actual lançou duas comissões separadas para estabelecer a legitimidade da dívida e do resgate de 2010. Mas estas comissões por si não se destinam a evitar as responsabilidades dos países na crise actual? Novamente, há aqui um processo de intenções recorrentes atirado aos gregos, mas que é pouco fundamentado. Dada a magnitude da crise, o estabelecimento das responsabilidades não é um luxo supérfluo.

A Grécia não está sozinha nesta área: ambas as casas do Parlamento irlandês (Oireachtas) lançaram também uma Comissão de inquérito sobre as causas da crise bancária e a crise de 2010-2011. Estas etapas aparecem na realidade como sinais de responsabilidade: tentamos compreender as causas de uma crise para evitar a sua reprodução. O que é bastante surpreendente, é a recusa dos europeus para assumirem a sua parte de responsabilidade. Assim, o BCE e o seu Presidente, Jean-Claude Trichet sempre se recusaram a comparecer perante a Comissão de Oireachtas, argumentando que só tinha que se explicar (o que não é responsável) perante o Parlamento Europeu. Um Parlamento Europeu que se recusou, a pedido dos conservadores alemães, uma Comissão oficial sobre as acções da troika. E recordemos que a Comissão Europeia, diferentemente do FMI,, nunca aceitou o seu erro sobre a sua estratégia de austeridade dos anos 2010-2012. Onde é que está então a fuga perante as responsabilidades?

Ainda aqui, a atitude do governo grego contrasta com a dos europeus. Porque a responsabilidade grega, certamente não será certamente dissimulada por essas comissões. Como prova: Nova Democracia votou contra a criação da Comissão em 2010. E tinha por objectivo: mostrar aos gregos que não se evita agora nenhum tema, por muito delicado que seja, em contraste com os governos anteriores. E, de passagem, destacar a falta de responsabilização dos europeus.

Valor comparativo das exigências gregas

A questão das reparações na verdade tem um valor “comparativo”. Trata-se de mostrar que a Alemanha “escapou” graças à benevolência dos vencedores. Trata-se de mostrar precisamente que se uma dívida de 278,7 mil milhões de euros é um fardo “absurdo” para a Alemanha, cujo PIB é de 3000 mil milhões de euros, uma dívida de 320 mil milhões de euros é mais ainda para um país como a Grécia, cujo PIB é de 192 mil milhões de euros. Levantar esta questão, portanto, não enfraquece o “pragmatismo” de Syriza, como alega o jornal Le Monde, reforça-o. É certamente legítimo que a Alemanha considere “absurdas” as exigências dos gregos, se se considerar que o tempo deve apagar as responsabilidades alemães, como podemos não julgar também ” sem sentido” estar a exigir à Grécia que os reembolse totalmente e durante 39 anos uma dívida que é insustentável para a sua economia? Uma dívida é uma dívida. O tempo não altera a questão. O Reino Unido recentemente pagou a sua dívida emitida para financiar a guerra de 1914-1918. Porque é que a Alemanha ficaria isenta de assumir as suas responsabilidades de há 70 anos atrás? Rejeitar a dívida alemã deve levar a rejeitar a dívida grega. É por isso que Atenas tem todo o interesse em renunciar a dívida devida pela Alemanha… em troca de uma posição mais flexível dos seus credores.

Evitar repetir os erros do passado

O que este caso permite questionar, portanto, o risco de um “dois pesos, duas medidas”, na Europa, o que iria quebrar a solidariedade europeia. Como os casos,  o da Alemanha do pós-primeira guerra mundial e o da Grécia de hoje,  não são assim tão diferentes. O que os aliados após a primeira guerra mundial, impuseram (em vão, diga-se) a uma Alemanha derrotada em nome da moralidade, ou seja, pagamento de reparações de guerra, não é muito diferente de reembolso também cheio de exigências imposto em nome da moralidade a uma Grécia que já caiu um quarto do PIB (um recorde em tempo de paz). Em 1953, os credores da Alemanha tinham mostraram solidariedade e evitaram a humilhação de 1919 com uma reestruturação da dívida. O governo grego não prende mais do que isso, hoje..

Não há dúvida que a Grécia iria aceitar uma resolução ‘simbólica’ desta se a Alemanha favorecesse uma solução ‘razoável’ para o problema helénico. Mas é somente ao levantar a questão das reparações que a Grécia pode hoje, dada a inflexibilidade dos europeus, relativizar a ‘moralidade’ assumida pelos credores da Grécia.

No diálogo de surdos actual, discutir não é já possível. Aumentando a tensão por uma exigência enorme, os gregos podem, portanto, esperar que a Alemanha terá qualquer interesse em evitar a escalada sobre esta questão. E então para soltar a tensão. Contudo, não se trata de reabrir as feridas antigas, mas para evitar de se abrirem novas feridas. Sem levar em consideração o problema da dívida pública, a Grécia permanecerá durante muito tempo um problema e um fardo para a Europa. O governo grego encurralado pela inflexibilidade europeia, deve lutar. Mas o seu objectivo pode ser o de querer alcançar um compromisso aceitável, nada mais. O que os credores não querem ouvir no momento. Mas para se estar ciente de certas situações, às vezes é necessário mesmo um electro-choque.

Romaric Godin,    Pourquoi la Grèce provoque-t-elle l’Allemagne sur les réparations de guerre ?, La Tribune, 7 de Abril de 2015.Texto disponível em:

http://www.latribune.fr/economie/union-europeenne/pourquoi-la-grece-provoque-t-elle-l-allemagne-sur-les-reparations-de-guerre-466985.html

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