DOR PUXA DOR, PALAVRA PUXA PALAVRA por Luísa Lobão Moniz

olhem para  mim

Já não tenho espaço dentro do meu corpo.

As mudanças climatéricas abafam-me a respiração.

As “canadianas” são a extensão de um corpo que pede licença a si próprio. para caminhar.

As mãos hesitam em pegar em objectos, ou canadiana ou objecto…

No espaço privado o corpo não caminha, mexe-se.

No espaço público a existência é complicada, se está no café de todos os dias, todos os dias “então, está melhor? Quando deixa essas muletas”? O corpo bloqueia porque não sabe a resposta e para além disso não gosta da palavra muleta, vem-lhe à memória imagens de tempos em que fisicamente se sofria muito.

No espaço público, nas filas do supermercado é com desconfiança que vêem a mobilidade reduzida ser atendida primeiro, desconhecem o direito a ser-se prioritário.

 No espaço público, os taxistas são de uma generosidade irrepreensível.

Dentro do meu corpo uma voz baixinha pergunta porquê.

Não é meu este corpo que se desloca acompanhado pela dor… não é meu este corpo que se sente confuso com os seus gestos e com as suas emoções.

A lágrima não desliza pela face por respeito a quem sofre de violência doméstica, a quem é maltratado, á quem é abusado, a quem é ferido de guerra, por respeito aos meus companheiros da fisioterapia.

A dor física leva-nos à dor psicológica, quero tanto pegar-te ao colo, mas é tão difícil… quero tanto sentar-me no chão para brincar contigo, mas não consigo.

A dor física leva-nos à dor política. Quarenta anos de ditadura, quarenta anos de democracia. A sociedade democrática desenvolveu um sistema nacional de saúde preocupado com o melhor bem estar dos cidadãos, ao contrário da ditadura.

Onde me posso posicionar agora? Os hospitais públicos funcionavam com um sorriso nos lábios, mas a dupla PSD/CDS encarregou-se de, devagar, ir retirando profissionais, ir suspendendo as obras de recuperação, ir exigindo taxas moderadoras, ir adiando a compra de medicamentos…

O nosso serviço nacional de saúde ainda vai sorrindo pelo respeito que os profissionais de saúde, o pessoal administrativo, o pessoal de limpeza sentem por todos nós.

Quando o ex presidente da República, Jorge Sampaio, dedica o prémio Nelson Mandela, que lhe foi atribuído, à generosidade dos portugueses está a dizer a todos nós “levantem a vossa auto estima, aguentem-se bem porque não há falta de lacraus que a querem destruir”.

Não podemos deixar que a dor política nos vá debilitando devagarinho, em silêncio…

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