A GALIZA COMO TAREFA – porta para o exterior – Ernesto V. Souza

Demorei em ver. Mas foi apenas por questões pessoais. Eu participara no filme e era uma das “personagens” entrevistadas. Mas o dia em que gravei, in extremis, era o dia, agitado, em que eu terminava de embrulhar todas as últimas cousas para nos ir de Rianjo, na Galiza.

Era, de feito, o dia, a tarde tão crepuscular de fim do verão, em que me despedia da possibilidade de voltar a morar na Galiza.

Porta para o exterior (2016) é um filme documental dirigido por José Ramom Pichel e Sabela Fernández. Financiado por Crowdfunding, editado e montado por Axóuxere, e publicado em DVD (55′ + extras) em parceria com AGAL (Associaçom Galega da Língua).

Segundo volume da coleção Euterpe, é um documentário que, através das experiências e perspectivas de mais de 70 pessoas entrevistadas, vinculadas ao mundo do reintegracionismo, suscita um debate social, que ultrapassa a questão da norma ortográfica na Galiza.

O documentário mostra-nos, não a solução, mas a possibilidade de uma via imprudentemente desconsiderada até o momento atual, que, porém, está a emergir nos últimos anos com força em âmbitos bem diversificados.

Porta para o Exterior dá voz a um movimento excluído há décadas da opinião maioritária galega: o reintegracionismo. Um movimento plural, com uma estratégia internacional para o galego, que interatua, através das experiências e os contatos pessoais com Portugal, Brasil e todos os países de fala portuguesa. Um movimento que, apesar dos seus próprios erros, cresce, madura e se consolida como um referente cultural.

De um ponto de vista técnico e seguindo a João Aveledo, apresenta uma rara qualidade fílmica na forma de uma colagem audiovisual, que hesita entre uma divulgação das teses reintegracionistas e um brainstorming do ativismo linguístico galego com mais percorrido e projeção internacional.

De um ponto de vista sentimental, como destaca a amiga Carme Saborido, é um retrato, uma testemunha de grupo, de coletivo, fortemente definida por uma unidade geracional que se projeta no futuro com os rostos mais novos, que se coneta com vozes da lusofonia, e se liga, através dos mestres referentes e das testemunhas de idade, com o passado.

Gostei muito. Mesmo a minha presença, assim canso e agotado, não faz mal porque tudo é – na Galiza ativista e na gente que defende a língua – uma loucura. Acho que o documentário combina bem e testemunha tristuras, decepções, realismo, conflito, resistência, futuro, esperança.

E acho que não é apenas questão da mensagem comum compartilhada e do trabalho de uns amigos. Acho que merecia uma crítica mais técnica, mais a sério. A sequencia de depoimentos divididos em partes e ligados por uma voz narradora a descrever um percurso comum pessoal: dúvida, descoberta, ligações, introspeção, confronto, análise, construção, projetos, decepções, futuro… tem ritmo, boa sincronia, uma imagem lograda dentro das dificuldades técnicas, uma atrativa música, um poliedro de depoimentos dispersos, que como conjunto constrói uma boa narrativa, um bom produto.

Pessoalmente, para mim o melhor do filme é ver tanta gente amiga, pôr rosto e voz e acenos cálidos a pessoal que em muito caso apenas conheço fugazmente ou por escrito e vagamente. A habilidade dos diretores é ter reunido como mensagem coletiva, tal diversidade de gentes, perspectivas, histórias, ideologias, vozes.

Uma cousa bem rechamante é que o pessoal no documentário, tão vário ele, sorri, mesmo com o dramatismo da realidade que se descreve. Há uma cumplicidade que se destaca (e ainda mais nos conteúdos extras). É difícil ver aí os derradeiros de uma língua que morre. É impossível qualificar esse pessoal como marginais.  A contrário, a malta reconhece-se dentro de um movimento conjunto, enxerga, crítica, lúcida e objetivamente a realidade, mas também um futuro.

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