POESIA AO AMANHECER – 4 – por Manuel Simões

Lêdo Ivo – Brasil

(1924 –  )

                                     UMA REFERÊNCIA

 

            Aos pássaros que gorjeiam prefiro os que grasnam

            como os corvos ou os que piam na escuridão

            como as vigilantes corujas brancas que infestam os meus bosques.

            O canto melodioso amolece os corpos

            e anestesia as almas que renunciam à reflexão e ao tormento

            e temem o rumor do dia predatório.

            Sempre desejei que o meu reino fosse o da dissonância:

            do gavião que, pousado na estaca, rumina a sua impiedade,

            dos pássaros grasnantes que incomodam os partidários de uma

                                               [regência musical do mundo

            como se estivéssemos num teatro, ouvindo uma sinfonia.

            Ao gorjeio que conduz ao deleite e embala o sono

            oponho o grasnido que semeia

            a insônia e o desconforto.

(de “Requiem”)

Um dos maiores poetas contemporâneos brasileiros, é também autor de romances, contos, livros de crónica e ensaios da área literária. Da sua imensa obra poética, citam-se “As Imaginações” (livro de estreia, 1944), “Uma lira dos vinte anos” (1962), “Finisterra” (1972), “Mar Oceano” (1987), “Rumor da Noite” (2000) e “Plenilúnio” (2004, ano em que publicou a sua monumental “Poesia Completa”).

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