O PAÍS, de André Brun

Encontrei hoje o Praxedes debaixo da Arcada, de grande uniforme, chapéu alto e luvas de pelica.

― Toma! Que catitismo! Onde é a ida?

― Cumprimentar o meu novo ministro.

― E então que lhe parece a solução?

― Cá por mim não vem o desassossego a esta terra e até me dano de cada vez que para aí pretendem armar barulhos. Sobretudo, afino com uma coisa: é quando os políticos começam a falar do país. Cada um deles, para apoiar a sua opinião, exclama e berra: ― Porque o país quer…  Porque o país exige… Ora eles confundem o país com eles próprios e com os seus compadres, quando afinal o país sou eu, é o senhor, é o meu sapateiro e a sua mulher de hortaliça. É a grande massa daqueles a quem a política não interessa e que só querem sossego, paz, união, para viverem tranquilos e poderem tratar da sua vida. Governe Paulo, Sancho ou Martinho, contanto que não sintamos aperrar-nos a boca aquilo a que é uso chamar-se as rédeas do governo. Quando os ouço dizer que têm procuração do país para reclamar isto ou aquilo, dá-me vontade de lhes ir perguntar se já contaram comigo e se lhes encomendei algum sermão. Basta de maçadas e vamos a ver se há forma de nos entendermos todos ou, por outra, de se entenderem os de cima, porque os debaixo estão todos de acordo e não reclamam outra coisa senão tranquilidade de espírito, sossego nas ruas, pouca cavalaria em manobras e polícia em dose mínima.

― Tem razão, seu Praxedes.

― Eu tenho sempre razão. O pior é que as minhas razões nunca interessam a esses senhores, eternos Narcisos namorados do próprio conceito, perpetuamente convencidos que toda a gente aguarda com impaciência as sentenças que muito bem lhes parece soltar pela boca fora. O que lhes vale a eles é que eu não sou homem de arruaças. Ah! que se um dia eu saio à rua a dizer o que penso de todos eles…

E o Praxedes brandia o guarda-chuva, arma terrível que, como as espingardas de criança, nunca há de disparar.

 

10 de Fevereiro de 1914

Esperemos que não levem a mal termos actualizado a ortografia deste texto com quase cem anos.

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