CARTA DE VENEZA – 31 – por Sílvio Castro

–  “Um Tiziano jamais visto em Veneza”

Dentre os muitos eventos do atual outono veneziano, uma pequena exposição – pequena somente nas suas proporções materiais – um deles em particular chama a atenção dos admiradores da grande pintura, justamente aquele de um Ticiano (1477-1576) praticamente inédito aos olhos que contemplam Veneza nas suas diversas dimensões. Trata-se da muito especial exposição “Il Tiziano mai visto  –  La fuga in Egitto e la grande pittura veneta”, apresentada na sede museal veneziana por excelência, as Gallerie dell’Accademia, de 29.VIII. a 2.XII.2012.

O dolente tema biblico da Fuga para o Egito da Sagra Família no  quadro pintado po Ticiano em 1507, portanto na juventude do grande mestre veneziano, retorna a Veneza depois de 250 anos de ausência. Neste longo tempo, a magnífica tela esteve absolutamente presa à Rússia. Agora, a sua atual sede estável, o Museu Hermitage de São Pedroburgo a faz chegar às suas origens, com o seu retomado esplendor orginal, depois de uma exposição na National Gallery, de Londres.

As Galerias da Academia de Arte de Veneza, com o apoio da

National Gallery e da Fundação Hrmitage Itália, apresentam a primeira obra-prima ticianesca depois que a mesma passou por uma profunda obra de restauração que restituiu à tela do Mestre veneziano toda os seus valores originais.

 Trata-se de um quadro de grandes dimensões, 204 por 324 centímetros, e que, apoiado numa temática típica da pintura religiosa européia, mostra a mesma em novas dimensões estéticas. Ao tema convencional, traduzido pelo jovem Ticiano com grande propriedade expressiva, José e Maria, com Jesus-menino no colo materno, percorrem uma estrada de serenidade e de grande beleza pictórica. As figuras tradicionais participam de uma paisagem de inédito esplendor.  Todo o ambiente respira um ar de serenidade, e a luz de intensidade modifica a paisagem, dando-lhe um dinamimo interior a partir do processo de constante abstração que o encontro entre luz e cores sabe criar. Nesse ambiente quase idilíaco, a sagrada família viaja no seu dócil e gentil asno guiado com forte serenidade expressiva por um jovem, vestido de branco, mas que não é um anjo. Enquanto o cortejo sagrado caminha a paisagem cresce em beleza e em elementos variados, embebidos de verdes e de água. Ao lado de camponeses serenos que gozam a plenitude da natureza conjutamente com muitas espécies de animais, eles igualmente em pacífica posição no mundo dos homens. A força expressiva do jovem mestre veneziano dá vida intensa a toda essa realidade ideal.

O magnífico quadro centraliza uma pequena Exposição que mostra a transformação que a pintura vêneta e veneziana passou com a integração da natureza nas mais diversas temáticas próprias da pintura tradicional. A revelação da natureza na sua força primordial dá um novo tom aos temas os mais diversos, principalmente àqueles religiosos.

A partir da natureza introduzida na grande pintura de Veneza a partir principalmente do século XV, a partir em particular de Giovanni Bellini, com os outros mestres, penetra no século XVI e se afirma na tela de Tciano.

A exposição da Academia de Veneza apresenta ao lado do singular Ticiano outras peças de grandes mestres, quase vinte. Além de Bellini, alí estão pintores que souberam tratar a natureza como elemento de enriquecimento da linguagem pictórica, pintores como Sebastiano del Piombo, Dosso Dossi, Lorenzo Lotto – aquele mesmo genial Lotto que depois deverá deixar Veneza pela rivalidade com o mesmo Ticiano e irá realizar muitas das obras-primas inovadoras na Lombardia e em algumas outras partes da península itálica – e mais o imenso, genial Giorgnione, com a obra-prima que é La Tempesta, um dos maiores tesouros do grande museu veneziano.  Esta mesma A Tempestade que me levou ao poema em que procuro unir a força poética de obras pictóricas como a de Giogiorne a um produto literário:

                                       A “Tempesta” de Giorgione

 

                               Na paisagem verde risca

o raio a fisionomia da terra

vermelha amarela azul

convulsa terra no raio

verde e puro que olha

serenidade

homens.

(em Tempo veneziano. 1967)

 

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