EDITORIAL: D. JOSÉ POLICARPO E AS MANIFESTAÇÔES

 

Ontem, o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, voltou a declarar que os problemas do país não se resolvem em manifestações. Que é um acérrimo defensor do quadro democrático em que estamos inseridos.  Ou então passamos a um quadro pré-revolucionário, e que Nossa Senhora nos livre disso.

Achamos muito bem que D. José Policarpo diga o que pensa, como cidadão. Mas não concordamos com ele. Por outro lado, achamos que ele fala como Cardeal, e está a pregar aos fiéis, e aos outros também. Duvidamos até, que se fossem outros que estivessem no poder, e as manifestações fossem noutro sentido, que D. José Policarpo tivesse a mesma opinião. Sem querer chamar-lhe mentiroso ou hipócrita, temos a certeza que se punha a falar em liberdades, democracia, etc.

Não estamos aqui para apostrofar (perdoem o termo de consonâncias bíblicas) D. José Policarpo. Limitamo-nos a constatar que as suas declarações se inserem na continuidade da ligação entre a igreja católica romana e os poderes estabelecidos em Portugal, não só os tais eleitos pelo voto, mas também os poderes tradicionais, que dominam a economia e a sociedade portuguesas, hoje em dia talvez um pouco mais dependentes de poderes semelhantes, com acção e impacto por todo o mundo, mas sempre presentes e atuantes. Se por vezes aparece um elemento da igreja, como D. Januário Torgal, com declarações noutro sentido, depois acaba sempre a hierarquia por vir dizer qual a verdadeira posição da instituição.

Ainda há muitos portugueses a reverem-se na igreja. Por convicção ou por temor, ouvem  as recomendações que ela faz, mesmo que não acreditem nelas. A direita portuguesa, o governo Passos/Portas, os poderes tradicionais contam com ela. As manifestações destes últimos tempos abalaram um argumento importante que têm vindo a brandir: que a grande maioria dos portugueses estariam de acordo com as pseudo-reformas que adviriam do chamado programa da troika, e postas em prática por Passos/Portas. Este argumento tem mesmo sido invocado, de boa ou má fé, por vários responsáveis dos organismos da UE e do FMI. Entretanto, tornou-se evidente que o caminho que estamos a seguir, perdão, que nos estão a fazer seguir, é catastrófico. Não fica bem, nem a D. José Policarpo, nem à igreja, nem a ninguém, vir pregar a resignação cristã perante a vontade de César ou de Deus, mesmo sob a forma de respeito da democracia representativa. D. José Policarpo e a sua igreja sabem perfeitamente que o país está em mau caminho, e que o que está em causa é sim uma tentativa por maior concentração de riqueza e de poder nas mãos de uma minoria, sem olhar às consequências para a maioria das pessoas. E que a democracia representativa sem uma participação significativa das pessoas, é praticamente idêntica a um regime autoritário. Até tem um nome: democracia musculada. Com o músculo a puxar (ou a bater) sempre para o mesmo lado.

1 Comment

  1. Manifestações de Policarpo e da sua igreja temos tido que bastem.
    A outra fê-la Policarpo perante a manifestação de Fátima; quanto a outras, como se sabe, a igreja tem manifestado amiúde a defesa dos seus direitos adquiridos – em isenções, bens e serviços – de concordata em concordata.
    É fácil pregar…

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