A CRISE DA DÍVIDA NA ZONA EURO: AS OPÇÕES, AGORA. Por Lee C. Bucheit e D. Mitu Gulati.

Selecção, tradução e apresentação por Júlio Marques Mota

Agora que se começa já a falar directamente em reestruturação da dívida pública,  um texto sobre o tema e em que se tece  um conjunto de  considerações sobre a reestruturação da dívida pública e sobre as opções que no quadro do modelo de funcionamento da zona euro se podem levantar e sobre as quais garantidamente um dia qualquer não muito longe se terá de decidir.

Júlio Marques Mota

(conclusão)

Parte III

O mercado, obviamente, vai perceber que a sua própria avaliação do cálculo apropriado de risco/recompensa (reflectido pelo cupão que o mercado exige para um novo título)  tem sido distorcida pela presença de um sector oficial, uma espécie deus ex machina[1] no processo. Os investidores provavelmente continuarão a comprar os títulos à taxa de juro oficialmente induzida  somente se eles acreditam que ou (i) eles efectivamente são expressos por um put de  instrumentos para o BCE ou (ii) no caso de uma  futura  reestruturação do BCE, como o maior detentor dos títulos e agora publicamente comprometido pari passu em aceitar igual tratamento, este usará da sua considerável influência para assegurar  que os títulos de  curto prazo  estão isentos (ou tratados de forma  muito branda numa  reestruturação.

No entanto, os mercados impiedosamente podem testar a vontade do BCE para persistir na compra de títulos de dívida pública dos países ditos periféricos em quantidades ilimitadas. E cada vez que um político proeminente na Alemanha ou num outro lugar qualquer, talvez  guiado por um relatório do BCE a olhar para as perdas aos valores de mercado das obrigações OMT adquiridas, vocifera contra o programa das OMT, as vendas a descoberto  podem ser encorajadas [2].   Eles estão  constantemente a medir  a quantidade de espaço  político deixado na  estrutura do BCE. Uma vez que o BCE começa a comprar, deve estar  preparado para continuar a fazê-lo até que primeiramente ocorra a  capitulação  dos especuladores  ou uma aceitação geral do mercado de que a crise diminuiu no país em questão .

O programa das  OMT aparentemente irá ser restrito à  compra de títulos de curto prazo na curva de rendimentos (um a três anos). Cada átomo da carne política do país devedor, portanto, vai querer concentrar os empréstimos do mercado primário neste agradável mercado onde os rendimentos beneficiam da intervenção do sector oficial. Porquê  pedir emprestado a  dez anos à taxa de  9% quando se  pode pedir emprestado por dois anos a  3%? A menos que seja condicionado pelos termos do programa de ajustamento estabelecido pelo  IMF, no entanto, esta tendência de  contrair empréstimos de muito curto prazo rapidamente irá produzir um perfil de endividamento alarmante, caracterizado por um pico do Himalaia logo nos  anos imediatamente a seguir . A impressão óptica que um tal pico vai deixar na retina de potenciais investidores pode tornar-se um obstáculo ao renovado acesso ao mercado.

 O  que acontece se a fadiga provocada pela austeridade obriga os políticos do país devedor a saltarem para  fora da cama do ajustamento orçamental num  momento em que o BCE detém um parcela considerável de títulos adquiridos pelo programa  OMT?  A experiência diz-nos que o ressentimento público de medidas de austeridade tende a intensificar-se  quando os cidadãos lesados percebem que o autor da sua miséria, seja   uma organização como o FMI, em  vez dos  seus próprios representantes eleitos. O perigo aqui é que o BCE e mais geralmente a UE poderiam tornar-se  reféns das suas próprias políticas. Ao invés de abruptamente suspender as compras de mais OMT para um país em situação de  não-cumprimento, com a consequência previsível de um aumento imediato de rendimentos e enormes perdas ao valor de mercado da carteira das OMT, os europeus podem sentir que têm pouca liberdade de escolha mas consentem  um qualquer abrandamento  do programa de ajustamento que pode ser  exigido pelo país devedor. O mesmo para a condicionalidade das OMT.

A lição? Antes de concordar em  desempenhar um papel de deus ex machina, um actor  bem cuidadoso deve-se assegurar  que o guindaste está  adequado para garantir uma descida segura em todo o trajecto até chegar ao chão.

A avaliar as Opções

Mais uma vez, o diagnóstico oficial desta situação é que se trata de um período curto, de um período transitório; pode o acesso ao mercado a níveis toleráveis de taxa de juros ser preservado o tempo suficiente para que o efeito benigno  dos programas de austeridade orçamental se torne  visível para o mercado? Se as taxas de juros subirem a um nível insustentável antes dos programas de ajustamento terem tido  tempo para fazer o seu bom trabalho, a corrida está  perdida.

A  opção 1 (a de persuadir os mercados a um acto de fé, de esperança e de caridade) parece estar terminando; talvez nunca realmente tenha tido  muita chance.

A Opção 2  (massagem dos rendimentos) está prestes a começar. O programa das OMT pode funcionar, mas o seu destino vai estar ligado  fundamentalmente a três factores que são difíceis de eliminar.  Qual será a agressividade com que implacavelmente  os mercados testarão a decisão do BCE continuar a comprar ou não os títulos dos países periféricos em quantidades ilimitadas? Em segundo lugar, qual será o nível de sucesso do  BCE no querer acalmar o mal-estar  do seu  maior accionista com a ideia de comprar títulos no mercado secundário com  esta finalidade? Em terceiro lugar, pode a recuperação económica dos países afectados (e o seu planeado regresso aos mercados de crédito ) ser retardada  por forças que estão para além do seu controle, uma desaceleração ainda mais no crescimento económico global , por exemplo? Isso poderia exigir que o deus ex machina permaneça no palco mais tempo do que aquele que estava previsto.

Por duas razões, a opção 3 (resgate completo), se ele é tentado em tudo, pode não durar muito. Em primeiro lugar, a memória do malfadado Maio de 2010 quanto ao resgate grego está  ainda fresca nas mentes do sector oficial. Será o dinheiro do contribuinte novamente utilizado para pagar, integralmente e ao ,longo do tempo, aos credores do sector privado, particularmente quando o envolvimento do sector oficial (OSI) , está  eminente? Em segundo lugar, haverá  recursos suficientes nos mecanismos de resgate europeus para pagar toda a dívida nas datas de vencimento respectivas dos países agora em jogo e mesmo para os próximos meses 15 meses?

A opção 5  (uma reestruturação de estilo grego) parece improvável. Em Espanha e na  Itália a maioria dos investidores estrangeiros já saiu e foi substituída por instituições financeiras – bancos, companhias de seguros e fundos de pensão locais. Uma redução enorme no valor da dívida pendente em qualquer um desses países, portanto, será apenas estar a decapitar o respectivo  sistema financeiro nacional.  O dinheiro poupado no serviço da dívida teria assim  de ser usado para recapitalizar as instituições financeiras atingidas.

Como poderia ter dito Sherlock Holmes, exclua o impossível e tudo o que fica, contudo improvável, deve ser verdade. Essa lógica deixa-nos a  opção 4, uma dívida em reperfilagem e  concebida  para transferir as datas de  vencimentos para além do  período do programa de ajustamento  enquanto inflige sobre os credores,  como prejuízo,  o menor valor líquido  possível. Como os meses se passam calmamente, no entanto, uma reperfilagem da dívida ao estilo de Uruguai torna-se cada vez menos atraente. O Uruguai teve o luxo de estender as suas emissões obrigacionistas ao  seu  nível de cupão original porque esses títulos tinham sido emitidos num momento em que o Uruguai tinha a notação de investment grade . Assim,  a reperfilagem significava uma extensão da dívida a um valor de cupão baixo.

Os países europeus ditos periféricos estavam numa situação semelhante no início da crise; as suas obrigações tinham sido emitidas durante os anos ensolarados quando o mercado falha ao não registar quaisquer significativas distinções de crédito entre os membros da zona euro. Os cupões dessas obrigações, até mesmo para a Grécia,  eram então  apenas marginalmente superiores às obrigações alemãs de maturidade equivalente.

Uma vez que a ilusão de solvabilidade uniforme dentro da zona euro explodiu em estilhaços devido aos  acontecimentos na Grécia no início de 2010, os cupões das  novas emissões de dívida pelos países ditos periféricos europeus aumentaram significativamente. Uma extensão do  estilo da que foi feita pelo Uruguai  para todo o valor da dívida pendente de um desses países hoje não será, portanto, tão atraente quanto teria sido há dois anos, e torna-se cada  vez menos atraente à medida que cada  mês passa e  na maturidade dos títulos  a dívida tem que ser renovada a taxas de juros sempre mais elevadas do que aquelas que estavam aplicáveis às emissões originais.

Sejamos bem claros: a reestruturação de uma dívida pública, mesmo que suave como uma operação de reperfilagem, é a última alternativa possível para a maioria dos governos . Podem eventualmente vir a fazê-la como aconteceu na Grécia  mas somente se todas as outras alternativas se mostrarem financeira  ou politicamente insustentáveis. Mesmo agora,  as Instituições públicas   aproveitam  todas as oportunidades para descrever a reestruturação grega como “única e excepcional”.

Não obstante esta repulsa a uma reestruturação da dívida, se esta  se torna inevitável o processo será então facilitado – como aconteceu  na Grécia – pela alta percentagem de instrumentos do direito local aplicáveis sobre o valor global da dívida pendente que é afectada . Além disso, a concentração de papel de crédito  nas mãos de investidores locais, enquanto pode eliminar a utilização das técnicas mais selvagens da reestruturação da  dívida, deve pelo menos dar ao soberano um universo de crédito maleável. As instituições locais são susceptíveis às formas de persuasão governamental às quais os  estrangeiros estão imunes.

Lee C. Bucheit, D. Mitu Gulati, The Eurozone Deb Crisis: the options  now, disponível em: http://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/2695/

[1] Deus de uma máquina”. No drama grego, um problema insolúvel poderia ser resolvido fazendo descer um Deus ao palco por meio de um dispositivo  parecido com  um guindaste no  momento apropriado da peça.

[2] As vendas  a descoberto de títulos da dívida pública na Europa poderão teoricamente ser proibidas  em Novembro deste ano. A história ensina-nos, contudo,  que  a vontade de vender a descoberto  pode não sair arranhada  seja de que maneira for.

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