Selecção, tradução e nota de leitura por Júlio Marques Mota
CONTRA O TRATADO SOBRE A ESTABILIDADE, A COORDENAÇÃO E A GOVERNAÇÃO
Jérôme Gleizes – Setembro de 2012
(CONTINUAÇÃO)
10. Uma coordenação das políticas económicas e a convergência de fachada
Vários artigos (de 9 a 11) estão ligados a esta matéria , mas todos recordam os dispositivos já em funcionamento no Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e no Tratado da União Europeia. O Artigo 10 está lá como pura fachada: “em conformidade com os requisitos estabelecidos pelos tratados em que se funda a União Europeia, as Partes Contratantes estão disponíveis para recorrer mais activamente, sempre que adequado e necessário, a medidas específicas para os Estados-Membros cuja moeda seja o euro (…)”, . “assim como à cooperação reforçada (…) para as questões essenciais ao bom funcionamento da zona euro,” mas sempre dentro de um quadro liberal, ou seja “sem prejudicar o mercado interno.”
11. Uma governação intergovernamental da zona euro
O TSCG institucionaliza o fracasso da política intergovernamental destes últimos 5 anos, em vez de iniciar um federalismo fiscal. “Os chefes de Estado ou de Governo das Partes Contratantes cuja moeda é o euro reúnem-se informalmente em cimeiras do Euro, juntamente com o Presidente da Comissão Europeia” (artigo 12. º, n. 1).
È necessário redigir tratados para dizer que os chefes de Estado se deve reunir informalmente! Este artigo é sintomático do vazio jurídico . Este Tratado tem como seu único objectivo o seu título I, ou seja, a imposição de regras orçamentais restritivas e vinculativas. Ele confirma igualmente a ausência de respeito pelo Parlamento Europeu. Assim, em vez de se ter no Tratado que Presidente seja convidado de pleno direito, tem-se no Tratado que “o Presidente do Parlamento Europeu pode ser convidado a ser ouvido” (artigo 12, parágrafo 5).
12 Uma ideologia ultraliberal
O princípio da constitucionalização da regra orçamental é uma ideia bem antiga da escola de Chicago de Milton Friedman e da escola Public Choice. A escola de Chicago, na continuidade da sociedade Mont Pelerin, fundada por Hayek, tem-se sempre colocado contra o paradigma keynesiano da eficácia da intervenção do Estado. Para estes neoliberais os mecanismos de preços de mercado são sempre mais eficazes enquanto que as intervenções públicas são sempre prejudiciais.
Em 1977, Kydland e Prescott teorizaram que as políticas discricionárias não maximizem o bem-estar social e que se deve sempre supervisionar a acção do governo através de regras orçamentais restritivas. A passagem da economia para a direito ganha assim sentido . A constitucionalização de uma regra orçamental pode restringir e vincular as mãos dos políticos. O circulo é assim completo: toda e qualquer política keynesiana torna-se assim impossível, deixando aos mercados a tarefa de encontrarem naturalmente o seu ponto de equilíbrio . É a instituição do primado da economia sobre a política.
13. Uma zona euro em perigo
O TSCG tem por objectivo teórico responder à crise actual e evitar a ruptura da zona euro. O principal sinal da crise da zona euro é o diferencial nas taxas de juro. Na mesma área monetária, a moeda é mesma. Um euro grego não é diferente de um euro alemão ou de um euro português. O euro troca-se da mesma forma com os mesmos bens cujo custo de produção seja sensivelmente o mesmo e tanto mais assim quanto há livre circulação de capitais. A convergência das taxas de juros é, aliás, um dos critérios para entrar na zona euro. A sua divergência actual mede o grau de risco de desmembramento da área do euro, é o que os economistas chamam de prémio de risco.
Em 2007, as diferenças nas taxas eram baixas. O Reino Unido tinha ainda um prémio para o risco de estar fora da zona euro. Em 2009, as diferenças foram ainda razoáveis antes de se alargarem , especialmente na Grécia, onde as taxas de juros se tornaram usurárias. Mais o país corta nas suas despesas mais os juros aumentam! A especulação que tinha desaparecido desde a criação do euro volta a reaparecer na Europa. A especulação sobre as taxas de juro substitui a especulação sobre as taxas de câmbio.
Longe de melhorar a situação actual, o TSCG vai ampliar a crise e os comportamentos especulativos ao generalizar o círculo recessivo grego: recessão leva a subir as taxas de juros, o que implica maior peso da dívida, o que implica agravamento da recessão e assim sucessivamente Assim claramente aumenta o risco de desmembramento da área do euro. O custo da inacção aumenta com o aumento das taxas de juro . O TSCG não aborda a questão do custo da dívida. A força dos Estados Unidos e do Reino Unido está na sua capacidade em controlar as taxas de juros através da acção do seu Banco Central.