Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Um surpreendente mea culpa do economista-chefe do FMI sobre a austeridade
Howard Schneider, Janeiro de 2013/Wonkblog, Washington Post
Considere isto como um mea culpa misturado ou escondido numa montanha de profundos cálculos e de análise económica exaustiva a partir de rectas de regressão: o economista-chefe do FMI reconheceu hoje que as sucessivas previsões que o Fundo publicou sobre a economia da Grécia e das outras economias europeias mostram que o Fundo não compreendeu completamente como é que os esforços da austeridade imposta iriam prejudicar o crescimento económico.
O texto agora apresentado, altamente técnico, analisa e revê de novo a questão dos multiplicadores orçamentais – ou seja, analisa o impacto que tem tido o aumento ou a descida na despesa pública ou o aumento ou descida nos impostos cobrados pelo governo sobre a economia do respectivo país.
Olivier Blanchard, economist-chefe do FMI diz que o FMI errou nas suas estimativas quanto ao impacto da austeridade nas economias europeias. Jaffe/IMF)
O documento é apresentado com a assinatura do economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, o que é significativo. A investigação feita ao nível do FMI é sempre publicada com a ressalva de que ela representa a opinião do autor e não a da própria instituição. Mas este documento vem do topo e pretende resolver uma questão que tem estado no centro de debate sobre os níveis de austeridade a aplicar que os países devem aplicar e sobre o timing em que o devem fazer, nos seus esforços para reduzir os défices e o seu elevado endividamento.
Se os multiplicadores orçamentais são de baixo valor, os países podem cortar mais rapidamente na despesa pública ou aumentar mais intensamente os impostos sem grandes efeitos negativos a muito curto prazo nas economias em análise. Se, pelo contrário, se estes multiplicadores são de valor elevado, então o processo determinado pelas politicas de austeridade pode tornar-se autodestrutivo, pelo menos a curto prazo, em que cada euro de cortes nas despesas públicas , por exemplo, pode custar à economia mais do que um euro em produção perdida e, por essa via, aumentar ainda mais o rácio da dívida pública relativamente ao PIB.
Isso é o que tem estado a acontecer com uma força total na Grécia, onde os analistas financeiros estimaram , como parte do primeiro programa de resgate do país, em 2010, que a Grécia poderia cortar profundamente na despesa pública e rapidamente retomar, depois, a sua trajectória anterior de crescimento económico e aumentar o nível de emprego.
Dois anos mais tarde, a economia grega ainda está em recessão profunda e o desemprego está já em 25 por cento.
Naturalmente não há duas circunstâncias que sejam iguais. Neste momento fora dos mercados internacionais a negociarem em obrigações, a Grécia tem tido muito poucas hipóteses de escolha que não seja ou a começar a colocar as suas finanças públicas em ordem ou então enfrentar uma situação catastrófica de incumprimento. Simplesmente o financiamento não estava disponível para manter os níveis anteriores de despesa pública. Para uma economia que tem andado a cambalear desde há vários anos , contudo, um ou dois mil milhões em programas de governo extra ou em investimento poderiam ter mantido diversas pequenas empresas a funcionarem e teriam assim mantido também diversas famílias empregadas e a consumirem, [a não fazerem descer a procura e a consequente produção local] .
As estimativas feitas subestimaram significativamente o aumento do desemprego e o declínio na procura interna associada à consolidação orçamental imposta, [ou seja, subestimaram os efeitos negativos da política de austeridade sobre a produção, o emprego e a despesa interna] , dizem-nos agora Olivier ” Blanchard e o seu co-autor Daniel Leigh, um economista do FMI.
Essa conclusão um pouco secamente exposta, resume o que equivale a uma tempestade em círculos dos economistas e dos especialistas nos métodos econométricos aplicados à economia. O FMI tem sido acusado de intencionalmente subestimar os efeitos de austeridade na Grécia para fazer com que os seus programas de austeridade sejam digeríveis, pelo menos no papel; as autoridades do FMI argumentaram que eram os seus parceiros europeus, nomeadamente a Alemanha, que insistia em cortes mais profundos e mais rápidos. A evolução dos trabalhos de pesquisa sobre os multiplicadores pode ter ajudado a deslocar o tom do debate em países como a Espanha e Portugal, onde se tem defendido um ritmo mais lento do controle do défice .
Mas, o documento inclui alguns subtis e potencialmente perturbadores esclarecimentos sobre como é que funciona o FMI. Blanchard — efectivamente o economista chefe, the top dog como dizem os americanos, quando se trata de ciência económica no FMI — escreve no texto que ele não poderia, de facto, determinar qual o nível dos multiplicadores — em relação aos respectivos países — que os economistas estavam a usar nas suas estimativas, nas suas previsões. O valor dos multiplicadores estava implícito nos seus modelos de previsão – uma hipótese de base, mais do que uma variável que precisaria de ser ajustada a partir das circunstâncias especificamente nacionais ou das suas peculiaridades próprias.
A caminharmos para uma crise que quase fez em pedaços a zona euro, ou por outras palavras, nem Blanchard ou qualquer outro economista do vasto exército de técnicos do Fundo pensou em reexaminar se as hipóteses importantes feitas sobre a região e utilizadas nos seus modelos de cálculo ainda estariam a ser válidas nos tempos de crise.
Que, sabe-se e confirma-se agora, foi um grande erro. Os multiplicadores variam ao longo do tempo: eles podem ser pequenos num país onde a economia está a crescer , as taxas de juros são normais e o sistema bancário funciona em boas condições. Como o presente trabalho o bem ilustra, os multiplicadores ficam mais elevados se as taxas de juros são baixas, se a produção está em queda e se o sistema bancário está decrépito -condições que fazer com que todos, desde as famílias aos investidores, estejam menos propensos a gastar e este comportamento, por seu lado, faz com que os efeitos de contracção da procura gerados pela politica governamental venham assim muito mais importantes em valor [do que os estimados inicialmente pelos respectivos decisores.]
Blanchard e Leigh deduziram que os estimadores do FMI que têm sido utilizados trabalham com um multiplicador uniforme de 0.5, quando na verdade as circunstâncias da economia Europeia fazem com que o multiplicador seja bem próximo de 1.5, o que significado o seguinte: um corte na despesa pública de um euro custa ao país 1,50 euros de produção perdida, [ou seja, de riqueza não criada] .
Quais são as implicações para o futuro ?
Este documento pode não ser uma posição oficial do FMI, mas vindo de economista-chefe desta instituição, deve levar a que esta organização se sinta vinculada a mudar a forma como ela produz as suas estimativas, as suas previsões.
Quanto à política orçamental – uma questão de interesse nos Estados Unidos tanto quanto o debate neste país se volta agora para a austeridade-Blanchard e Leigh dizem-nos que uma melhor compreensão dos multiplicadores não produz quaisquer conclusões definitivas.
Muitos países ainda precisam de cortar nos seus défices – alguns mais rapidamente, outros mais lentamente, tudo dependendo de uma série de outros factores.
“Os resultados não implicam que a consolidação orçamental seja indesejável,” escrevem os dois autores. “Praticamente todas as economias avançadas enfrentam o desafio do ajustamento orçamental em resposta a níveis elevados da dívida pública e às pressões futuras sobre as finanças públicas a partir das variações demográficas. Os efeitos a curto prazo da política orçamental sobre a actividade económica são apenas um dos muitos factores que é necessário ter em conta em qualquer país para a determinação do ritmo adequado de consolidação orçamental a ser efectuado.”
Howard Schneider, An amazing mea culpa from the IMF’s chief economist on austerity, 3 de Janeiro de 2013.
1 Comment