REFLEXÕES SOBRE A MORTE DA ZONA EURO, SOBRE OS CAMINHOS SEGUIDOS NA EUROPA A CAMINHO DOS ANOS 1930

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Um surpreendente mea culpa do economista-chefe do FMI sobre a austeridade

Howard Schneider, Janeiro de 2013/Wonkblog, Washington Post

Considere isto como  um mea culpa misturado ou escondido numa montanha de profundos cálculos e de  análise  económica exaustiva  a partir de rectas de regressão: o economista-chefe do FMI   reconheceu hoje que as sucessivas previsões que o Fundo publicou sobre a economia da Grécia e das  outras economias europeias  mostram que o Fundo não compreendeu completamente como é que os esforços da austeridade imposta iriam prejudicar o crescimento económico.

O texto agora apresentado,  altamente técnico,  analisa e revê de novo a questão dos multiplicadores  orçamentais  – ou seja, analisa  o impacto que tem tido o  aumento ou a descida  na despesa pública  ou o aumento ou descida nos impostos cobrados pelo governo sobre a economia do respectivo  país.

 2010 WEO BLANCHARD DECRESSIN KOEVA BROOKS ABIADOlivier Blanchard, economist-chefe do FMI diz que o   FMI  errou nas suas estimativas quanto ao impacto da austeridade nas economias europeias.  Jaffe/IMF)

O documento é apresentado com  a assinatura do economista-chefe do FMI,  Olivier Blanchard, o que é  significativo.  A investigação feita ao nível do FMI é sempre publicada  com a ressalva de que ela representa a opinião do autor e não a da  própria instituição. Mas este documento vem do topo e pretende resolver  uma questão que tem estado no centro de debate sobre os níveis de austeridade a aplicar que os  países devem aplicar e sobre o timing em que o devem fazer,  nos seus  esforços para reduzir  os défices e o seu elevado endividamento.

Se os multiplicadores  orçamentais são de baixo valor, os países podem cortar mais rapidamente na despesa pública ou aumentar mais intensamente os impostos sem grandes efeitos negativos a muito curto prazo nas economias em análise. Se, pelo contrário, se estes multiplicadores são de valor elevado, então o processo determinado pelas politicas de austeridade  pode tornar-se  autodestrutivo, pelo menos a  curto prazo, em que  cada euro de cortes nas despesas públicas , por exemplo, pode custar à economia mais do que um euro  em produção perdida e, por essa via, aumentar ainda mais o rácio da dívida pública relativamente ao PIB.

Isso é o que tem  estado a acontecer  com uma força total na Grécia, onde os analistas financeiros  estimaram , como parte do primeiro programa de resgate do país, em 2010, que a Grécia poderia cortar profundamente na despesa pública  e rapidamente retomar, depois,  a sua trajectória anterior de crescimento  económico e  aumentar o nível de  emprego.

Dois anos mais tarde, a economia grega ainda está em recessão profunda  e o desemprego está já em 25 por cento.

Naturalmente não há duas circunstâncias que sejam  iguais. Neste momento fora dos mercados internacionais a negociarem em obrigações, a Grécia  tem tido muito poucas hipóteses de  escolha que não seja ou a começar a colocar as suas finanças públicas em ordem ou então enfrentar uma situação catastrófica de incumprimento. Simplesmente o financiamento não estava  disponível para manter os  níveis anteriores de despesa pública. Para uma economia que tem andado a cambalear desde há vários anos , contudo,  um ou dois  mil milhões em programas de governo extra ou em investimento poderiam ter mantido diversas  pequenas empresas a funcionarem  e teriam assim mantido também diversas  famílias  empregadas e a consumirem, [a não fazerem descer a procura e a consequente produção local] .

As estimativas feitas  subestimaram  significativamente o aumento do desemprego e o declínio na procura interna  associada à consolidação orçamental imposta, [ou seja, subestimaram os efeitos negativos da política de austeridade sobre a produção, o emprego e  a despesa interna] , dizem-nos agora   Olivier ” Blanchard e o seu co-autor Daniel Leigh, um economista do FMI.

Essa conclusão um pouco secamente exposta, resume o que equivale a uma tempestade em círculos dos economistas e dos especialistas nos métodos econométricos aplicados à economia.  O FMI  tem sido acusado de intencionalmente subestimar os efeitos de austeridade na Grécia para fazer com  que os seus programas de austeridade sejam digeríveis, pelo menos no papel; as autoridades do FMI  argumentaram que eram os  seus parceiros europeus, nomeadamente a Alemanha, que insistia em cortes mais profundos e  mais rápidos. A evolução dos trabalhos de pesquisa  sobre os multiplicadores pode ter ajudado a deslocar o tom do debate em países como  a  Espanha e Portugal, onde se tem defendido um ritmo mais lento do controle do défice .

Mas, o documento inclui alguns subtis e potencialmente perturbadores esclarecimentos  sobre como é que funciona o FMI.  Blanchard — efectivamente o economista chefe, the top dog como dizem os americanos,   quando se trata de ciência económica no FMI  —  escreve no texto  que ele não poderia, de facto,  determinar qual o nível dos multiplicadores — em relação aos respectivos  países —  que os economistas estavam a  usar nas suas estimativas, nas suas  previsões. O valor dos multiplicadores estava implícito nos  seus modelos de previsão – uma hipótese de base, mais do que  uma variável que precisaria de  ser ajustada a partir das circunstâncias especificamente nacionais  ou das suas peculiaridades próprias.

A caminharmos para uma crise que quase fez  em pedaços a zona euro, ou por outras palavras, nem Blanchard ou qualquer outro economista do  vasto exército de técnicos do  Fundo pensou em reexaminar se as hipóteses  importantes feitas sobre a  região e utilizadas nos seus modelos de cálculo  ainda estariam a ser válidas nos tempos de crise.

Que, sabe-se e confirma-se agora,  foi um grande erro. Os multiplicadores variam ao longo do tempo: eles podem ser pequenos   num país onde a economia está a crescer , as taxas de juros são normais e o sistema bancário funciona em boas condições. Como o presente trabalho o bem ilustra, os multiplicadores  ficam mais elevados se as taxas de juros são baixas, se a produção está em queda e se o sistema bancário está decrépito -condições que fazer com que todos, desde as  famílias aos investidores, estejam menos propensos a gastar e  este comportamento, por seu lado,  faz com que os efeitos de contracção da procura gerados pela politica governamental venham assim muito mais importantes em valor [do que os estimados inicialmente pelos respectivos decisores.]

Blanchard e Leigh deduziram  que  os  estimadores do   FMI que têm sido utilizados  trabalham   com  um multiplicador uniforme de 0.5, quando na verdade as circunstâncias da economia Europeia fazem com que  o multiplicador seja  bem próximo de 1.5, o que significado o seguinte: um corte na despesa pública de um euro custa ao país 1,50 euros de produção perdida, [ou seja,  de riqueza não criada] .

Quais são as implicações para o futuro ?

Este documento  pode não ser uma posição oficial do FMI, mas vindo de economista-chefe desta instituição, deve levar a que esta organização se sinta vinculada a mudar a forma como ela   produz as suas estimativas, as suas previsões.

Quanto à política orçamental – uma questão de interesse nos Estados Unidos tanto quanto  o debate neste país se volta agora  para a austeridade-Blanchard e Leigh dizem-nos  que uma melhor compreensão dos multiplicadores não produz quaisquer conclusões definitivas.

Muitos países ainda precisam de cortar   nos seus défices – alguns mais rapidamente, outros mais lentamente,  tudo  dependendo de uma série de outros factores.

“Os resultados não implicam que a consolidação orçamental seja indesejável,” escrevem os dois autores. “Praticamente todas as economias avançadas enfrentam o desafio do ajustamento orçamental  em resposta a níveis elevados da dívida pública  e às pressões futuras sobre as finanças públicas a partir das  variações   demográficas. Os efeitos a curto prazo da política  orçamental sobre a actividade económica são apenas um dos muitos factores que é  necessário ter em conta  em  qualquer país para a determinação do ritmo adequado de consolidação orçamental a ser efectuado.”

Howard Schneider, An amazing mea culpa from the IMF’s chief economist on austerity, 3  de Janeiro de  2013.

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