ESPANHA, EXISTE?
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País Basco ou o fracasso da “espanholização”
José Goulão
O País Basco na sua vertente territorial situada no contexto de Espanha iniciou o caminho entre um presente instável e indefinido e um futuro estatuto cuja formatação é ainda uma incógnita e que, aplicando a lógica corrente, deverá balançar entre uma solução federalista e a independência pura e simples.
Depois das últimas eleições regionais, nas quais o tema de reforço da autonomia, que muitos leram como “independência”, foi realmente a referendo, nada voltará a ser como dantes ou como agora. Noutras ocasiões históricas como no caso da Segunda República, entre 1931 e 1939, o País Basco conquistou uma autonomia reforçada mas o processo regrediu até às mais primárias e ultramontanas formas de colonização nacional, cultural e económica. A envolvente histórica da actual fase não facilita a reedição de operações de asfixia dos direitos elementares bascos, não porque não haja quem o deseje e conspire para tal mas porque a dinâmica democrática, se bem que muito distorcida, parece ser mais forte do que as tentações golpistas.
Tal como em relação à Catalunha, o País Basco iniciou um processo que privilegia a manifestação da vontade popular sobre o futuro do território em relação a um processo administrativo estabelecido da cúpula para as bases.
Nas eleições do Outono de 2011 os partidos nacionalistas bascos – o ideologicamente conservador Partido Nacionalista Basco (PNB) e a esquerda agregada na coligação Bildu – conquistaram cerca de 60 por cento dos votos e uma ampla maioria absoluta no Parlamento Regional. Embora não haja entre as duas forças qualquer entendimento político conhecido – diz-se que existe um acordo secreto – tanto em relação à governação como à questão da autonomia e independência, 2015 é o ano que ambas definiram como o da definição do novo futuro.
Na Catalunha, os nacionalistas de direita, com apoio da Esquerda Republicana, escolheram a convocação de um referendo para formalizar a decisão; o mesmo parece acontecer no País Basco, embora o PNB afirme que não existe qualquer coordenação com Barcelona; parecendo não haver alternativa à realização de um referendo fica por saber se a questão da independência será colocada entre as opções a apresentar aos eleitores. O problema basco é formalmente mais complexo porque existem situações territoriais que agitam sensibilidades internas, designadamente a zona sob administração francesa e a própria questão de Navarra.
A importância dos resultados eleitorais mais recentes é acrescida pelo facto de ter sido a primeira consulta depois da auto dissolução da ETA, o movimento independentista armado formado em 1958 para combater a ditadura franquista e cujos métodos entraram pelo período posterior ao fim do regime terrorista, provocando justificada controvérsia e resultados que ensombraram a causa da luta pelos legítimos direitos nacionais do povo basco.
Na sequência do desaparecimento da ETA, a corrente nacionalista de esquerda obteve um dos mais importantes resultados de sempre e, além disso, os partidos ditos nacionais, o chamado “arco da governação” neoliberal e centralista – PSOE e Partido Popular – não chegaram a obter em conjunto o apoio de um terço do eleitorado da região. É muito importante recordar que em vários atos eleitorais anteriores tanto o PSOE como o PP recorreram aos tribunais para impedir as coligações da esquerda nacionalista de se candidatarem, alegando que não eram mais do que braços políticos da ETA. Em alguns casos os tribunais assumiram essa aberração de democracia impedindo a ida às urnas de uma organização que, como ficou demonstrado nas mais recentes consultas, representa 25 por cento do eleitorado e foi a que fez eleger mais conselheiros autárquicos, governando hoje Bilbau, a cidade mais populosa do país.
Estes factos são, inegavelmente, sinais de tempos de mudança, dependendo agora do PNB, o segundo mais velho partido do espaço espanhol, com mais de 130 anos, assumir as suas responsabilidades perante as circunstâncias. O PNB formou o governo regional em exercício, incluindo dois independentes em oito ministros, e uma vez que não tem maioria absoluta é obrigado a governar com apoio em partidos que circunstancialmente podem garantir-lhe maiorias parlamentares de decisão: a coligação Bildu e o PSOE (o maior derrotado do ato eleitoral depois de uma desastrada gestão centralista em que escolheu aliar-se aos neofranquistas de Rajoy). Na Catalunha os nacionalistas de direita da Convergência i Unió foram claros na definição dos seus parceiros, formando governo sozinhos mas negociando um acordo com a Esquerda Republicana tendo como pilar principal a convocação do referendo sobre o futuro da região. No caso basco, a existir um acordo ele é, para já, secreto.
Madrid argumenta contra as tendências secessionistas que estas desrespeitam a Constituição espanhola, desvalorizando o facto de as populações das regiões serem por definição donas dos seus destinos. De qualquer modo, tanto os nacionalistas catalães como os bascos asseguram que pretendem organizar as consultas populares no quadro da legitimidade existente, dependendo agora do governo central querer entender ou não o que efetivamente está em jogo.
Outras das pressões exercidas contra os partidários da mudança são as ameaças de Bruxelas, interpretadas em primeiro lugar pelo dr. Barroso, segundo as quais o País Basco e a Catalunha (tal como a Escócia no contexto do Reino Unido) ficarão de fora da União Europeia se optarem pela independência, indo para últimos da fila de candidatos à entrada.
As instituições da União brandem os tratados em defesa desta posição, mas são as mesmas que, ignorando tratados e precauções mínimas, admitiram de uma penada e de modo escandalosamente oportunista – e colonial – países como a Letónia, a Estónia, a Lituânia, a Hungria, a Eslováquia, a Roménia, a Bulgária, sem ser necessário falar do caso mais recente, o da Croácia – não tardando, se calhar, essa aberração chamada Kosovo.
O que Madrid e Bruxelas têm que entender é que os povos do País Basco e da Catalunha, como outros pelo mundo fora, têm o direito legítimo de decidir sobre como querem viver. E estando na União Europeia – sem aliás terem sido consultados para o efeito – cabe-lhes decidir, nas novas circunstâncias, se querem sair ou continuar, no quadro dos compromissos por que se rege a UE.
Os bascos constituem uma das culturas e nações mais sólidas da Península Ibérica, a sua ascendência, de acordo com estudos que têm sido divulgados, vem de povos que chegaram à Península no Paleolítico – lapões, caucasianos ou berberes – e em cujas línguas, que na altura dominaram o espaço entre o Atlântico e o Mediterrâneo, podem encontrar-se fundamentos do basco atual.
Os reis católicos “unificaram” a Península com base em cruzadas religiosas; Franco, mais de quatro séculos depois, retomou-lhes os métodos lançando a operação de cariz verdadeiramente terrorista que ficou conhecida como “espanholização”. As culturas e as línguas nacionais sobreviveram a tudo. No caso basco, e seguramente em outros, recolheram-se aos ambientes familiares, de pequenas comunidades, e assim permaneceram vivas.
Os reis católicos e Franco fracassaram. O PSOE e os direitistas de Rajoy não aprenderam a lição. Porque mais tarde ou mais cedo não existirá outro método capaz de se opor à vontade dos povos livremente expressa.
Não se compreende como é possível que um regime que se assume como democrático, tenha aproveitado os restos do banquete franquista. A II República, legitimamente eleita, tinha empreendido um processo de criação de uma federação de nações que, terminada a ditadura, devia ter sido retomado. Porém, quer PSOE, quer PP, mantêm o conceito de España Una y Grande. E o processo de espanholização está a acentuar-se – o castelhano volta a ser imposto como primeira língua em todo o Estado, passando as línguas nacionais a opcionais nos programas de ensino. Excelente artigo o seu, José Goulão, pois expõe sem tibiezas o que se passa no «Reino de Espanha». Oxalá, quando «a vontade dos povos, livremente expressa», divergir da vontade de Madrid, os militares não voltem a intervir, como em 1936.
Intervirão de novo. Compreende-se se pensamos que não estão a dizer verdade quando falam de democracia. Mas, que governo fala verdade quando diz a tal da palavra? Islândia talvez?
Agraeixo a l’autor aquesta anàlisi, que tant convida a la reflexió. Em permeto, però, fer-hi una obersevació pel que fa a la referència a Catalunya: “Na Catalunha, os nacionalistas de direita, com apoio da Esquerda Republicana, escolheram a convocação de um referendo para formalizar a decisão”. És cert que el govern català és a mans de CiU, que no té, però, majoria absoluta, i és cert també el compromís d’ERC de fer-los costat a partir d’una sèrie d’acords que inclouen el compromís de celebració del referèndum o la consulta sobiranista. Però aquesta voluntat no és patrimoni dels “nacionalistes de dreta”. Va anar precedida d’una consulta popular, però força rigorosa, celebrada al llarg de dos anys als municipis de tot Catalunya, incloses les cutats principals, va ser reclamada, l’Onze de Setembre d’enguany, per l’Assemblea Nacional Catalana i altres organitzacions cíviques i avalada per una milionària manifestació popular, ha estat i és ratificada de manera persistent per l’expressió popular en actes col·lectius i públics, i va ser aprovada al si del Parlament -l’anterior a les eleccions del dia 25- amb el suport de CiU, ERC i ICV-EU, i 2 vots més, amb l’oposició de les forces de dretes PP i C’s, i amb l’abstenció de 25 (sobre 26) vots del PSC. La resolució parlamentària, que es pot consultar al web del Parlament de Catalunya (http://www.parlament.cat/web/actualitat/noticies?p_id=122807784) diu, en el punt 5:
5. El Parlament de Catalunya constata la necessitat que el poble de Catalunya pugui determinar lliurement i democràticament el seu futur col•lectiu i insta el govern a fer una consulta, prioritàriament dins la pròxima legislatura.
Els diferents punts de la resolució foren votats individualment, i el resultat pel que fa al punt 5 que he transcrit, foren aquests:
Votacions: 84 vots a favor (CiU, ICV-EUiA, ERC, SI, Laporta i Maragall), 21 en contra (PPC i C’s) i 25 abstencions (PSC).
La data d’aquesta resolució és el 27 de setembre del 2012. Amb anterioritat, però, el 17 de març del 2010, el Parlament de Catalunya va aprovar la Llei 4/2010 de consultes populars per via de referèndum.
La voluntat d’exercir el dret a decidir per via de referèndum és, per tant, transversal a tots els partits catalans, inclòs el PSC amb matisos que ara no fan al cas, amb l’excepció dels partits de dretes espanyolistes, siguin o no d’obediència espanyola.
Meu caro Josep A. Vidal, compreendo e aceito o seu comentário, que muito agradeço. Talvez as expressões utilizadas em relação à qualificação da Catalunha não tenham sido as mais felizes não por falta de respeito, antes pelo contrário, mas pela possibilidade de ser encarada a questão nacional como “propriedade” dos “nacionalistas de direita”. Tal não me passa pela cabeça. Claro que a decisão será dos cidadãos da Catalunha, os verdadeiros proprietários da nação. A alusão à Catalunha no meu texto foi apenas uma espécie de “paralelismo/dissociação” em relação ao processo basco para deixar a noção das complementaridades existentes mas também das individualidades de ambos. Reconheço que deveria ser maus cuidada a alusão à Catalunha mas, como o meu caro amigo bem demosntrou, isso seria outro texto: alongaria o tema e obrigar-me-ia a abordar os dois casos, extravasando o que me foi pedido, o País Basco. Muito obrigado pelos seus esclarecimentos oportunos.
José Goulão
Josep e José, seja ou não um direito de todos os partidos e não somente dos que o anunciaram, o importante é que se leve para a frente esse Referendum e que o resultado seja SIM À INDEPENDÊNCIA DA CATALUNYA. Ou então estaremos a perder o tempo de novo.