NÃO QUEREM OS MARCOS ALEMÃES? TÊM EUROS! Por Woyzeck

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

19 janeiro 2012

Vous ne vouliez pas du Deutsche Mark ? Vous avez eu l’Euro !

Do blogue L’ESPOIR – Economia · Convidados

http://lespoir.jimdo.com/2012/01/19/vous-ne-vouliez-pas-du-deutsche-mark-vous-avez-eu-l-euro/#permalink

Mark - I

Oferecemos-lhe este artigo do autor convidado, Woyzeck, que não corresponde completamente à linha habitual deste blog, em especial pela sua linha  federalista e sobre algumas visões históricas, mas que nos parece interessante publicar devido à riqueza da sua argumentação e à  riqueza da sua documentação. Ele indica as razões que levaram a França a aceitar a actual política económica da UE e explica porque é que esta  última política  leva  a um beco sem saída. Todas estas análises são vistas principalmente através da relação Franco-alemã. Boa leitura.

Desde há algum tempo, a senhora Merkel multiplica as declarações de firmeza  relativamente aos países  endividados e  vítimas dos assaltos  dos especuladores e dos mercados financeiros sobre o estado das suas finanças públicas. Não, na União Europeia, não há nenhum mecanismo automático   possível para resgatar  as finanças públicas de outros países e que exija  a cada país um pedido de  ajuda mútua em caso de disfuncionamento  financeiro momentâneo,. Porque, apesar de tudo  esta é a posição da senhora Merkel e da sua coligação  governamental  democrata-cristã  e liberal para quem não  pode haver resgate mútuo se os outros países não se empenham a deixar de gastar em vez de estarem sem  fazer contas. Tem-se mais ou menos a ideia  ainda de que os países do Sul da Europa, têm demasiada  tendência a gastar enquanto que  os alemães seriam eles a passar por serem as  ‘vacas leiteiras ‘ da Europa. Criticar essas posições mereceria futuros artigos de fundo, mas a  nossa análise de hoje irá centrar-se num tema diferente, intimamente ligado… a influência permanente e quase oficial do ponto de vista  ideológico da  Alemanha nas políticas económicas europeias e na sua concomitância: o declínio afirmado e claro das exigências francesas sobre  a governação económica europeia.

Desde a degradação do rating AAA da França pela agência de notação Standard & Poors, Merkel e os alemães em particular, estão a começar  a reconhecer o seu papel de liderança na governação económica europeia. Num  último artigo de 16 de Janeiro de 2012, o Süddeutsche Zeitung, de obediência esquerda liberal (“linksliberal”), ou seja, de social-democracia à alemã, observou que, com a perda do Triplo  A, é pois na verdade  a posição da França nas  negociações económicas a nível europeu e a sua credibilidade para exigir reformas na União Europeia quanto à sua  governação económica que foi  fortemente desacreditada.  O jornal não se privou sequer de  analisar a passagem da invenção dos neologismos  como  “Sarkozel” ou “Merkozy” em ambos os lados do Reno, para qualificar o casal franco-alemão, como prova do  enfraquecimento das posições francesas. O uso de palavras bastante cínicas  consiste em antepor   o neologismo formado com o  responsável político que estava  verdadeiramente “na barra” para só  colocar  em sufixo o político mais à deriva … Somos obrigados a observar que agora o termo “Merkozy” se irá  impor nos dois lados do Reno.

Tentemos  entender como é que a França  chegou até aqui nas  suas posições europeias e identifiquemos  o que poderia contribuir para a desqualificação da política económica a nível comunitário.

Crónica de uma abdicação anunciada

Reichstag
Reichstag

Perguntemos aos  nossos pais ou aos nossos avós, para aqueles que não conheceram estes tempos. Quais foram as características do marco alemão? Uma moeda forte, a moeda mais forte do continente, usada como valor de referência para as outras moedas europeias, incluindo a moeda única, o ecu, moeda que precedeu o  euro. Para obter uma moeda estável e forte, os alemães tiveram um Banco Central, o Bundesbank, muito diferente ao nível dos seus  estatutos  do Banco de França: o governador do Bundesbank era  nomeado para uma pequena dezena de anos, era um operador totalmente independente das políticas económicas dos sucessivos governos e do Estado. A luta contra a inflação foi o seu objectivo prioritário e a finalidade assumida pelas  operações  diárias do Bundesbank. Assim, não se punha a questão de o Estado poder aumentar ou diminuir as taxas de juro pelas vias de facto,  e com uma simples ordem.  Em suma, o inverso de um banco de França que era vítima de todas as alternâncias políticas, instrumento ao  serviço do Poder para seguir as políticas económicas adoptadas pelos povos.

Os alemães, por razões que lhes parecem dizer respeito apenas a eles, mas que são em grande parte desprovidas de sentido e de realismo económico  consideram a luta contra a inflação como a missão primeira de toda a política monetária, em detrimento de uma política  centrada nos estímulos orçamentais  da política keynesiana, negando ao mesmo tempo aos governos qualquer possibilidade de definir outras prioridades para as políticas económicas nacionais: a luta contra as fugas fiscais, o relançamento pelo  crescimento, a introdução de mecanismos anti-cíclicos  que são os únicos capazes de parar com os  períodos de recessão e as suas más consequências, os ciclos de austeridade. Levando até ao fim esta análise para terminar este pequeno memorando sobre o sistema económico e financeiro alemão antes do advento do euro, devemos relembrar que até agora nenhum estudo económico empiricamente viável conseguiu demonstrar a correlação efectiva entre um Banco Central independente e a estabilidade dos preços. Na verdade, a escolha estatutária de um banco central independente não  tem a ver com as  escolhas económicas   mas sim com as opções políticas que incidem  sobre um único objectivo: secar  para sempre o recurso monetário e orçamental dos governos de esquerda e impedi-los de aumentar os impostos que eventualmente podem pesar sobre os ricos (que obviamente não é o caso hoje  nem em França nem na Alemanha).

No entanto, hoje, quais são as características da moeda única europeia e isso desde que esta  foi instituída  oficialmente no tratado de Maastricht em 1992? Uma moeda forte calculados a partir do Marco alemão, onde 1 euro é igual a 0,5 Deutsche Mark quando 1 euro é igual a 6,55957 francos franceses. Uma moeda dirigida pela mão de um Banco Central, estabelecido em Frankfurt sur  Main, na Alemanha, a maior praça  financeira do continente. Mas bem mais do que a situação do referido banco  responsável pela gestão do euro, é o seu estatuto que chama a  atenção: o governador é nomeado por um período de 8 anos não-renováveis, ou seja por um período muito longo no que diz respeito às possíveis alternâncias  políticas numa Europa a 27, onde as eleições nacionais destituindo  um governo e investindo um novo em eleições nacionais acontecem todos os anos. Mas, acima de tudo, o objectivo  afixado na pilotagem  do BCE é de facto o  de garantir a estabilidade de preços (artigo 127. º do TFUE, primeira frase: “o principal objectivo do sistema europeu de bancos centrais, adiante designado «SEBC», é o de manter a estabilidade dos preços”). Por outras palavras, deixámos consagrar   nos tratados europeus, desde o início, uma supremacia dogmática alemã em detrimento de uma maior margem de manobra que nos teria deixado a possibilidade de definir mais tarde as modalidades de funcionamento efectivas   da moeda única, o tempo de a máquina rodar e de a aperfeiçoar  Em vez disso, nós deixámos-nos  escravizar por uma  moeda, cuja prioridade é expressamente, desde há uma década até  agora, a de combater o aumento dos preços que, salvaguardadas todas as proporções está continuamente a funcionar, Banco Central independente  ou não, sobre  o conjunto de todos os cidadãos da zona euro, e  estes sabem-no agora bem.

Numa palavra como em centenas delas, e para marcar os espíritos, é óbvio que a Alemanha foi capaz, ao longo dos anos e porque a França a deixou fazer, de se impor e de impor um diktat do todo-poderoso marco alemão na Europa. Quando os nossos homens políticos souberam recusar a introdução do Reichsmark em 1940, quando o General de Gaulle teve a coragem de recusar as moedas aliadas anglo-saxónicas no território francês até à  libertação em 1944 para preferir   uma variante mesmo provisória  do franco, nós deixámos uma moeda que nos pertencia  tanto a nós quanto aos alemães originalmente, tornar-se um substituto do marco alemão. E hoje, quando os responsáveis políticos de esquerda ou de direita nos oferecem uma saída do Euro como o único meio de resolver as crises monetárias e orçamentais  na Europa, nós sabemos na realidade o que está em jogo: o franco nunca mais  vai existir, e a moeda que o substituiu é bem o  marco alemão!

(continua)

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