REFLEXÕES SOBRE A MORTE DA ZONA EURO, SOBRE OS CAMINHOS SEGUIDOS NA EUROPA A CAMINHO DOS ANOS 1930

Uma viagem pelos países da Europa atingidos  pelo  escândalo  da carne de cavalo

Por Júlio Marques Mota

Uma peça dedicada ao meu amigo Gama, à sua égua, às crianças que a montaram

(CONTINUAÇÃO)

Parte III

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romenia

 

  1. As razões de base para uma crise, de calo, de vaca, do que for

Inicialmente, foi uma questão de acaso. Em última análise, tem havido  revelações de que não se trata de  fraudes isoladas antes pelo contrário e que são também o testemunho,  ao mesmo tempo, da  crise que atravessa este sector, a da fileira carne do cavalo na Europa e com um conjunto de  praticas pouco  respeitadoras das normas   da indústria agro-alimentar.

O “caso” de carne de cavalo começa a 17 de Setembro de 2012, quando um inspector de saúde do Condado de Newry (Irlanda do Norte) encontra um problema de etiquetagem  e  de  embalagem num stock de carnes sobrecongeladas. Por puro acaso ele veio cair  num  dos maiores escândalos recentes  sobre produtos alimentares .

A carne pertencia à empresa McAdams, uma pequena estrutura de importação – exportação, com base no outro lado da fronteira,  na República da Irlanda. Foi necessário  algumas semanas para que o processo fosse  transferido de um país para outro e depois mais  três meses para as  autoridades irlandesas  subiram na inspecção da fileira desta  indústria.

O escândalo rebenta possivelmente em meados de Janeiro: até 29% de carne de cavalo encontra-se na carne picada  suposta ser apenas de carne de vaca  e que estava  à venda nos  supermercados Tesco, Iceland  e Lidl. A sua origem, a Polónia.

Preocupadas, muitas unidades industrias de processamento de alimentos  na Europa começam a realizar testes. E no final de Janeiro, o francês Comigel alerta Findus: as suas lasanhas  estão contaminados, até aos 100% em alguns casos.

A marca de sobrecongelados, puxa o sinal de alarme no Reino Unido em 4 de Fevereiro, anunciando que ia  retirar  os seus produtos. Desde então, dezenas de pratos têm sido retirados das prateleiras  dos supermercados e estão já oito países, afectados pelo escândalo: Irlanda, Reino Unido, França, Suíça, Holanda, Bélgica, Alemanha e Suécia.

AFLUXO DE CAVALOS EM MATADOUROS

Não se trata de uma simples fraude, isolada, realizada  por um sub-contratante  de poucos escrúpulos. O caso é bem mais amplo: três fileiras  diferentes, até agora,  foram já descobertas . A  primeiro na Irlanda, com a carne polaca; a segunda com  Comigel com carne romena. A terceira , descoberto esta semana, vem do Reino Unido, onde as autoridades fizeram já três prisões na quinta-feira, 14 de Fevereiro.

Os matadouros Peter Boddy,  no  Yorkshire (norte da Inglaterra) são acusados de terem  enviado as carcaças de  cavalos para a fábrica agro-alimentar  gaulesa  Farmbox Meats, que as transformou  em carne  picada para hambúrgueres e para espetadas.

Como é que se chegou até aqui ? A explicação é dupla. A primeira é a “crise do cavalo”.

Com a recessão na Europa, muitos proprietários de equídeos não tem os meios para os manter. Uma possibilidade é abandoná-los: a associação World Horse Welfare (WHW) estima  que haja 6.000 cavalos a precisarem de encontrar um novo refúgio no Reino Unido.

Uma outra solução é enviá-los para o matadouro. “Incinerar um cavalo  custa dinheiro. Fazer  deles carne para a indústria ainda dá algumas centenas de euros “, diz Jessica Stark, porta-voz  de WHW.

Na Irlanda, o país da Europa que tem a maior concentração de cavalos, 25 000 foram enviados para os  matadouros no ano de 2012, contra 2 000 em 2008. No Reino Unido, o número dobrou em três anos para chegar aos  9.000. De repente, a carne de cavalo torna-se  muito barata.

Na Roménia, a situação é um pouco diferente, mas o resultado é o mesmo. Uma lei a  proibir  que haja carros movidos por cavalos  nas estradas tornou  desnecessários para os  seus donos   muitos equídeos; muitos, portanto,  foram reenviados para os matadouros para abate . Hoje, segundo os preços  de um matadouro romeno que consultar, o jornal Le Monde,  a  carne de cavalo  custa  metade  do preço da carne de vaca .

PRESSÃO FINANCEIRA SOBRE O SECTOR

Nestas condições, há uma grande tentação para substituir uma carne por outra. E é  aqui   que intervém  a segunda explicação: a indústria agro-alimentar  mostra-se tanto menos respeitadora das normas  quanto ela está centrada na redução dos seus custos.

Um exemplo: o esparguete  à  bolonhesa sobrecongelados dos  supermercados Tesco, subcontratados  junto de  Comigel, em que se encontrou carne de cavalo até cerca de  60% da carne total . Vende-se  pratos de  450 gramas a cerca de  1,20 euros, ou seja em que o  prato é  barato.

A marca  britânica diz-se  hoje vítima de fraude e diz que ela nunca mais irá  trabalhar com Comigel, uma cez que esta empresa   não respeitou o caderno de encargos em que se exigia a garantia de 100% de carne irlandesa de bovino.

No entanto, isto levanta uma questão: como é que um distribuidor  britânico pode encomendar ao preço em que foi feito, muitíssimo baixo, a  uma fábrica  situada  no Luxemburgo um prato feito com carne de bovino irlandesa, sem questionar os métodos utilizados?

Legalmente, a Tesco está protegida.  As regras  europeias exigem simplesmente que as  empresas acompanhem  os produtos alimentares, uma etapa antes e uma etapa depois:

É preciso saber qual a empresa tinha o ingrediente exactamente  antes e para onde o produto vai em seguida. Na época, praticamente ninguém conhece a cadeia de fabricação na  sua totalidade.

“Isso poderia ser evitado se as empresas agro-alimentares  assumissem as suas responsabilidades e procurassem   supervisionar todo  o processo . Mas a indústria está sob  uma tal pressão financeira que ninguém o quer fazer. A tentação da fraude é óbvia, “acusa Andy Bowles, director de ABC Food Security , uma empresa britânica que   forma inspectores em questões sanitárias .

Erica Sheward da Universidade de Greenwich (Reino Unido) confirma esta pressão bem à sua maneira : “Como os consumidores que compram  estes produtos de carne picada a  33 cêntimos podem acreditar que são feitos à base de carne de vaca ?”

Esta pressão financeira não é nova, e o escândalo da carne de cavalo não é a primeira fraude. No Reino Unido, dois outros casos foram grandes títulos nos media ingleses  nos últimos anos. Em 2009, foi injectado no galinhas um líquido derivado de peles de porco e de carne  bovina para ficarem mais inchados r. Alguns anos antes, tinha-se feito passar  velhas ovelhas do país de Gales por ovelhas jovens.

“”Deve-se ainda esperar  por mais revelações “

Se bem que no meio alimentar, ninguém esteja verdadeiramente surpreendido com este  novo escândalo. “Eu não estou surpreendido , testemunhou sob anonimato um inspector de saúde a trabalhar em  Londres. “Os supermercados procuram   de tal modo esmagar os preços  que as derrapagens são inevitáveis .”

Até mesmo o departamento britânico de horticultura e agricultura, que supervisiona a  fileira alimentar da carne , o reconhece : ” na sua extremidade , o comércio de carne pode ser bastante problemático,” disse Guy Attenborough, o seu director de relações públicas, que adverte: ” Devemos ainda aguardar mais  revelações.”

A  Roménia, ” é o suspeito  de serviço”

A Roménia, “o suspeito de serviço”, segundo a palavra do seu primeiro-ministro, Victor Ponta, está  pois exonerada  pelos primeiros  resultados da investigação francesa. Na Roménia, as autoridades  afirmam-no  desde segunda-feira, 11 de Fevereiro: os dois matadouros que tinham sido considerados incriminados   exportaram, de facto,  carne de cavalo… rotulada,  enquanto tal,  como carne de cavalo. Não há, portanto, aqui nenhuma  fraude, ao contrário do que afirma  a empresa Spanghero. Resta pois para os romenos a sensação desagradável de terem feito má figura, desde o início do caso, a figura do culpado ideal . Pensemos bem nisto ! Um país relativamente atrasado para deixar andar a circular nas suas estradas os  carrinhos de  tracção animal, puxados pelos cavalos…

o episódio faz lembrar outros. A delinquência”romena” estigmatizada  em 2011 na rádio pelo  ministro francês do Interior na época, Claude Guéant. a campanha preparada por Londres para incentivar os romenos – e os búlgaros –  a ficarem  em casa, quando as fronteiras do Reino Unido lhes forem abertas,  a eles, no início de 2014; as acusações de “dumping social’, lançadas a quando cada deslocalização industrial . “Não há um espectáculo   (…) sem que para tal não lhe esteja associado a Roménia”, escreveu em Janeiro, o historiador de arte Colin Lemoine. Por outro lado, os romenos contentam-se  simplesmente e muitas vezes com uma fórmula  tão límpida como rápida: não somos nós, são os ciganos. Outros suspeitos de’ serviço’  muito convenientes para a situação em presença.

(continua)

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