Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
O olhar de um banqueiro sobre a crise italiana, sobre o trio Draghi, Monti e o seu ministro das Finanças, Vittorio Grilli, personagens dos quais também nós nos temos ocupado neste blog. Uma viagem intensa mas curta ao mundo da incompetência mais total e da irresponsabilidade mais criminosa, levados pela mão de um banqueiro que sabe bem do que fala. Quem vai pagar os estragos de tudo isto? Acompanhem-nos, pois.
Júlio Marques Mota
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A Europa vai ela, enfim, tratar da crise italiana ?
Desde há dois anos que este blog tenta em vão atrair a atenção sobre a Itália.
Durante as minhas conversas com alguns líderes europeus, eu fiz figura de ave agourenta, de portador de más notícias. Na Idade Média, eu seria enforcado, pura e simplesmente.
Durante meses que a sociedade da admiração mútua europeia não perde uma oportunidade para andar a elogiar Mario Monti. Toda a gente roda em torno de Super Mario, que é um “ex” da Comissão Europeia e do Goldman Sachs igualmente, conditio sine qua non para uma carreira europeia transalpina.
O primeiro-ministro Mario Monti falhou: não conseguiu por em prática a austeridade pura e dura e deixou aumentar o volume da dívida pública. E para o seu activo tem apenas um aumento de 100 mil milhões de euros.
Neste contexto, é cegueira mais absurda que prevalece contra o endividamento excessivo ou a ausência de controle pelo governador da Banca d’Italia Mario Draghi, face às manobras do banco Monte dei Paschi, que é apoiado ou defendido pelo … Partito Democratico. Este está à frente nas eleições. Os problemas são de uma gravidade tal que ameaçam toda a Europa e particularmente a França.
Acabamos de saber que o BCE detém no quadro do Securities Market Program quase metade deste programa em dívida italiana: 107 mil milhões de euros.
Obviamente, não há nenhuma correlação entre isto e a direcção do BCE.
A ameaça italiana é real, presente e sub-estimada
A Itália é o último bastião antes de uma outra onda depois contra a França. O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, está pronto para intervir “sem limites” com os dinheiros europeus para prevenir um aumento nas taxas de juro dos italianos e dos espanhóis. Nunca se é servido tão bem senão por si mesmo.
Mario Monti, Mario Draghi e o ministro das Finanças, Vittorio Grilli, não fizeram nada para reestruturar a dívida italiana, cuja vida média baixou agora de um ano para pouco mais de seis anos.
Recusando-se consolidar, no momento certo, esta dívida de 2 000 mil milhões de euros, ou seja, de 127% do PIB italiano, a Itália deu início a uma estratégia financeira suicida: encurtar os prazos de vencimento com empréstimos contraídos a curto prazo.
O resultado é alarmante: é necessário encontrar 400 mil milhões em 2013, representando cerca de 20% da dívida italiana. Mais de metade deste refinanciamento será sobre dívida a curto prazo e nada nos diz que os investidores estão dispostos a recolocar o dinheiro no pote. (a fonte dessa tabela é o site do Tesoro italiano)
Uma irresponsabilidade a todos os níveis
É tanto ao nível do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia, do governo de Mario Monti e do Banca d’Italia que a inaceitável letargia serviu de resposta complacente a uma situação que poderia ter sido atenuada. A ausência de responsabilidade reina por toda a parte .
Mas o eleitorado italiano, dando mais de 50% dos votos do Senado a dois palhaços, um que é um artista e o outro é um depravado sexual desonesto, enviou assim uma mensagem perigosa. Estamos numa fase em que os políticos italianos perderam de tal forma a sua credibilidade que a commedia dell’arte é preferível à gestão do Estado.
Devemos nós recordar aos nossos amigos transalpino a fábula da cigarra e a formiga, tão querida a Jean de la Fontaine? Como é que um povo que tinha o destino da Europa nas suas mãos na antiguidade e dá artistas, escritores e pensadores, entre os mais excepcionais da Europa, terá podido expressar uma tal votação tão brutal, tão geradora de tanto mal-estar. Isto já não é sequer populismo, é uma rejeição que contém os fermentos de uma evolução que não exclui a insurreição .
A crise soberana Europeia está à nossa frente e não atrás de nós
Neste contexto, só nos resta apertarmos os cintos de segurança. Wall Street desceu 200 pontos sobre as notícias das eleições italianas: é o conjunto das economias mundiais que está envolvido.
Ninguém tem os meios para erradicar ou impedir uma venda maciça de títulos da dívida italiana. Esta arrastaria com ela toda a Europa e mais ainda.
As lulas gregas foram apenas um aperitivo. Agora vem o prato de resistência: as pastas italianas. São seis vezes mais difíceis de digerir.