HÁ CEM ANOS NASCIA ILSE LOSA – por Clara Castilho

Imagem1Hoje, 20 de Março de 2013, Ilse Losa faria cem anos. Por isso, o nosso Livro & Livros de hoje é-lhe dedicado. Tem a palavra a argonauta Clara Castilho:

No ano de 2013 faz cem anos que nasceram algumas pessoas que devemos referir pelo que nos deixaram.

E há cem anos nascia neste dia do ano, 20 de Março,  Ilse Lieblich, mais tarde  Losa. Foi um dos escritores que minha mãe fez questão que eu lesse, ainda jovenzinha. E não esqueço “O Mundo em que vivi” que certamente me terá influenciado na forma como se posicionei no mundo.

Ilse Losa nasceu na Alemanha a 20 de Março de 1913 e faleceu no Porto a 6 de Janeiro de 2006. De ascendência judia, veio para Portugal em 1934, fugindo à perseguição nazi.

A sua primeira obra foi “O Mundo em que Vivi” (1949), seguida de muitas outras. Recebeu alguns prémios Literários: em 1982, o grande prémio Gulbenkian, pelo livro Na Quinta das Cerejeiras, em 1984 pelo conjunto da sua obra e o prémio Maçã de Ouro da Bienal Internacional de Bratislava, em 1989, pelo conto Silka.

Ilse Losa

Porque a vivência das crianças na escola me diz muito, e porque trabalho com crianças para quem a passagem por essa instituição corre mal, lembro esta passagem do seu livro:
“O primeiro dia da escola. A saca às costas, caminhei ao lado da minha mãe, cheia de curiosidade e de receios. O Sr. Brand, o professor, distribuía sorrisos animadores aos meninos, que o fitavam com desconfiança. A barba grisalha e o colarinho engomado davam-lhe um ar de austeridade, mas os olhos alegres protestavam contra tal impressão. Começou por nos falar, e doseava serenidade com humor para afugentar os nossos medos. De todas as escolas por que passei, a de que verdadeiramente gostei foi a escola primária. Quando o Sr. Brand tomou nota do meu nome ninguém se virou para mim com sorrizinhos por soar a judaico, ninguém achou estranho eu responder «Israelita» à pergunta do Sr. Brand à minha religião. Fora a mãe que me recomendara: «Quando o Sr. Brand te perguntar pela religião, diz-lhe que és israelita. Soa melhor do que judia». Eu não concordava, porque achava «israelita» uma palavra estranha que não parecia pertencer à minha língua e, por isso, corei de embaraço ao pronunciá-la. E quando o sr. Brand quis saber a profissão do meu pai respondi «negociante de cavalos». Coisa natural. Muitos alunos eram filhos de lavradores e conheciam o meu pai. Não me sentia envergonhada daquilo que eu e o meu pai éramos, como aconteceria mais tarde, no liceu, quando a minha mãe me recomendou que às perguntas respondesse, além de «sou israelita», que o meu pai era «comerciante».

O liceu ficava em L…, a cidade onde havia o teatro e a sinagoga. Tomávamos, manhã cedo, o comboio e, com gesto arrogante, estendíamos o passe anual ao revisor.

No primeiro dia de aulas tivemos de dizer o nosso nome e profissão do pai e a religião. Conforme recomendação da minha mãe eu disse:

 – O meu pai é comerciante. Sou israelita.

 Na escola primária tudo fora natural. No liceu colegas viraram-se e olharam-me. Mais duas judias faziam parte da turma e uma delas, Hanna Berg, respondeu à pergunta com voz firme: «Sou judia».

in O mundo em que vivi (1949)

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Uma nota final: Não esquecer que hoje, o nosso Amigo Fernando J.B. Martinho, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, lança um novo livro  – Tendências Dominantes da Poesia Portuguesa da Década de 50, uma edição da Colibri. O lançamento será hoje, como dissemos, às 18 horas, realizando-se na Biblioteca Nacional, ao Campo Grande, em Lisboa. O Professor Doutor Fernando Pinto do Amaral fará a apresentação da obra. Todos os colaboradores e visitantes de A Viagem dos Argonautas estão convidados.

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