PARAÍSO – por Fernando Correia da Silva

 Um Café na Internet

logótipo um café na internet

Imagem1

No sábado, pela manhã, Pedro Álvares Cabral (o Capitão-mor) manda Nicolau Coelho, Pero Vaz de Caminha e Bartolomeu Dias levar a terra os dois nativos que tinham dormido a bordo. Na praia muitos homens os cercam e falam e gritam mas tudo sempre em jeito de amizade. Também algumas moças muito moças e gentis, com cabelos muito pretos e compridos a tombar pelas espáduas e suas vergonhas tão altas e cerradinhas que delas vergonha não pode haver.

No domingo de Pascoela determina o Capitão-mor que Frei Henrique cante missa num ilhéu que há na entrada daquele porto, a qual é ouvida com devoção, Cabral empunhando a bandeira de Cristo que trouxera de Belém. E durante a missa muitos nativos se aproximam em suas canoas feitas de troncos escavados. Alguns juntam-se aos navegantes tocando trombetas e buzinas. Os restantes saltam e dançam o seu bocado.

Metem-se depois os navegantes terra adentro e junto a uma ribeira que é de muita água, encontram palmas não muito altas. Colhem e comem bons palmitos. Então Diogo Dias, que é homem gracioso e de prazer, leva consigo um gaiteiro e mete-se a dançar com todo aquele povo, homens e mulheres, tomando-os pelas mãos, com o que eles folgam e riem muito ao som da gaita.

Não há vestígio nem de guerra, nem de traição, nem de perfídia, nem sequer de receio. Já vacila o Capitão-mor na sua desconfiança.

Na 6ª. feira opina irem à cruz que chantaram encostada a uma árvore junto ao rio. Manda que todos se ajoelhem e beijem a cruz. Assim o fazem e, para uns doze nativos que mirando estão, acenam que assim façam. Eles ajoelham-se e assim o fazem.

Ao Capitão-mor já lhe parece aquela gente de tal inocência que, se fosse possível entendê-los e fazer-se entender, logo seriam cristãos. Não têm crença alguma, ao que parece. Os degredados que hão-de ali ficar, hão-de aprender a sua fala e não duvida o Capitão-mor que bem conversados logo sejam cristãos, porque esta gente é boa e muito simples. E Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, ao trazer cristãos àquela terra, Cabral crê que não foi sem causa.

Ainda nesta mesma 6ª. feira, dia primeiro de Maio de 1500, indo os navegantes pelo rio abaixo, os sacerdotes à frente, cantando em jeito de procissão, setenta ou oitenta daqueles nativos metem-se a ajudá-los a transportar e a chantar a cruz junto à embocadura. E quando, já na praia, Frei Henrique canta a missa, todos eles se ajoelham como os portugueses. E quando vem a pregação do Evangelho, levantam-se os portugueses e com eles levantam-se os nativos. E os cristãos erguem as mãos e os nativos erguem as suas. E quando Frei Henrique levanta a Deus, outra vez se ajoelham os navegantes e com eles os nativos. Já acha o Capitão-mor que a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior.

Esta terra será imensa, dela não se vê o fim. De ponta a ponta é toda praia chã, muito formosa. E os arvoredos, com muitas aves coloridas, correm para dentro a perder de vista. Alguns dos paus são de madeira avermelhada, cor de brasa. Os ares são muito bons e temperados. As fontes são infindas. Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto, a principal semente, pensa Cabral, será a de salvar o seu povo que tão gentilmente ali vive em estado natural.

Manda Pero Vaz de Caminha escrever novas do achamento. Depois manda Gaspar de Lemos levar a carta a El-rei e ele parte, com a sua nau, rumo a Lisboa.

A 2 de maio abalam de Vera Cruz (foi este o nome que deram ao local).  Em terra ficam dois degredados para aprender a fala do povo. Mais dois grumetes que, por vontade própria, faltaram ao embarque. Os rapazes são cativos das nativas, seus cabelos muito pretos e compridos a tombar pelas espáduas, suas vergonhas tão altas e cerradinhas que delas vergonha não pode haver…

Abalando do Paraíso, lá vai o Capitão-mor corroído pela inocência. Será maleita perigosa a diluir-lhe o ímpeto guerreiro, pois tem agora que enfrentar as guerras e perfídias do Inferno…

Leave a Reply