RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Uma conversa com Jacques Sapir (1/2): a crise de Chipre e as suas consequências – II

(conclusão)

……

Nico : Será que o facto de se estar a adiar sucessivamente o dia de reabertura de bancos em Chipre está a confirmar essa análise?

Sapir :.Sobre o facto de que a crise de confiança pode causar um pânico bancário em Chipre e que uma fuga significativa de capitais tenha ocorrido,  sim, isso é óbvio. Além disso, há ainda um outro aspecto do plano que irá ter repercussões, é o facto de que se trata as contas de pessoas singulares e colectivas, ou seja, as contas dos indivíduos e das empresas, exactamente da mesma maneira. Isto coloca um problema sério, porque a tesouraria das empresas será extorquida e há já empresas russas que trabalham com bancos cipriotas já  a anunciarem que vão recorrer aos tribunais, desencadeando processos judiciais contra o governo de Chipre

Estes procedimentos podem ser realizados no quadro do direito cipriota, do direito russo, do direito europeu ou até mesmo do direito internacional.

Certo, estamos face a problemas jurídicos relativamente complexos,  que mostram claramente que neste plano nada terá sido resolvido. Com o que foi feito,  o que se fez, foi inquietar fortemente as populações da Europa e, por último, devemos perguntarmos-nos senão mesmo a nível mais geral na zona euro . É muito claro na minha opinião que devemos admitir que muitos fundos depositados actualmente em contas na zona euro irão deixar esta área e que além disso, dentro da própria zona euro, vai-se ampliar o mecanismo que vê os depositantes ou as empresas transferirem as suas contas dos países do Sul para os países que lhes parecem seguros. Isto é, falamos essencialmente da Alemanha.

Nico: Para terminar sobre Chipre, como é que explica que, desde há 10 dias, alguns daqueles que sempre se opuseram às acções firmes contra os paraísos fiscais  e contra qualquer tributação da riqueza financeira, se tenham agora mostrado a ficarem  contentes com a opção escolhida pela Europa. Será devido ao facto de que os depósitos em causa serem principalmente russos?

Sapir: Há muita ingenuidade,  para não utilizar  uma palavra mais dura, sobre o que tem sido dito  sobre a questão de Chipre e da Rússia desde há 10 dias. Em primeiro lugar, o modelo económico de Chipre não é apenas baseado no modelo bancário. Na verdade o primeiro sector económico de Chipre, é o turismo.

Em segundo lugar, sobre a presença dos russos. É verdade que ela é importante, mas são mais importantes as transacções que as contas. Deve também dizer-se que as grandes fortunas dos oligarcas russos não estão em Chipre. Localizam-se nos bancos ingleses, luxemburgueses, nas Ilhas Caimão ou mesmo no Mónaco, mas não necessariamente em Chipre. É sobretudo a classe média alta russa que é atingido nesta história. Mas seja como for, globalmente, os depósitos dos russos certamente representam cerca de 20 milhares de milhões de euros em Chipre, mas lembremo-nos de que os depósitos de outras nacionalidades,  por outras palavras, os gregos, libaneses, britânicos, representam cerca de 17 mil milhões. Aliás, quando se diz os russos, trata-se de um termo impreciso, estes são representantes da antiga CEI, kasakhs, uzbeques, etc… A parte destas contas da CEI é importante, mas está longe de ser a única de significativa importância dentro dos não nacionais.

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Último ponto. Chipre só entrou na União Europeia em 2004, juntou-se à zona euro em 2008, e a presença da ex-União Soviética remonta a década de 1990. É pois com conhecimento de causa que se admitiu Chipre na União Europeia e na zona euro. Portanto, muitas coisas que foram ditas na semana passada, na melhor das hipóteses são pura propaganda e, na pior das hipóteses, são pura estupidez e da mais grosseira por parte daqueles que as têm andado a dizer.

Nico: Qual é o risco de propagação do problema cipriota bancário aos países vizinhos, e quais são os países mais susceptíveis de ser afectadas nas próximas semanas?

Sapir : É importante distinguir entre um processo de contaminação e um processo de contágio.

A contaminação refere-se a causas reais ou a semelhanças nas situações. Chipre não é o único país da zona euro a ter um rácio elevado entre as suas actividades bancárias e o seu PIB . Este é também o caso da Irlanda, Malta e, em menor medida, da Eslovénia e especialmente o Luxemburgo relativamente a quem Chipre faz figura de amador.

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Se se tratasse de dois jogos de futebol, poder-se-ia dizer que o Luxemburgo joga na primeira divisão e que Chipre joga na divisão de honra. É também o caso da ilha de Jersey para o Reino Unido. E então, sim, a preocupação de que as medidas aplicadas em Chipre vão fazer nascer nos investidores, nas empresas que utilizam estes paraísos fiscais similares corre o risco de se espalhar. Os casos mais preocupantes são, certamente, Malta e a Eslovénia e existe o risco de  se ter, em seguida, uma espécie de cadeia de contaminação.

Depois coloca-se a questão do contágio. O contágio, em vez disso, é algo que é principalmente psicológico, trata-se do facto de que as pessoas se interrogarem dizendo então se os cipriotas foram atingidos desta forma quem nos diz que não seremos nós os próximos o mesmo destino, porque não? Mesmo se eles não tenham nenhuma razão objectiva para pensar isso, de alguma forma, quando muitas pessoas pensam a mesma coisa, isso torna-se uma razão objectiva. Então aí, o contágio pode afectar países em que já foi evocado no passado uma possível tributação sobre contas bancárias. Desse ponto de vista, há dois países que estão na linha da frente, a Itália, uma vez que a possibilidade de as contas para reduzir a dívida foi já evocada, mas também a Espanha, que conhece uma crise bancária extremamente importante.

A combinação destes dois fenómenos vai provavelmente e em relativamente pouco tempo provocar novos momentos de alta tensão na zona euro.

Nico: Será então que o risco principal diz respeito à Itália, tendo em conta a sua dimensão e a crise política que esta atravessa ?

Sapir: Se tem já um contágio a outros países, como a Grécia ou a Espanha, de toda a maneira,  isso é muito grave. Mas é claro que a Itália, por si só, tem os meios para fazer com que a toda a zona euro se afunde. Devemos lembrar que a dívida italiana é equivalente ao PIB francês, ou seja mais de 2 000 mil milhões de euros. É de recordar que ela tem um crescimento quase nulo desde há quase 10 anos, menos de 1% de crescimento real. E como acabou de dizer, a Itália já não tem governo. Existe aí um sistema bancário, reconhecidamente menos frágil do que em Espanha, mas que tem problemas extremamente importantes, resultando numa contracção do crédito para as empresas em proporções bastante consideráveis. Todos os elementos de uma grande crise, portanto, estão aí reunidos e isso pode levar a uma nova ruptura dentro do sistema bancário italiano, ou mais provavelmente, a um colapso da economia italiana  devido ao facto de que todas as PME, que desempenham um papel muito importante na dinâmica económica da Itália, vão entrar em crise em Junho devido a essas limitações de créditos.

É necessário para evitar esta crise, que os bancos italianos retomem as operações de crédito importantes, mas eles não vão fazê-lo e o governo não será capaz de vir a substituir os bancos para voltar a garantir a liquidez a essas empresas. Assim, no final, cerca de 25 a 30% destas PME, de acordo com cálculos recentes de economistas italianos, são susceptíveis de pura e simplesmente morrerem devido à falta de liquidez. E mais uma vez, se a Itália se afunda,  a zona euro afunda por arrastamento.

Final da primeira parte da entrevista. A sequência desta entrevista será muito brevemente publicada tendo como base um tema mais geral, a zona euro e a questão da moeda única .
http://blogdenico.fr/entretien-avec-jacques-sapir-12-la-crise-a-chypre-et-ses-consequences/
This entry was posted on 29 mars 2013 at 11 h 25 min and is filed under Autres sujets : Crise de l’Europe, Crise de la DémocratieEuro – Les Articles de FondNOS CONTRIBUTIONS. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed.

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