Batepá
Era 3 de fevereiro de 1953 quando arredor de mil pessoas foram assassinadas pelos colonos na praia de Fernão Dias e noutros lugares da ilha de São Tomé. A poeta são-tomense Alda do Espírito Santo descreveu assim o massacre de Batepá:
O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo…
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
A imensa ‘arena’ traz o recordo lostregante das touradas de galegos trabalhando os secos campos castelhanos, cantando alalás, única água daquelas fontes. E dos galegos poderosos, endo-colonialistas na própria terra.
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
Como sonhava a poeta no mormaço tropical dessa terra de África, agora crianças novas brincam na areia desenhando a senda de todos os destinos. Mas ainda outra poeta principense, Maria Manuela Margarido, nos alertava:
É preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Em São Tomé e Príncipe mudaram os tempos, mas em Portugal mudaram as vontades? Neste Finisterrae galego, porto cêntrico, onde a angústia da revolta atravessa o pensamento, ainda os berros ecoam não somente daquele infausto dia, mas de todos os dias em que as pessoas, aqui e ali, foram torturadas pelo terrorismo do poder.
Alto sonho, alto
como o coqueiro na borda do mar
Como com as vítimas da ditadura espanhola, cumpre o restauro das maldades infligidas e nunca cicatrizadas. E nos dias de hoje, em que as independentistas galegas sofrem sequestro e acosso, é preciso invocar a África e berrar: Não permitiremos outro Batepá! Queremos o alto sonho, alto como o pinheiro na borda do mar.
mensagem anterior: O nosso papel na lusofonia
A primeira publicação, entretanto corrigida, deixou de fora, imperdoavelmente, o último parágrafo.
À autora e leitores o devido pedido de desculpas.
Gosto menina de ler, lembrançãs ,de os Galegos em castelha vivim isso é da muito Dor!!
Pedro, muito obrigada pelo sempre eficiente trabalho e organização.
Asun, sei que sabes o que é, morar entre hostis e trabalhar para eles, para os hostis. Mas não fomos os únicos e temos que achar o paralelo com outros povos como o nosso, e desvendar de uma boa vez quem são os que nos massacram e separam. Beijos.
Justamente, como castelhano (quase) galeguizado, sei do caso (caso?). Ainda os velhos da Tierra de Campos lembravam, por volta de 1970, a vinda dos segadores galegos.
É sem dúvida a eles que Rosália Castro se refere nos versos: “Castelhanos de Castela / Tratade bem os galegos. / Quando vão, vão como rosas; / quando vêm, vêm como negros…”
Há nesse “negros” ligação, a meu ver clara, com a escravidão; no reino bourbónico, particularmente em Cuba, a escravatura foi legal, acho, até 1891. E Rosália publicou em 1863 o poemário que contém o poema. (Ela, sem dúvida, pôde ver em Simancas, na província de Valhadolid, perto da Tierra de Campos, os segadores galegos.)
Bom, aqueles velhos de Tierra de Campos que lembravam a vinda dos galegos, também lembravam que apenas compravam o pão, porque o compango vinha com eles, toucinho. Assim me disseram os informantes do inquérito “filológico” que estava a fazer.
Por sinal, nalgum dos lugares a palavra “morriña” significa mais ou menos saudade, como a morrinha galega, para além do significado mais estendido e só conhecido noutros lugares: “morte de animais, em particular, ovino”.
Sim, penso que o “negros” de Rosalia refere-se precisamente à escravatura que as pessoas de raça negra têm injustamente suportado, por causa da terrível infeção e afeção moral de que adoeceram brancos poderosos. Ela quis fazer a ligação entre galegos e negros, mesmo sendo os galegos nada escuros de pele, mas na realidade para a opressão a cor da pele nunca foi importante. Não se trata de uma questão racial, nunca foi isso, trata-se do exercício e da tolaria do poder. Do exercício do abuso e do terror sobre outras pessoas.