A REELEIÇÃO DE GIORGIO NAPOLITANO, por DOMENICO MARIO NUTI.

Tradução de Júlio Marques Mota

Domenico Mario Nuti
Domenico Mario Nuti

Parte II

(conclusão)

Napolitano deveria ter permitido a Bersani procurar obter  um voto de confiança. Tudo o que lhe daria seria apenas uma oportunidade para que lutasse para o conseguir e, mesmo se ele tivesse perdido, pelo menos, o seu governo poderia ter tomado o lugar do governo de Monti, que Napolitano, de modo claramente antidemocrático, teria deixado no poder, apesar da espectacular derrota eleitoral de Monti. Napolitano deveria então ter explorado uma alternativa ou então deveria ter resignado uma vez que o seu mandato expirava em meados de Maio, de modo a acelerar a sua substituição por um novo Presidente que poderia, então, avançar para a dissolução do Parlamento e convocar novas eleições ou tentar construir um novo governo para evitar tal cenário.

Giorgio Napolitano andou a contemporizar com demasiadas coisas e a desperdiçar tempo (até se envolver na corrida dos acontecimentos subsequentes), incluindo com a nomeação de um improvisado “Comité dos Dez Sábios”, com o papel ambíguo de “mediadores” totalmente fora das normas constitucionais para criarem  um projecto de programa para o novo governo. Os chamados Homens Sábios eram sem dúvida, todos eles, homens da meia-idade para cima e alguns bem anciãos (embora não tanto quanto o próprio Napolitano), provenientes exclusivamente dos partidos que seriam incluídos numa Grande Coligação. Um procedimento sem dúvida peculiar, na ausência de um candidato a Primeiro-Ministro, no entanto, antecipando a nomeação posterior de um Primeiro-Ministro que efectivamente, então, seria obrigado a assumir uma Grande Coligação para executar esse programa específico

O que é pior, muitos dos dez nomeados, eram apontados como potenciais futuros membros do governo o que, na verdade, já aconteceu com quatro deles (uma outra característica extra-constitucional) e que é ainda bem mais controverso e notável, não tanto pela sua sabedoria ou pela sua composição, mas sobretudo pela sua  representação da “kakistocracy” dos partidos, ou seja, o poder do pior. (Veja-se Marco Travaglio em Servizio Pubblico de 4 de Abril.)

– Filippo Bubbico (PD), antigo presidente da região de Basilicata, tinha sido indiciado quatro vezes e ainda foi alvo de uma acusação de abuso de poder, por ser considerado o autor de um esquema perfeitamente tresloucado, caro e falhado para promover o emprego na sua região, subsidiando o cultivo dos bichos-da-seda. (sic).

– Giancarlo Giorgetti, deputado pela Liga Norte, um próximo de Bossi que , em seguida, se converteu em apoiante de Maroni, é um homem bem ligado aos círculos bancários (Fioroni e Fazio, ex-governador do banco central implicado no escândalo Bancopoli / Antonveneta), famoso por ter recebido por suborno o valor de 100.000 € entregues directamente por Fioroni em Montecitorio, embora ele tenha no mesmo dia tentado “lavar” o caso recomendando um donativo para uma organização desportiva; por outro lado, a sua mulher estava  indiciada por fraude contra o Estado.

– Enrico Giovannini, presidente do Instituto de Estatística, sem dúvida, um estatístico competente, mas que nunca fala sobre questões de política, tinha sido convidado por Monti para levar a cabo uma investigação sobre os custos dos políticos e sobre as  diferenças salariais entre os deputados italianos (os mais bem pagos da Europa) e os deputados no resto da Europa, mas após 6 meses de  investigação declina a missão com o argumento das muitas dificuldades de realização da tarefa.

– Mario Mauro, um colaborador próximo do indescritível ex-presidente da Lombardia Roberto Formigoni (igualmente implicado em casos de corrupção) e este mudou-se para o grupo de Monti à ultima da hora.

– Enzo Moavero Milanesi, um alto funcionário da UE que foi ministro dos Assuntos Europeus no governo de Monti.

– Valerio Onida, o ex-presidente do Tribunal Constitucional, é bem conhecido por apoiar Napolitano, quer na sua luta contra os magistrados que investigam em Palermo as negociações havidas entre o Estado e a Máfia, quer ainda sobre as chamadas telefónicas que envolvem o ministro Mancino; é igualmente bem conhecido por defender que a Lei 1.957, chamada também de Sturzo, frequentemente invocada como  base para se considerar a inelegibilidade de Berlusconi para o Parlamento, não se aplica a Berlusconi, na base do argumento jesuítico de que Berlusconi não era nem o titular  real de uma concessão estatal de canais de televisão, nem o Director da empresa privada (Mediaset) a quem foi atribuída a concessão de exploração, menosprezando o facto de que Berlusconi era um grande accionista desta empresa, provocando portanto um claro conflito de interesses com o Estado.

– Giovanni Petruzzelli, um associado do ex-presidente do Senado, Schifani, foi Presidente da Autoridade Anti-Trust, sem ser capaz de estabelecer uma legislação específica em matéria de concorrência, consultor e co-autor de Totò Cuffaro, presidente da região de Sicília, cumprindo uma sentença de 7 anos por ter  ajudado  a Máfia.

– Gaetano Quagliariello, que se distingue pelas suas mudanças repentinas de partidos políticos, dos radicais para a UDC, depois para o PdL (como deputado líder de bancada do grupo), depois para o grupo de Monti e a seguir regresso ao  PdL , foi o autor e proponente de muitas das iniciativas (aprovadas por  Napolitano) a favor de Berlusconi e das suas empresas.

– Salvatore Rossi, um alto funcionário do Banco de Itália próximo do centro-esquerda.

Chegados a este ponto, Bersani fez uma terceira, espectacular reviravolta e propôs Romano Prodi, correspondendo ao que Berlusconi chamou de “declaração de guerra”. Bersani comportou-se como se fosse o proprietário do poder, em vez de se portar  como um líder democrático, ao propor dois nomes, Marini e Prodi, em momentos diferentes, sem sequer os submeter a votação no seio do seu próprio partido. Prodi foi aprovado por uma duvidosa e opaca “aclamação” numa reunião dos apoiantes do PD em vez de serem submetidos a um qualquer escrutínio. Deste modo, Prodi, o fundador do PD, não conseguiu sequer ser eleito pela maioria simples requerida a este nível do processo eleitoral. Faltaram-lhe 101 votos, o que poderia ter sido conseguido através de uma melhor mobilização do PD.

Durante todo este processo, o M5S tinha apresentado a candidatura de Stefano Rodotà, um distinto professor de Direito Civil, que tinha sido durante duas legislaturas deputado independente eleito pelo Partido Comunista, antigo presidente do PDS (uma encarnação anterior do PD), ex-presidente da Autoridade sobre a Privacidade e um grande defensor dos direitos cívicos: uma oferta que Bersani não poderia recusar, mas que recusou para sua eterna vergonha. Assim como os M5S recusaram votar em Prodi para cúmulo da vergonha de  Beppe Grillo.

Foi assim que, depois, se foi pedir de novo a Napolitano (após várias recusas suas) para aceitar a sua reeleição. Bersani faz mais uma pirueta em torno da candidatura independente de Prodi para passar a defender fortemente a candidatura de  Napolitano arranjada entre o PD e o PdL – um “cruzamento” no dialecto de Napolitano. Este é um termo pejorativo que Napolitano pede agora para ser banido de acordo com o seu entendimento do que é politicamente correcto. Igualmente banidas são expressões que podem apoucar o novo governo como “governo do Presidente” ou de “alcance  limitado” ou “de baixa intensidade” ou de “serviço público”. A nomeação do novo Primeiro-Ministro, Enrico Letta, até à semana anterior deputado de Bersani e igualmente oposto a uma grande coligação com o PdL, fez com que  Berlusconi ficasse muito feliz, a rir-se todo o caminho até ao banco do Tribunal, também porque Enrico Letta é sobrinho de Gianni Letta, um importante conselheiro e um seu ministro (o que faz o presente “Governo di servizio” passar a ser chamado de  “Governo di servi, zio …” num cartoon  em Il Fatto Quotidiano).

O governo empossado em 27 de Abril poderia ter sido pior. Angelino Alfano, alegado sucessor de Berlusconi no PdL, deputado, vice Primeiro-Ministro e Ministro do Interior foi um elevado preço a pagar, mas, pelo menos, os velhos lideres de ambos os partidos ficavam de fora  (incluindo Berlusconi). Por enquanto… A média de idades dos ministros é de 54 anos, ou seja, 11 anos mais baixa do que no governo de Monti. Existem apenas 21 Ministros, dos quais um terço são mulheres, incluindo o primeiro ministro de cor em governos italianos. O seu voto de confiança, “auxiliado” por um incidente de tiros em frente ao Palácio do Governo, o Palazzo Chigi, imediatamente ocupado e de modo injusto para diabolizar M5S, foi um dado adquirido, mas a sua durabilidade não o é: a prova do novo pudim acontecerá com o governo a governar.

Uma Grande Coligação era apresentada como uma novidade, mas não é nada mais nem menos do que uma réplica do governo Monti, com algum envolvimento de políticos, o  que Monti bem tinha procurado sem conseguir. É difícil imaginar que Letta possa  fazer muito mais do que Monti, a não ser a parcial inversão de algumas das suas medidas de austeridade, já que os dois lados estão a discutir sobre suspensão versus reembolso do imposto sobre imóveis IMU, e não é de modo nenhum claro que as despesas públicas venham a ser cortadas para abrir espaço a uma redução dos impostos.

A Aliança PD-SEL do centro esquerda está  definitivamente quebrada. O PD partiu-se todo com as sucessivas reviravoltas e inversões de marcha de Bersani e com a traição final aos compromissos eleitorais de PD. Pelo menos, Bersani foi finalmente batido; Matteo Renzi, o Presidente do município de Florença, foi colocado de lado e, tendo sempre apoiado uma aliança com Berlusconi, não será capaz de voltar a unir o partido. Os milhões que votaram no PD com base no seu programa não se aliariam com o PdL. De facto, têm sido traídos. Mas, paradoxalmente, são aqueles membros do Parlamento que não dariam o seu voto de confiança a Enrico Letta que têm sido ameaçados de expulsão, em vez de se procurar fazer uma outra ronda de negociações. No fim, apenas um dos 293 deputados do PD se absteve: uma disciplina de partido  à “estilo búlgaro” que bem poderia ter merecido uma melhor causa.

Nem é Napolitano nem Letta, mas sim Berlusconi que é o verdadeiro e absoluto vencedor das últimas eleições em Itália. Tudo o que ele precisa agora é de ser nomeado senador vitalício por um Napolitano benevolente e avançar no sentido de ocupar os cargos de Presidente ou de Primeiro-Ministro na próxima ronda de negociações, especialmente se for decidida previamente uma alteração da lei que permita uma eleição directa de estilo francês para o cargo de Presidente. A nomeação de Gaetano Quagliariello como ministro para a reforma institucional e a procura de  Berlusconi para uma candidatura como Presidente da Comissão de reformas, se for bem sucedida, pode começar a abrir o caminho para uma tal formalização do presidencialismo extraconstitucional, marcado desde o início por  Napolitano. Nada se pode agora fazer  sobre tudo o resto, como um facto consumado, mas, pelo menos, a esta corrupção final da Constituição italiana pode-se e deve-se resistir, para não se aturar  Berlusconi até ao fim da vida.

1 Comment

  1. De um leitor devidamente identificado recebemos o comentário seguinte:
    “Napolitano é a bissectriz de um sistema que se auto-governa desde o final da II Guerra Mundial, no meio da furbizia, da ausência de um verdadeiro Estado, de engenhosos atropelos da lei e de sucessivas recomposições da política para defender sempre os mesmos interesses e compromissos. Napolitano não pode ser outra coisa. A única revolta (patética, irresponsável e inconsequente) contra esse sistema é o M5S.

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