EDITORIAL: PASSOS COELHO CONTRA OS DESEMPREGADOS

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Parece que Passos Coelho, domingo passado, mandou mais uma das suas. Talvez sem saber o que havia de dizer, o que lhe deve suceder muitas vezes, resolveu perguntar, não se sabe a quem, se alguém já se tinha lembrado de perguntar aos desempregados do que lhes serve a constituição. A jornalista Ana Sá Lopes respondeu à altura no jornal i a este encadeamento de perguntas, num texto que nos fez chegar a Associação 25 de Abril, e que A Viagem dos Argonautas, com a devida vénia, publicou há alguns minutos, imediatamente antes deste editorial.

A Constituição afirma claramente o direito ao trabalho para todos, no seu artigo 58º. O sistema capitalista tem na existência e manutenção de bolsas de desemprego uma das armas que lhe permitem fazer pressão sobre os salários e sobre a segurança no emprego de quem tem trabalho. Aliás veja-se o que se passa actualmente no sector da educação, onde se está a criar um exército de professores desempregados, alguns dos quais poderão amanhã ser absorvidos por entidades privadas, a salários muito mais baixos dos que têm pago o sector público e o próprio sector privado. Claro que Passos Coelho quer acabar com a Constituição que para ele é um obstáculo, e quer convencer as pessoas de que ela não serve para nada. Mente, claro, porque se ela fosse inócua ele nem perdia tempo a falar nela. Acrescenta assim mais uma aleivosia ao seu currículo. E mostra também aí falta de respeito pelos desempregados, que com certeza acha que consegue convencer de que a Constituição não lhes serve, até porque não é respeitada, por quem mais se devia esforçar por a fazer cumprir.

Outro aspecto, mais subtil, mas talvez ainda mais sinistro, que se insere na estratégia de dividir e lançar as pessoas umas contra as outras, é o das ideias que se procura incutir nas vítimas do desemprego e da precariedade, de que há interesses estabelecidos, que as impedem de ter acesso a um posto de trabalho e a salários condignos. E que esses interesses serão, não os de quem efectivamente controla as forças produtivas, pelo vínculo da propriedade, mas os de quem, por mérito ou sorte, se conseguiu aguentar no mercado trabalho em posições que lhes permitiram levar uma vida com algum desafogo. À cabeça estão os funcionários públicos, contra os quais se têm lançado numerosas medidas, tendentes a reduzir o seu número, diminuir os salários, aumentar a carga horária, etc, sem sequer se garantir o equilíbrio dos serviços em que estão integrados. Procura-se imputar a degradação resultante aos próprios funcionários e estender as restrições aplicadas a estes aos próprios aposentados. Para o governo a vantagem está em que se trata de um sector fácil de atingir, e tradicionalmente submisso. As verbas obtidas voltam directamente aos cofres do estado, e julga-se relativamente fácil pôr contra eles o resto da população, a começar pelos desempregados, a quem se imagina que vivem revoltados por os funcionários públicos terem mais segurança no trabalho. O jogo com estes sentimentos é a parte mais baixa da política que vem sendo levada a cabo.

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