LAMPEDUSA: UM MASSACRE SOB AS NOSSAS JANELAS, MAS O QUE É QUE SE PODE VERDADEIRAMENTE FAZER? Por BONIFACE MUSAVULI

Selecção, tradução e nota introdutória de Júlio Marques Mota

Nota introdutória

Sobre Lampedusa, um texto amargo, violento mesmo, um texto sobre a incapacidade política da Europa actual em se assumir pela positiva seja no que for.

Um texto,  em que as perguntas que nele são levantados nos incomodam e  são como verdadeiras  pedras atiradas ao charco, a fazer remexer  as águas, as nossas consciências meio adormecidas sobre este tema.

Júlio Marques Mota

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Lampedusa: Um massacre sob as nossas janelas, mas o que é que se pode verdadeiramente fazer?

Novamente, a tragédia dos migrantes a tentarem chegar à Europa, atravessando o Mediterrâneo, transformou-se em horror. Nesta quinta-feira, 3 de Outubro, um barco levando a bordo 450 a 500 imigrantes naufragou quando para pedir socorro os ocupantes do barco decidiram acender uma pequena fogueira que se transformou num incêndio e que veio a destruir todo o barco. O balanço provisório contou já cerca de 130 mortes mas pode atingir ou mesmo exceder os 300 mortos. Se a dimensão da tragédia actual é susceptível de ofender as nossas consciências, convém recordar que é o produto de uma realidade muito mais profunda que se pode resumir Uma Europa acusada de se fechar e proteger com rigorosas políticas de protecção nas fronteiras e que são desesperadamente mortíferas. Mais de 19 mil migrantes terão já morrido desde 1988 na sua tentativa de alcançarem as costas europeias.

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Se, de imediato, as opiniões são confrontadas com a crueldade do espectáculo que se espalha essa pilha de corpos de gente deserdada da vida, quase debaixo das nossas janelas, a tragédia de Lampedusa tem, porém, qualquer coisa de muito mais cruel e desumano. Com efeito, tendo em conta as opiniões públicas na Europa e os impasses sobre os quais se concluem os debates sobre a gestão dos fluxos migratórios, é difícil abster-se de abordar o tema numa perspectiva de tempo longo. E então levantar questões difíceis, do tipo: “Podemos realmente fazer alguma coisa?” Ou, ainda mais terrível, ” Na verdade, será preciso fazer verdadeiramente fazer alguma coisa?’

Quem é responsável e em quê?

Porque independentemente da dimensão da tragédia, é impossível fazer admitir ao europeu médio ideia de que ele seria, de perto ou longe, responsável pelas mortes de pessoas que vêm a morrer debaixo da sua janela. E que, por isso mesmo, estaria necessariamente obrigado a empenhar-se para encontrar uma solução duradoura para o problema. E mesmo que o europeu médio o quisesse fazer, poderia ele realmente fazê-lo?

Os estragos da crise em curso, a extensão do problema das dívidas públicas e as dívidas das famílias, o desemprego e a pobreza que progride na Europa são tantos factores que me levam a perguntar se a países europeus, a União Europeia e o europeu médio temos meios para se encarregarem da questão dos fluxos migratórios, apesar da compaixão que todos eles possam sentir também.

Com efeito, para ser justo, devemos lembrar que, ao lado de milhares de infelizes  que morrem durante a travessia, milhares de outros migrantes foram resgatados enquanto outros, mais numerosos, conseguem chegar à costa sãos e salvos. Eles beneficiam de acolhimento e do tratamento administrativo dos seus pedidos de asilo ou de residência. Este ano, 22 mil migrantes desembarcaram no sul da Itália. A maioria deles alcançaram o continente e puderam estabelecer-se   num ou noutro país do velho continente, em que a França e a Alemanha estão entre os países mais solicitados.

Mas tudo isso não resolve nada sobre o fundo da questão e tem mais a ver com um problema interminável, tanto quanto e permaneçam as causas profundas dos fluxos migratórios dos países pobres ou dos países devastados pelas crises (África, das fronteiras da Europa ao Médio-Oriente). Continua por se saber se a Europa tem a capacidade de se encarregar destas dificuldades dos países de partida.

(continua)

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