Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
PARTE IX
(CONTINUAÇÃO)
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Acresce que o programa TARP foi ainda atribuído ao Tesouro o que é perverso. Normalmente a “despesa” contraída pelo Fed é considerada como de cariz monetária, sendo que este rotineiramente compra títulos / activos financeiros (como os 31 mil milhões USD do Bear Stearns), enquanto os gastos federais feitos pelo Tesouro é “orçamental” na medida em que abrange despesas tais como o pagamento dos soldados ou dos trabalhadores dos correios. O programa TARP, na maioria dos seus aspectos é claramente uma operação monetária, e não orçamental. Se os decisores políticos tivessem colocado o programa TARP sob a custódia da Reserva Federal (como deveria ter sido feito), ele não teria feito parte do orçamento e os gastos não contabilizados como uma parte do “defice”. Isto pode muito bem ter levantado a curiosa questão da fixação de Obama na ” reforma do direito”. Somos tentados a acreditar que a razão que levou a que o programa TARP tenha sido atribuído pelo governo Bush ao Tesouro se deve a que assim se permita mostrar que o défice estava a aumentar pelo aumento das despesas públicas e deste modo, colocaria uma tampa sobre prováveis “programas sociais” que pudessem ser propostos por um qualquer activo congressista democrata.
Mesmo se distinguirmos e com precisão as operações orçamentais e monetárias , até mesmo um burocrático desastrado pode impedir uma acção efectiva. Isso foi exemplificado com a incapacidade dos EUA em recuperar e tratar as áreas devastadas pelo furacão Katrina em 2005. Em Louisiana, o governo estadual ainda adiou desembolsar mais de 750 milhões USD em subsídios para compensar os custos da subida em altura de nível, a sua cota, das habitações. Algumas famílias ainda vivem em reboques do governo, pois não têm dinheiro para reparar as suas casas e áreas como Terrebonne Parish, esperando pacientemente que o Army Corps of Engineers reconstrua os diques. Já numa tragédia similar, contrariamente, 18 meses depois do terremoto em Kobe, o governo japonês gastou o equivalente a USD 113.000 milhões para reconstruir e corrigir os edifícios, as instalações portuárias e outras infra-estruturas afetadas por esse holocausto.
Outro obstáculo à melhoria das infra-estruturas da EUA é a actual crise de crédito. Os títulos municipais foram vendidos por fundos especulativos e outros que procuram liquidez, de modo que os seus rendimentos estão substancialmente a subir de ano para ano, aumentando consideravelmente o custo de financiamento de grandes projectos de obras públicas. Os bancos estão cada vez menos dispostos a emprestar, apesar do grande fluxo de capitais de tal modo que o comércio mundial de mercadorias necessárias para a construção de infra-estruturas está congelado. O Baltic Dry Index, uma medida de custos de transporte, caiu 95% somente este ano, dado que poucas empresas deste setor tem fácil acesso a financiamento. Aqui, de novo, os custos de financiamento do governo federal estão perto de zero, e seria então lógico que o Estado se interponha como um intermediário para o crédito, provavelmente via a criação de Banco Nacional de Infra-estruturas, como já proposto por Obama.
O investimento para as novas infra-estruturas deverá, pelo menos ele, criar empregos e riqueza, apesar de que iria aumentar o défice a curto prazo, parecendo o próprio Obama bastante determinado a emprestar dinheiro e aumentar os gastos públicos, pois as alternativas parecem muito piores do que a reparação das infra-estruturas. Na verdade, na ausência de um activismo orçamental suficiente, o presidente Obama pode muito bem encontrar-se ele próprio a renovar uma outra inovação de FDR: a criação de Works Progress Administration em 2010 para combater uma economia que está a cair novamente na teia da recessão. Acima de tudo, o centro da questão deverá incidir sobre a política fiscal. A administração de Obama também deve ser capaz de responder de forma bem firme à questão “o que é que vai custar ao contribuinte dos EUA?”, uma questão que reflete um preconceito irracional contra as políticas governamentais activas para evitar a recessão e a depressão. A questão de quanto vai custar ao contribuinte uma política ativa governamental para evitar uma calamidade no mercado financeiro só pode ser baseada numa teoria económica em que se pressupõe que a actividade macroeconómica na economia não será alterada quer o governo tome ou não tome alguma acção positiva para eliminar a angústia nos mercados financeiros.
Considerando-se os precedentes históricos, nas palavras do Professor Paul Davidson: vejamos um exemplo histórico onde se esta questão de ” quanto vai custar ao contribuinte e/ou à economia?” foi levantada é porque uma das mais desejáveis políticas públicas nunca teria sido efectuada. Na conferência de Bretton Woods, foi reconhecido claramente que os países europeus precisam de uma ajuda significativamente elevada para reconstruir as suas economias no pós-guerra. Na época, Keynes estimou que estas necessidades se poderiam cifrar entre USD 12 e USD 15 mil milhões. O representante dos EUA, Harry Dexter White, indicou que o Congresso não poderia pedir aos contribuintes para fornecer mais 3 mil milhões de USD, levando a que o Plano Keynes fosse derrotado em Bretton Woods, e as propostas de White Dexter foram adoptadas.
Suponha-se que, em 1946, foi recomendado que os EUA contribuíssem com um donativo de 13 mil milhões USD ao longo de quatro anos na reconstrução das economias de países europeus devastadas pela guerra (essa soma corresponderia em 2007 a bem mais de USD 150 mil milhões). Obviamente, segundo a posição de Dexter White, o Congresso nunca aprovaria o Plano Marshall. Uma vez que o Plano Marshall não se mostrou de antemão que iria disponibilizar aos governos estrangeiros USD 13 mil milhões ao longo de um período de quatro anos, o Congresso aprovou-o. Refira-se que este proporcionou às nações estrangeiras cerca de 2% do PIB anual dos EUA durante 4 anos. Foi então o Plano Marshall caro para os contribuintes dos EUA e para a economia dos EUA?
As estatísticas indicam que, durante os anos em que o Plano Marshall vigorou, pela primeira vez na história, os EUA não estiveram sujeitos a nenhuma desaceleração económica grave, imediatamente após a guerra e isso apesar do fato de que os gastos do governo federal sobre bens e serviços terem diminuído cerca de 57% entre 1945 e 1946. Além disso, quatro anos após a Segunda Guerra Mundial, as despesas do governo federal ainda eram cerca de metade do que tinham sido em 1945.
Quando os EUA emergiram da Segunda Guerra Mundial, a dívida federal era mais de 100% do PIB, levando a uma grande pressão política para travar as despesas públicas, com o intuito de assegurar que a dívida federal não iria crescer substancialmente. Claramente, então, não foi o défice ” keynesiano ” via despesa que permitiu que os EUA se libertasse da recessão nos anos imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial.
Qual foi o custo do Plano Marshall para a economia dos EUA e para os contribuintes dos EUA ? Em 1946, o PIB per capita foi 25% maior do que tinha sido nos últimos anos de paz que antecederam à guerra. O PIB per capita continuou a crescer durante os anos em que vigorou do Plano Marshall. Apesar deste ter disponibilizado 2% do PIB dos EUA durante quatro anos, os residentes norte-americanos (inclusive-e os contribuintes), tiveram anualmente na verdade um alto padrão de vida. (Davidson, 2008).
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Para ler a Parte VIII deste trabalho de Marshall Auerback, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/11/tempo-para-um-novo-new-deal-por-marshall-auerback-8/
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