A ILUSÃO DA AUSTERIDADE, PORQUE É QUE UMA MÁ IDEIA CONQUISTOU O OCIDENTE, por MARK BLYTH(1) – V

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A ilusão de austeridade, porque é que uma má ideia conquistou o Ocidente

Mark Blyth

(CONTINUAÇÃO)

Esse show dos anos 80

Quando as quatro maiores economias do mundo, todas elas e ao mesmo tempo, tentaram cortar o seu caminho para a prosperidade nos anos entre as duas guerras, o resultado foi a contracção económica, o proteccionismo, a violência e o fascismo. Bem, alguns podem dizer que se trata de diferentes casos que sugerem diferentes lições. As experiências da Austrália, Canadá, Dinamarca e da Irlanda na década de 1980 são muitas vezes referidas para nos ajudar como exemplos para defender a existência de um  conjunto de políticas a que os economistas dão o nome de “consolidação orçamental expansionista,” isto é em que pressupõem que os cortes nas despesas públicas, os cortes nos défices orçamentais, nos levam ao crescimento. Infelizmente, os factos discordam desse pressuposto.

Durante a década de 1990, foram publicados vários estudos que nos queriam mostrar que as consolidações fiscais que se verificaram na década anterior  em países como a  Austrália, Canadá, Dinamarca e na Irlanda tinham sido estimulantes para as economias locais . Todos estes países cortaram nos seus orçamentos, desvalorizaram as suas moedas e controlaram a inflação salarial e mais tarde as suas taxas de crescimento foram impressionantes. O suposto mecanismo que estaria por detrás do crescimento teriam sido as previdente expectativas dos consumidores, ou seja, o efeito de confiança dos agentes económicos: antecipando que os cortes nas despesas públicas passariam agora a significar menos impostos mais tarde, no futuro,  e que por isso os indivíduos passaram a gastar o seu dinheiro estimulando assim essas economias.

Estudos mais recentes, no entanto, vieram pôr em causa os métodos utilizados pelos estudos anteriores, o conhecimento recebido sobre o que realmente aconteceu nos países em questão e as lições mais importantes da época. Em primeiro lugar, em cada um desses casos, era um pequeno país que estava a reduzir o seu défice pelo corte das suas despesas públicas no auge de um período de crescimento e quando os seus principais parceiros comerciais era de muito maior dimensão e estavam em fase de crescimento. Tratou-se também de acontecimentos, discretos, independentes, que não foram realizados em simultâneo mas  um acontecimento de cada vez,  não havendo portanto contracções económicas simultâneas.

Em segundo lugar, em todos estes casos, os principais instrumentos de austeridade foram as grandes taxas de desvalorização da moeda nacional e a realização de acordos com os sindicatos para controlar os preços de modo a que os efeitos dos desvalorizações não fossem absorvidos inclusive pela inflação importada. Ou seja, se um país está a tentar obter um aumento nas suas exportações com uma moeda mais barata, então este mesmo país não quer que a vantagem de custo assim obtida com a desvalorização venha a ser eliminada pelo aumento de custos devidos esses aos aumentos salariais, de tal forma que por isso por isso, faz um acordo com os sindicatos para impedir que isso aconteça. Isto, naturalmente, só é possível apenas em países que têm sindicalizado uma grande parte dos seus trabalhadores. Sendo assim, estes casos dificilmente poderão constituir a prova de que a austeridade leva ao aumento da confiança dos consumidores, confiança esta  que, por sua vez,  leva ao crescimento.

Além disso, nos casos da Austrália e Dinamarca, estas chamadas consolidações orçamentais expansionistas produziram apenas em termos de dinamismo económico o correspondente ao um salto de um gato morto – um fugaz sinal de retoma mas na verdade completamente ilusório, e em ambas as economias os sinais de retoma esfumaram-se. Ambas as economias caíram em grave recessão no espaço de dois anos após os cortes nas despesas públicas ( acontecendo o mesmo no plano da confiança). Enquanto isso, no caso irlandês, como o mostrou o economista Stephen Kinsella, os salários reais aumentaram durante a década de 1980, sugerindo que terá sido um efeito de estímulo de rotina, e não uma mudança nas expectativas dos consumidores, que terá provocado a retoma da economia. O Canadá, por seu lado, foi capaz de reduzir as despesas públicas e crescer na década de 1980, pela simples razão de que o seu principal parceiro comercial, os Estados Unidos, estavam a passar por uma situação de boom económico massivo enquanto o Dólar canadiano se estava a depreciar e na ordem dos 40 por cento.

Nada disto tem nada a ver com as expectativas ou com a confiança, como no-lo afirmam os neoliberais, os defensores das políticas de austeridade. Na verdade, de forma ainda mais clara, o que está na sua base é uma história keynesiana de como a desvalorização e a moderação salarial podem impulsionar a economia quando os seus parceiros estão em situação de claro crescimento e em que a impulsão assim dada à economia fá-la crescer e por essa via, permite assim abrir o caminho para a consolidação orçamental. Como Keynes afirmou , “a situação com  crescimento, não a situação de economias em queda, é o momento correcto para a aplicação de políticas de austeridade.” Cortes em si mesmos não levam ao crescimento, pois eles só funcionam em pequenos estados que podem exportar para grandes nações que estão com as economias em expansão, ou seja, a crescerem. Assim como os países que negoceiam uns com os outros não podem ter todos, como é lógico, excedentes comerciais em simultâneo, pelo que as economias interligadas não poderão nunca desvalorizar em conjunto se com isso se quer  ao mesmo tempo que cada um deles aumente as suas exportações.

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Para ler a parte IV deste trabalho de Mark Blyth, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/17/a-ilusao-da-austeridade-porque-e-que-uma-ma-ideia-conquistou-o-ocidente-por-mark-blyth1-iv/

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(1) – Ver a nota publicada na primeira parte deste trabalho, em:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/14/a-ilusao-da-austeridade-porque-e-que-uma-ma-ideia-conquistou-o-ocidente-por-mark-blyth1-i/

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