O LADO SELVAGEM DO ÊXITO CHINÊS – por HERIBERTO ARAÚJO / JUAN PABLO CARDENAL, texto amavelmente ©cedido por EDICIONES EL PAÍS S.L.

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

O lado selvagem do êxito chinês

Dois jornalistas viajam pela Europa estudando os métodos de redes de criminalidade económica

O Império construído por imigrantes asiáticos, muitas vezes assenta em pilares escuros

HERIBERTO ARAÚJO / JUAN PABLO CARDENAL,

El lado salvaje del éxito chino

http://politica.elpais.com/politica/2013/11/01/actualidad/1383335233_666458.html

 

Texto amavelmente cedido por El País

©Cedido por EDICIONES EL PAÍS S.L.

Parte I
elpaís - IIUm armazém de calçado chinês em Elche. / JOAQUÍN DE HARO

O aspecto cinzento e industrial da cidade toscana de Prato torna-se visível à medida que o reluzente Mercedes de Yong Zhang Hu abre caminho entre o tráfego da capital mundial da moda rápida, do pronto a vestir. As lojas dirigidas por carteis com ideogramas em mandarim estendem-se pela Via Pistoiese, por onde continua a zona comercial chinesa. O centro nevrálgico da comunidade funciona graças a milhares de negócios – entre eles 2.600 unidades fabris de têxteis – nas mãos de uma comunidade que, à imagem e semelhança de Hu, é protagonista de um sucesso empresarial brilhante. Passaram de recém-chegados a mestres da indústria de vestuário, em pouco mais de uma década. Um enriquecimento glorioso que que teria fascinado Deng Xiao Ping, a quem se atribui a famosa metáfora.

“Quando eu cheguei fui trabalhar para o restaurante dos meus pais. Já na década de 1990, fui eu que criei uma das primeiras fábricas chinesas de confecção de Prato. Gradualmente, fomos subindo a escada de valor e deslocando os italianos”, conta este este homem de 43 anos e natural de Wenzhou. Para bater os seus concorrentes cunhou uma fórmula vencedora: o Made in Italy feito por chineses, que nada mais é do que produzir por encomenda para as grandes marcas com o prestigiado selo de origem italiana, made in Italy, mas a preços imbatíveis e com a rapidez inalcançável que a mão-de-obra chinesa permite, muitas vezes explorada clandestinamente. Graças a este modelo a comunidade chinesa em Prato é provavelmente a mais dinâmica na Europa, dando origem a um negócio avaliado em 2 mil milhões de euros por ano na cidade de Prato que conta cerca de 195.000 pessoas. Mas, ao mesmo tempo, tornou-se também o quilómetro zero da criminalidade económica chinesa.

Mattia Ianniello, investigador da Inspecção de Finanças de Florença, sabe-o bem. Já mais de seis anos se passaram e na sua memória permanecem intactas imagens do maior golpe contra as investigações do submundo chinês em Itália, a operação Baciano, cuja fase final teve lugar em 2012. Lembra-se do regime de “escravidão”, do ritmo extenuante e das condições sub-humanas em que viviam os empregados nas entranhas das oficinas a operarem em Prato: “havia alguns amarrados à cama”, recorda. Sofrimento que gera uma competitividade imbatível e lucros milionários na economia subterrânea para aqueles que controlam o negócio.

Para os chineses, ganhar na Europa é difícil se não evitarem os impostos, reconhece um líder da Comunidade

“Tudo começou quando uma empresa de transporte e de guarda de valores nos disse que o seu maior negócio era não com bancos, mas com chineses. Recolhia de forma regular milhões de euros em pequenas empresas chinesas, enquanto os bancos movimentavam uma média de 200.000 a 300.000 euros por dia. E então perguntámo-nos: de onde é que veio todo este dinheiro ? “, explica Ianniello.” Foi assim que nos atiraram a isca. “O primeiro negócio que investigámos foi uma livraria em Prato, que enviava remessas. Tinha uma área de cerca de 10 metros quadrados, mas enviava um milhão de euros por dia em quantidades de menos de 2.000 euros”.

Estes valores fazem supor que centenas de clientes tinham que aparecer diariamente no local, pelo menos um de cada dois a três minutos. No entanto, apenas um punhado de pessoas entrou na livraria Ou Hua, localizada no número 13 da Via Cavour e gerida por uma família chinesa histórica. A mesma família que, de acordo com os promotores, controlava outras 13 agências em toda a Itália e até mesmo a matriz financeira, as remessas de Money2Money. Qual era a origem do dinheiro? E porque é que eles evitavam as suas transacções no sistema bancário?

O sistema era relativamente simples: de acordo com a polícia, eles diariamente recebiam milhões de euros em dinheiro da comunidade chinesa, gerada pela venda não declarada de têxteis e de outros produtos, pela emigração ilegal, pela prostituição ou ainda pelo tráfico e pelo comércio de produtos falsificados e enviavam esse dinheiro para a China camuflado como remessas de imigrantes. Quanto mais dinheiro enviavam mais necessário eram os milhares de passaportes e de identidades falsas de chineses que manejavam para conseguir dividir as remessas em quantidades menores a 2.000 euros por pessoa e por trimestre, que é o limite definido pelo banco da Itália para que uma transacção não seja considerada como sendo suspeita. Então terão levado ilegalmente da Itália mais de 4,5 mil milhões de euros em quatro anos, de acordo com as autoridades italianas.

Quem combate o crime económico chinês em Espanha sabe que a operação Cian Ba não é um caso isolado, mas apenas uma amostra de uma sofisticada fraude transnacional que atingiu níveis alarmantes. A análise de dezenas de procedimentos sumários e casos judiciais em Espanha, França, Itália, Portugal, Áustria, Roménia e centenas de entrevistas com investigadores, fiscais, funcionários das alfândegas, das Finanças e de funcionários da Interpol inexoravelmente apontam na mesma direcção: a existência de uma economia de milhões de dólares que progride e se torna cada vez mais forte através de canais ilegais, como se de um império invisível se tratasse e cuja vantagem competitiva reside precisamente nas vantagens que as ilegalidades lhes permitem ter. Esta circunstância é reconhecida até mesmo por alguns notáveis da comunidade chinesa em Espanha.

Um deles é o afável vice-presidente de uma das associações chinesas no nosso país que, por razões óbvias, falou na condição de anonimato. “Muitos chineses em Espanha gostariam de dar uma positiva imagem da Comunidade, mas eu quero falar com franqueza. Não podemos esquecer que algumas partes da história”, foram iniciadas durante um almoço em Wenzhou. “Para os chineses, ganhar dinheiro na Europa é quase impossível se não evitam o pagamento de impostos, porque as empresas não dão tantos lucros. No comércio por grosso todos fazem o mesmo porque há muita concorrência para captar os clientes. “E os restaurantes, se utilizam apenas os trabalhadores legais, seria muito difícil poderem sobreviver”, admite entre baforadas de fumo. “É impossível acabar com este sistema porque os chineses tiram proveito dos pontos fracos do sistema. E as pessoas sempre querem mais dinheiro. E se não os roubam sempre podem seguir em frente ganhando muito mais ” diz entre gargalhadas.

Todas as operações desencadeadas no nosso país nos últimos cinco anos, incluindo a mediática Emperador [1]expressam um modus operandi criminoso nesse sentido. A fraude começa diária e massivamente com as importações de mercadorias de comércio lícito em que, no entanto, os comerciantes asiáticos tentam pagar o mínimo de impostas e tarifas que lhes seja possível. Também atingem o comércio ilícito: tabaco, roupas de marca falsificada ou de medicamentos falsos. A exploração da mão-de-obra chinesa procedente da imigração ilegal também é recorrente. E, finalmente, criam engenhosas formas de enviar ilegal e sub-repticiamente abundantes lucros destinados à China, onde é reinvestido na produção ou na construção civil. O círculo é completo.

Nada é deixado ao acaso entre as famílias chinesas que controlam estas empresas e que, aliás, não integram máfias nem tríades. Não há nenhuma tatuagem, torturas, nem um malvado capo dos capo. De facto, o perfil de ideólogos das redes criadas é muito menos cinematográfico do que aquilo que imaginamos: oscila entre o empresário que se fez a si-mesmo e o hábil manipulador financeiro capaz de explorar as falhas no nosso sistema; perfil este que coincide com o de Gao Ping, o alegado líder da rede desmantelada pela Operação Emperador que conseguiu branquear e  evadir cerca de 800 a 1.200 milhões de euros durante um período de quatro anos. Eles são, em última análise, empresários que exercem uma actividade legal – produção, comércio ou produção têxtil – mas que a exercem até extremos qualificáveis como criminosos para as tornar mais rentáveis.

elpaís - IIIUm trabalhador chinês lê um diário em Cobo Calleja (Fuenlabrada, Madrid). / LUIS SEVILANO
(continua)

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[1] Nota de Tradução. Ainda citando El País: “A operação Emperador –foi o maior dispositivo contra o branqueamento posto em marcha nestes anos recentes com o qual se descobriu uma macro-organização criminosa chinesa situada em Espanha – como o “cabeça da organização internacional” -dedicada à evasão fiscal. Leiser, El Super ou o Chefe, aparece na cúpula de uma rede perfeitamente organizada que levou décadas a operar e tinha um objectivo muito específico: conseguir que os empresários, profissionais liberais e ricos pudessem movimentar o seu dinheiro à margem dos Estados e das Finanças de cada país. E sem pagar um único imposto. A única despesa é o que leva esta organização  (entre 2% e 3%). Ao seu lado, na Suíça, um emperegado que era a sua mão direita, um funcionário do banco HSBC, Marc Pérez, assegura-se de que o mecanismo das transferências funcione como um relógio.”

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