EDITORIAL – a democracia ao alcance de todos

Imagem2O argonauta e pintor Dorindo Carvalho concebeu um cartoon em que a árvore de Natal é substituída por um bacalhau. Outro argonauta, Carlos Leça da Veiga, ao ver o desenho de Dorindo, contou como na Coimbra do seu tempo, na República do Palácio da Loucura, o bacalhau era pendurado no tecto por um cordel e os comensais, enquanto comiam umas batatas cozidas, cortavam fatias da sombra do fiel amigo. «Assim a poupança está ao alcance de todos», diz como conclusão.

Sem nunca atingir os índices de rendimentos médios dos países mais desenvolvidos, situando-se em 2011 no 27º lugar do ranking do Fundo Monetário Internacional,  com cerca de 33 mil dólares de rendimento per capita, muito pior do que o 1º, o Luxemburgo, com 113 533, mas muito melhor do que a Argentina, em 58º com 10 945 dólares, pois com este valor médio, criou-se em Portugal uma mentalidade consumista, com os bancos a facilitar o crédito, e as famílias a endividar-se com a compra de residência própria e com famílias modestas a concentrar frotas automóveis – pai, mãe, dois filhos adultos = quatro viaturas. Não se gastou acima das possibilidades. Os bancos disponibilizavam o crédito, as pessoas aceitavam  e cumpriam. E com uma economia paralela a elevar, em alguns casos, o rendimento real. Íamos andando – dos onze milhões de habitantes divididos grosso modo em três segmentos – dois milhões de ricos e classe média alta, sete milhões na classe média baixa e dois milhões de pobres.

No Natal, o consumismo atingia o paroxismo. Um marketing selvagem tangia as cordas de uma pieguice disparatada, os valores do amor familiar misturados de forma capciosa com os interesses comerciais, criando um ambiente de compra compulsiva – as grandes superfícies, transformadas em catedrais do consumo. Luzes, os jingle bells, o pai Natal, toda uma carga de fantasia pirosa e de tradições aldrabadas. E uma certa chantagem emocional – «os comerciantes têm de viver». Claro que têm. Não queremos culpar os pequenos comerciantes, também eles vítimas de uma sociedade antropofágica.

As luzinhas coloridas tremeluzentes sobre pinheiros nórdicos, os pais Natal da Coca-Cola, as renas, os saltitantes jingle bells, continuam a chamar os fiéis à oração. Como na coimbrã República do Palácio daImagem1 Loucura, de que nos fala o Carlos Leça da Veiga, cortamos fatias da sombra do poder de compra que se sumiu no vórtice de um buraco financeiro aberto pela oligarquia mafiosa que assumiu o poder. Cortamos fatias da sombra de uma democracia que apenas nos deixa escolher o cutelo com que queremos ser degolados. Como quem, estando num cárcere, sonha viver em liberdade…

A democracia ao alcance de todos!

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