RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

Saltam as rolhas do caro champagne em Lisboa porque a crise acabou, disparam-se os primeiros tiros de bazuca a partir dos mercados financeiros porque a crise se intensificou

Júlio Marques Mota

PARTE X
(CONTINUAÇÃO)

    Concepção errada nº 6: Portugal não anda a esconder dívida (Continuação)

Fora dos mercados de swaps

• Em Abril de 2013, o Ministério das Finanças anunciou que uma série de contratos “especulativos” de derivativos (principalmente swaps de taxas de juros) assinado por 15 empresas públicas estavam fora do mercado (out the money) e com as perdas potenciais totais de €3 mil milhões

• A companhia de metro, só por si, enfrentava uma perda de €800 milhões

• Nos meses seguintes Portugal renegociou ou finalizou alguns destes contratos com as contrapartes que eram os bancos e desde então reduziu a perda potencial a €1,5 mil milhões

• Funcionários públicos ligados às operações foram substituídos, incluindo o Secretário de Estado do Tesouro, Joaquim Pais Jorge, que renunciou em Agosto de 2013

• A imprensa local permanece agarrada a esta questão e o Parlamento Português tem em mãos um processo de realização de um inquérito sobre todos os contratos de derivados nas empresas estatais, que potencialmente poderiam levantar transacções adicionais e de possíveis prejuízos.

Source: Portuguese press.

Curiosamente o texto de Tortus preocupa-se exclusivamente com a banca portuguesa como se… na Europa o problema seja exclusivamente português, o que não é verdade. Vejamos então o significado do que acabamos de afirmar.

Lendo a Reuters a 13 de Outubro de 2013, dizem-nos:

“Os países da zona euro irão considerar na segunda-feira como se irá pagar para sanear os seus bancos falidos depois dos testes de integridade no próximo ano que se espera venham a revelar problemas que têm infestado a situação económica e financeira da Europa desde o rebentar da crise financeira.

Ninguém sabe a verdadeira escala de potenciais perdas nos bancos da Europa, mas o FMI levanta o problema este mês apontando para a enorme dimensão do problema, dizendo que os bancos espanhóis e italianos enfrentam, só eles, perdas no montante de 230 mil milhões de euros (USD 310 mil milhões) durante os dois próximos anos devidas ao crédito de cobrança difícil concedido às empresas .”

A gravidade da situação é tal que, ainda segundo a Reuters, Michel Banier, o Comissário Europeu encarregado da regulação financeira, terá dito: ” Temos de encontrar uma solução imediatamente. A próxima crise financeira não espera por nós”, querendo com isso afirmar que é necessário actuar em força e rapidamente. O problema não é pois português apenas, é europeu e no seu todo, contrariamente ao que expressa o Hedge fund Portus Capital.

Aliás Mario Draghi vai ainda mais longe que Banier quando afirmou em Washington:

“Os bancos europeus têm sido, como todos os bancos, caixas pretas hermeticamente fechadas. Se alguém chegasse a abrir a caixa preta nem que fosse apenas uma ponta num dos seus cantos, o cheiro forte e fétido dos activos apodrecidos que se escapavam seriam de tal modo fortes que esse canto seria imediatamente e de novo fechado. Mas se a ponta desse canto não for imediatamente fechado demasiados cheiros poderosamente fétidos ter-se-ão espalhado de tal forma que o banco inteiro desmoronava e entrava em falência, cabendo pois aos contribuintes, frequentemente de outros países o respectivo resgate; é mais fácil desta maneira

A única coisa que sabe sobre os buracos nos balanços destas caixas-pretas, deixados para trás por activos que têm decompostos de modo silencioso é que são muito profundos. Mas ninguém sabe de quão profundo é que eles são. E ninguém o pode saber – até que os eurocratas decidam quem vai pagar a conta do resgate desses bancos. Como sabê-lo.”

Claramente isolar a banca portuguesa para um ataque não faz nenhum sentido, é intelectualmente desonesto. Fá-lo sim na óptica de um ataque especulativo em forma à dívida soberana e aí é então mais grave ficarmos calados. Mas vir defender o que se passou no Chipre diz-nos muito sobre a finalidade do texto em análise. Mas já agora aconselhamo-lo então a esperar pelo próximo Chipre que se irá passar seguramente no outro lado da Europa[1] e talvez então este Hedge fund americano venha a perceber a monstruosidade que é atacar os depositantes cuja maioria não é, em princípio, nem vista nem achada na criação e na dinamização da crise.

E qual é a solução apresentada? Como resolver o problema da crise e torna-la sustentável? Como chegar à solução? Simples, basta ter um outro governo com mandato para reestruturar, ultrapassar as cláusulas retroactivas de acção colectiva, obter do FMI, da UE e do BCE, que estariam por dentro da decisão, um acordo para definir o custo de empréstimos oficiais para zero, na troca de títulos antigos por novos títulos com uma redução de 40 a 50% do seu valor facial, o mesmo é dizer que uma taxa de juro de 3% e de 15 a 25 anos de maturidades. Garantias ligadas ao valor nominal do PIB poderiam muito bem ser parte do pacote, talvez.

(continua)
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[1] Um amigo meu e leitor crítico deste texto pediu-me que explicitasse o país em causa. Pois bem, estamos a referirmo-nos à Letónia.  Este é o último país que passou a ser  membro da zona euro. Trata-se de  um pequeno país de  2,2 milhões de habitantes, encostado à  grande Rússia é potencialmente um concentrado de Grécia e Chipre… Sendo um país do Norte da Europa poder-se-á pensar que é um país de contas transparentes. Mas não é. Pior ainda: se o ordenássemos no mapa dos países que são ou não são transparentes a Letónia ficaria junta  dos clubes ditos do ‘ Club Med’ ou, melhor, dos ditos países do grupo  PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha). Daí a fortíssima política de austeridade que deixou o país abalado, e por décadas, possivelmente e quanto a efeitos dessa política há claramente alguns paralelismos com o que se está a passar em Portugal.

E hoje, depois de uma brutal purga de austeridade imposta, cerca de 70% da sua economia depende agora dos  seus serviços financeiros. A purga supostamente terá sido eficaz, mas é infernalmente perigosa, porque está  baseada na técnica de Chipre e de Londres, mas a City é a City:   receber, sem se questionar, todos os activos estrangeiros. A aplicação do plano de resgate sobre Chipre, uma vergonha aliás,  no ano passado, beneficiou  grandemente os bancos da Letónia cujos empregados, todos a saberem falar russo,  abrem desde há vários meses contas para milhares de russos.   Mas é um novo membro da zona euro. Sobre este país dizia o Leopardo-mor do sistema mundial, Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, numa sua visita a Riga: “Viva a austeridade”!

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Para ler a Parte IX deste texto de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

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