FALEMOS DE ECONOMIA, FALEMOS ENTÃO DE POLÍTICA – QUANDO A INCOMPETÊNCIA OU A MALDADE SÃO CONSIDERADAS QUALIDADES E, COMO TAL, PREMIADAS, por JÚLIO MARQUES MOTA

Quando a incompetência ou a maldade são consideradas qualidades e, como tal, premiadasIª Parte – A

A propósito das recentes promoções de Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira e José Luís Arnaut

No texto que escrevi sobre o documento de Tortus Capital dedicado todo ele à análise da dívida pública portuguesa e que foi publicado com o título “Saltam as rolhas do caro champagne em Lisboa porque a crise acabou, disparam-se os primeiros tiros de bazuca a partir dos mercados financeiros porque a crise se intensificou”, perguntava eu, na lógica de Fiódor Dostoiévski, se Deus existia, face ao descalabro civilizacional que se está a verificar na Europa em nome da soberania dos mercados. Em resposta à minha questão, eu próprio dava como 1º exemplo, a situação em que Portugal se encontra, ou seja assente em cima de uma bomba relógio que pode rebentar a qualquer momento. Já dava como um 2º exemplo para essa mesma interrogação, as nomeações de Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira, que são verdadeiramente um insulto ao povo português que, mesmo com quase todo ele colocado em precariedade pelas políticas destes dois senhores, é depois e por eles, acusado de viver acima das suas possibilidades[1].

No texto em questão, pessoalmente, estava frontalmente revoltado contra um texto americano que nada mais pretendia que desencadear uma forte especulação contra a dívida soberana portuguesa, o mesmo é dizer, contra o euro (português). Mas em cima de uma bomba relógio não estamos só nós. Estão os espanhóis, estão os franceses cujo Presidente acaba publicamente de capitular face ao poder dos mercados financeiros, estão os gregos, está o povo de Malta, os cipriotas, está o povo italiano, o povo belga, os liberais holandeses, está o povo esloveno, o povo inglês, está o povo húngaro, a Irlanda, está a Letónia que um dia irá rebentar como Chipre, a menos que haja, sempre, vários pesos e medidas como até agora tem sido a prática de Durão Barroso e dos seus comandos. E tudo isto por causa das políticas de austeridade impostas pelos falcões alemães. Um pouco como os Tea Party americanos. Dito de outra forma, em cima dessa bomba relógio não está apenas Portugal, está toda a Europa , está o modelo europeu de sociedade potenciado nestes últimos 20 anos, o que o texto americano não referia. E sobre essa bomba e a criar já outras bombas cada vez mais potentes está Bruxelas, está o BCE, está o FMI, estão os falcões alemães, ao impor e praticar em simultâneo desde a Letónia a Portugal políticas duras de austeridade. Mas não, o texto americano não dizia nada disto, acusava apenas Portugal de estar perante uma dívida não sustentável. E nada mais dizia.

Há no texto americano um pormenor simples, um gráfico apenas banal, a evolução da taxa de câmbio efectiva real do euro de Portugal, se assim a podemos chamar, uma vez que é a evolução do euro tomando como espaço nacional, como referência, o nosso país e não a zona euro. Dir-se-á que é a taxa de câmbio real de Portugal, tomando como moeda nacional o euro.

Para os leitores que não tenham grande formação em economia, vejamos o que se entende por taxa de câmbio real.

Numa relação de comércio entre dois países com moedas diferente, o elemento de ligação, de homogeneização dos espaços, é a taxa de câmbio nominal a que chamamos Rs. Esta representa, em termos nominais, o valor de uma moeda em termos da outra. Exemplo, 1, 20725 euros por unidade Libra, é então o valor da libra expresso em euros. Visto pelo lado inglês, diremos que é a moeda nacional (Libra) que está a ser cotada e a taxa de câmbio é chamada de taxa de câmbio ao certo. Já pelo lado da zona euro diremos que é a moeda estrangeira (Libra) que está a ser cotada e à mesma taxa, a que se lhe chama de taxa de câmbio ao incerto, definindo-se esta coimo a quantidade de moeda nacional (euros) por unidade de moeda estrangeira (Libra). No exemplo que aqui tomamos, consideramos a taxa de câmbio ao incerto, isto é, no nosso caso na óptica de Portugal como espaço nacional.

Mas o nosso gráfico fala-nos da taxa de câmbio real. Que quer isto dizer? Vejamos com algum detalhe. Seja P o nível de preços de um conjunto de bens, do deflator do PIB, ou seja de um dado cabaz de compras. Diremos pois que com P unidades monetárias, em Portugal compraremos um cabaz assim composto pelo INE. Aos meus alunos costumava colocar a questão inversa e que aqui interessa. Então qual é o valor da moeda nacional, o euro neste caso? Espantavam-se. O valor da moeda nacional? O que é isso? Não é a moeda expressão do valor das mercadorias? Esta era a pergunta que fazia perante os espantados alunos. É, diziam-me. Pois bem, a moeda necessariamente tem valor e o seu valor é expresso por aquilo que ela pode comprar. Sendo assim, o “numerário real” em que se expressa o seu valor, e este é o referido cabaz de compras. E aquela velha regra que aprendemos na quarta-classe, creio, dá-nos a resposta. Se com P unidades de moeda compramos um cabaz de compras, então com uma unidade monetária compramos (1/P) desse mesmo cabaz. Esse é então o valor da moeda nacional, expresso esse valor num cabaz de bens tomado como numerário. Se falássemos de moeda estrangeira, onde o seu deflator, o cabaz que serve de deflator ao PIB estrangeiro, vale P* unidades de moeda externa, então o valor da moeda estrangeira no seu próprio espaço vale (1/P*). Seja Rs a quantidade de moeda nacional que vale uma unidade de moeda estrangeira, a taxa de câmbio nominal, portanto. Mas o valor da moeda nacional vale por unidade , “vale” (1/P) e a moeda estrangeira vale então no nosso espaço económico Rs (1/P), contra (1/P*) que vale no seu espaço. Às relações destas duas expressões dá-se o nome de taxa de câmbio real pois expressa a relação do poder de compra de uma moeda nos dois espaços e designemo-la por E.

(I)                E= Rs  = Rs (P*/P).

Se quisermos colocar a taxa de câmbio real não em termos de valor, o que nada significa, é certo, podemos vê-la em termos de evolução e temos então:

(II)             (dE/E) = (dRs/Rs) + (dP*/P*) – (dP/P)

 ou

(III)          (dE/E) = (dRs/Rs) – [(dP/P) – (dP*/P*)]

Daí, o dizer-se que a taxa de câmbio real é a taxa de câmbio nominal duplamente deflacionada. Se P* sobe, então a taxa de câmbio real sobe, o que significa que a economia nacional (o país A) está a ganhar competitividade, porque os estrangeiros (o país B) terão interesse em comprar menos produtos produzidos por eles (pelo país B) e terão inversamente mais interesse em comprar mais produtos nacionais (ao país A). Inversamente os nacionais (o país A) ficam com mais interesse em comprar bens nacionais (do país A) e menos bens estrangeiros (do país B). Do mesmo modo, se P desce, então aumenta o poder de compra da moeda nacional (do país A), perante uma Rs constante, aumenta o poder de compra da moeda estrangeira (do país B) quando gasto no país que assumimos como o espaço nacional (país A). Com os portugueses teremos o mesmo comportamento: aumenta o poder de compra da moeda nacional, há mais interesse em comprar bens nacionais e o mesmo interesse em comprar bens estrangeiros.

(continua)
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[1] Nunca defendi a política de Sócrates, mas é vergonhoso, visto de outro prisma, acusar o PS da altura como sendo o responsável pela crise! Evidentemente foi um governo neoliberal, como os outros, mas mesmo sendo tão pequenos, fomos carimbados com a responsabilidade da crise internacional, pelos neoliberais que agora estão no poder, em Portugal. E assim ilibam os decisores institucionais como a União Europeia, como o BCE, como a política de desinflação competitiva da Alemanha. Passam ao lado de tudo, e ilibam igualmente Cavaco e Durão Barroso. No mínimo exige-se que estes senhores leiam os textos do Comissário Europeu, Laszlo Andor. Estes senhores, desta forma, ilibam também a União Europeia quando nos deu ordem de abrirmos os cordões à bolsa como medida anti cíclica contra a crise e para comprarmos carros alemães, quando se sabia estarmos pobres em recursos, ou de tanga até, como acusou Durão Barroso quando fugiu para Bruxelas. Um espantoso cinismo, este, que é assumido pelos neoliberais portugueses, sobretudo na Assembleia e nos media, a rondarem já o equivalente funcional do fascismo ou indo mesmo muito para além dele, se tomarmos como referência o tempo de Salazar dos anos 50-60.

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