A DITADURA DAS FINANÇAS, por JOÃO MARTINS PEREIRA – COMBATE, OUTUBRO 1992

João Martins Pereira (1932 – 2008), engenheiro, ensaísta, jornalista, foi secretário de estado do IV governo provisório, em 1975. O primeiro ministro era Vasco Gonçalves e o ministro da Indústria e Tecnologia João Cravinho, num governo que durou poucos meses, e que nacionalizou as grandes empresas industriais do país. Não é exagero nenhum dizer que não lhe deram tempo para mostrar que era possível outra via, diferente da que estamos a aguentar. João Martins Pereira foi autor de várias obras de referência, como Pensar Portugal, Hoje (1971), Indústria, ideologia e quotidiano: ensaio sobre o capitalismo em Portugal (1974)Sistemas económicos e consciência social: para uma teoria do socialismo como sistema global (1980)No reino dos falsos avestruzes: um olhar sobre a política (1983) e outras igualmente relevantes. Dirigiu o semanário Gazeta da Semana, e publicou  uma colaboração enorme na imprensa, que vem indicada no site que lhe é dedicado, João Martins Pereira, em http://www.martinspereira.com/. O texto que abaixo inserimos, uma síntese do artigo que publicou no Combate, em Outubro de 1992, está nesse site. Para tal foi-nos concedido a necessária licença por Manuela Vascocelos. Leiam este texto com mais de vinte anos, e reparem como os factos dos últimos anos confirmaram a certeza da análise nele contida. 

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A DITADURA DAS FINANÇAS

[…] O facto é que estamos bem longe dos tempos em que os economistas, mesmo os de pendor mais liberal, se debruçavam sobre os problemas do desenvolvimento económico, como uma questão central do seu ofício. E nem se discutia o pressuposto de que era ao nível da “economia real” que se gerava a “riqueza colectiva” (bens e serviços, públicos e privados, e os rendimentos para os adquirir) enquanto o sector financeiro se destinava, no essencial, a fazer circular os recursos monetários dela provenientes e a facilitar a sua aplicação em novos investimentos. A noção de “investimento” era dominantemente “física” e “social” (aplicação de recursos em áreas económicas e socialmente reprodutivas).

Como recordava recentemente um cronista de uma revista económica portuguesa, os três grandes motores do crescimento económico foram então definidos como: o investimento em capital fixo (infra-estruturas, equipamento, maquinarias); o melhoramento qualitativo dos recursos humanos (instrução de base, educação avançada, formação profissional); inovação tecnológica (que então se designava por “progresso técnico”). A transformação do crescimento em desenvolvimento implicava juntar a esses motores a dimensão política, social (redistribuição) e cultural.

A essa atitude não era alheia a memória dos anos sombrios que se seguiram ao krash da Bolsa de Nova York em 1929, isto é, dos perigos de deixar “embalar” a especulação financeira, em patente divórcio com a realidade económica. Os mecanismos keynesianos anti-crise conheceram por isso um enorme sucesso após 1945, até aos anos 70. E a presença de uma esquerda actuante e influente (nomeadamente a marxista) manteve uma inegável pressão no mesmo sentido, será bom não esquecer.

Hoje, na esteira dos anos 80 ultraliberais […] tudo mudou. Instalou-se, perigosamente a “ditadura das finanças” […] Investir, nos nossos dias, passou a significar “fazer aplicações financeiras”, isto é, comprar papéis e com isso multiplicar o dinheiro sem qualquer actividade socialmente proveitosa, enquanto “investidores” são os que a tal desporto se dedicam. E isto, que é chocante em si, é-o tanto mais quanto maiores são as carências nos planos económico e social […]

A Bolsa nunca passou de um Casino (assim lhe chamou Jacinto Nunes nos tempos de euforia) onde se procuravam fortunas fulgurantes.

Entretanto, os chamados “novos grupos económicos” de base industrial, que fizeram milhões durante o boom da especulação bolsista (1986/87), ganharam-lhe o gosto e diversificaram as suas actividades justamente para a área financeira, para o imobiliário, para a distribuição, deixando praticamente de investir na indústria.

[…] O mundo financeiro parece pairar acima da “economia real”, mas não paira. Basta ver como a revalorização do escudo nos últimos anos, de raiz essencialmente especulativa, atingiu fortemente as nossas indústrias exportadoras (disso é feita, em parte, a tão falada “crise dos têxteis”). Basta saber que as empresas, como sempre sucedeu, dependem, para o seu financiamento, do sistema financeiro e dos seus comportamentos (estes tantas vezes manipulados por interesses nebulosos, políticos ou outros). E também que os famosos “critérios de convergência” nominal de Maastricht, dominantemente financeiros, teriam, a ser cumpridos, um papel decisivo sobre as economias, de algum modo perpetuando o status quo da hierarquia de níveis de desenvolvimento entre os países europeus (e tanto mais quanto os famosos Fundos Estruturais e de Coesão Social serão agora, pós-20 de Setembro quase uma quimera). Enfim, que os rendimentos gerados (sabe Deus como) em todas essas múltiplas actividades de circulação do dinheiro, acabam, mais tarde ou mais cedo, por descer ao mundo em que se produzem e compram bens e serviços, para adquirir os seus “sinais exteriores de (nova) riqueza”, que são coisa que alguém teve de produzir.

É justamente por isso que é preocupante a “ditadura das finanças”: a economia real ficou em posição de simplesmente andar a reboque de interesses que se preocupam sobretudo com o mero “jogo do dinheiro”, e quase nada com as questões do crescimento, do desenvolvimento ou dos problemas colectivos (considerados não só  numa óptica quantitativa, mas sobretudo qualitativa). […]

Ver:

http://www.martinspereira.com/destaqueaditaduradasfinan231as.html

e também

Click to access A_ditadura_das_finan_as.pdf

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