FALEMOS DE ECONOMIA, FALEMOS ENTÃO DE POLÍTICA – QUANDO A INCOMPETÊNCIA OU A MALDADE SÃO CONSIDERADAS QUALIDADES E, COMO TAL, PREMIADAS, por JÚLIO MARQUES MOTA

Quando a incompetência ou a maldade são consideradas qualidades e, como tal, premiadas – Iª Parte – F

A propósito das recentes promoções de Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira e José Luís Arnaut

(CONCLUSÃO)

Esta diferença crescente entre as taxas de juros reais e as taxas de crescimento, estão de modo significativo a prejudicar a solvência dos países em dificuldade, os mutuários. Considere-se o caso das finanças públicas. Devido ao alargamento da diferença entre a taxa de juro real de longo prazo e a taxa de crescimento real, o excedente orçamental primário que estabiliza o rácio da dívida pública[1] (Gráfico V) é actualmente (em p.p. do PIB) de:

– 4.5 na Espanha contra o actual défice primário de 4.0 (Gráfico VI);

– 7.0 na Itália contra o actual excedente primário de 2.0;

– 11.7 em Portugal, contra um défice primário de 1.0;

– 4.8 na Irlanda contra um défice primário de 2.0;

– 26 na Grécia contra um actual défice primário de 1.5.

Gráfico V) Divida Publica (em % dom PIB nominal)

maldade - VIIGráfico VI) Excedente primário e Deficit (em % dom PIB nominal)

maldade - VIIIEstes países estão, portanto, a entrar claramente em deflação, uma situação em que a desinflação leva a taxas de juros reais excessivamente elevadas. Porém, o resto da zona euro não está nessa situação.

Os países da zona euro em dificuldade estão confrontados não apenas com um aumento das suas taxas de juros reais, mas também com a necessidade de terem que voltar às políticas orçamentais restritivas em 2014. Em 2013, os défices orçamentais não foram reduzidos, excepto na Grécia (Gráfico VI), porque estes países aproveitaram o adiamento da data em que teriam de colocar os seus défices nos valores estipulados e sob controle. Esta situação levou a um aumento muito rápido dos rácios de dívida pública (Gráfico V) e, portanto, é insustentável; além disso, é uma situação inaceitável para a Comissão Europeia, para BCE e para a Alemanha.

O BCE está, portanto, confrontado com uma nova heterogeneidade na zona euro. Os países em dificuldade estão a ser empurrados para a situação de deflação, devido à grande diferença entre as taxas de juros reais e as taxas de crescimento de que resulta o rápido declínio da inflação; Isto não é o caso dos outros países. Se o BCE não reage, os países em dificuldades, virão a estar, portanto, numa situação ainda bem pior de deflação confirmada.

Gráfico 10 A) – Japão: base monetária em circulação e títulos públicos no poder do banco central (em triliões de Ienes)

maldade - IX

O que pode o BCE fazer? A solução que seria mais eficaz, mas muito provavelmente inaceitável para o BCE, seria agir como o faz o Banco do Japão (Boe): no caso do BCE seria então a compra massiva de títulos do governo dos países em dificuldade (Gráfico 10A) levando a um aumento nas expectativas de inflação e da inflação real (Gráfico 10 C),

Gráfico 10 C)Japão: Inflação e taxa real de juros dos títulos do governo a 10 anos

maldade - X 

e a uma queda nas taxas de juros reais de longo prazo (Gráfico 10 C). A probabilidade do BCE conduzir esta política é muito baixa; uma parte da zona euro é, portanto, susceptível de se atolar numa perigosa deflação e exactamente na altura em que há o consenso de que estão a sair da crise.

Mas o Japão não são os fanáticos europeus das políticas de austeridade. Este é o discurso de Patrik Artus, de um dos homens dos mercados mais influentes em França e amigo dos homens do poder à direita no seu país. E por ser um homem dos mercados é que propõe esta solução. Diz-se ainda que é consultor dos chineses, o que viria assim na mesma linha, pois os chineses já deixaram de estar interessados na recessão na Europa, uma vez que esta é um dos seus grandes mercados. O discurso agora apresentado é o discurso de um especialista lúcido, a ver a realidade, é certo, dentro do modelo que a concebeu. E a procurar seriamente nos limites do modelo uma solução. Claramente a medida proposta é uma das medidas necessárias mas não suficientes. O que mostra a necessidade de pensar diferente, de agir diferente, como sublinha o relatório da Cruz Vermelha. Mas é uma medida necessária e urgente. Contudo, é uma medida que não cabe na cabeça dos homens agora promovidos pela alta finança privada ou pública. Estes, os agora promovidos, são pagos para justificar o que a alta finança pretende que seja feito e é o que mais ou menos bem sabem fazer, ao serviço dos verdadeiros decisores na política europeia, ao serviço, portanto, dos novos Neros, ao serviço dos homens que de forma metódica estão a destruir a Europa.Talvez estes servos do poder criados venham a mudar de opinião, mudem quando derrubarmos os senhores de quem eles dependem , e parece-me ser este a disponibilidade de Gaspar com a sua carta de demissão. Será tarde, creio. O momento de o podermos fazer aproxima-se, as eleições estão à porta. E com a História não se pode nem deve brincar e muito menos querer enganá-la com manobras como as que agora se passam para salvar o modelo e deixar tudo na mesma. Haja daqui quem diga ao senhor Mario Draghi que a Europa está cansada de Leopardos, está cansada da ideia por ele defendida, de que algo deve mudar para poder ficar tudo na mesma. As gerações futuras e a Civilização merecem-no.

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[1] Para uma análise do conceito de excedente primário que estabiliza a dívida veja-se a segunda parte do presente trabalho.

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Para ler a Parte – I – E deste trabalho de Júlio Marques Mota, publicada ontem, em A Viagem dos Argonautas, vá a:

FALEMOS DE ECONOMIA, FALEMOS ENTÃO DE POLÍTICA – QUANDO A INCOMPETÊNCIA OU A MALDADE SÃO CONSIDERADAS QUALIDADES E, COMO TAL, PREMIADAS, por JÚLIO MARQUES MOTA

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