“OLHA O POPULAR!, OLHA A CAPITAL!, OLHA O JORNAL DE NOTÍCIAS! por clara castilho

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Um artigo publicado na última Visão (30.1.14), com o título “Marcelo recebe os ardinas” fez-me lembrar outra situação que vivi pessoalmente.

O que o artigo não diz é que Marcelo, “desabafou” com os ardinas, dizendo que “É muito difícil governar” (Lembro-me que…Ferreira Fernandes, Oficina do Livro, 2004).

E isto fez-me lembrar de duas semanas da minha vida, como “hospedeira” na Feira Industrial de Lisboa, no antes do 25 de Abril. Tinha eu um saco, que um familiar me trouxera de Londres, e que reproduzia um dos jornais de Londres. A FIL era visitada por quem pagava a entrada e pelas “crianças de rua” que entravam por entre os muros, postos em blocos na diagonal, por onde os seus pequenos corpos passavam. E era oficialmente inaugurada pelo Presidente da República de então – Américo Tomáz (Tomáz com “z”, como era mais chique…) que apertava a mão a toda a gente. Dessa inauguração ficou na família, para grande gozo ainda hoje, uma foto minha com o dito cujo.

Mas voltemos aos meninos de rua. Percorriam os stands a ver o que “cravavam”. E logo repararam no meu saco. E imediatamente começou o pregão ”Olha o Diário Popular, Olha a Capital, Olha o Diário de Notícias”. Quem ainda ouviu estes pregões na rua, consegue imaginar a cena. Eu divertia-me e eles percebiam que me não zangava. Quem se zangava era o “patrão”… E tivemos que arranjar subterfúgios para continuarmos com a nossa cumplicidade: passavam sorrateiramente pelo stand e, se eu estivesse sozinha,  levavam disfarçadamente umas bolachas. A cena acabou por ser imitada pelos colegas dos stands do corredor e a viagem valia-lhes um saco cheio. Mas, quando chegavam ao fim, já longe do alcance, não resistiam e desatavam, de novo, com o pregão…

ARDINAS - Lisboa - PORTUGAL Bert Hardy 1951

Foto de Bem Hardy, 1951

Sabemos que os ardinas eram os vendedores de jornais de rua que, apregoando a notícia, chamavam a atenção dos clientes.

Os ardinas surgiram em Portugal em 1864, quando do nascimento do “Diário de Notícias” e por influência da prática britânica. Hoje, estão representados através de uma estátua em plena Baixa do Porto, que se assume como uma homenagem ao “Jornal de Notícias”.

Os ardinas começaram por ser crianças esfarrapadas, descalças, de macaco de ganga remendado, muito despachadas e sempre de olho vivo. Os jornais matutinos eram por regra vendidos pelos rapazes. Os vespertinos eram vendidos nos carros eléctricos pelos miúdos, que subiam e desciam do carro em movimento.

Os ardinas tinham um sindicato. Em meados do século XX os jornais começaram a ser vendidos em locais fixos, nos quiosques, nas bancas, nas papelarias, acabando por extinguir a profissão de ardina. Em Lisboa, foi formada a Associação dos Ardinas da cidade, que congrega 326 profissionais, que vendem os jornais, maioritariamente em quiosques, que, nos dias de hoje, para se manterem, têm necessidade de ter outras fontes de receitas.

Na rua, com jornais na mão, encontramos os distribuidores dos mini-jornais gratuitos Destack e Metro. E também a  revista Cais, já com 19 anos de existência, vendida na rua exclusivamente por pessoas sem-abrigo, com o objectivo de estabelecer uma ponte para a reintegração social e com o propósito de ganharem autonomia e voltarem a acreditar. Por cada revista que vendem os vendedores ficam com 70% do preço da capa. O restante serve para comprarem mais exemplares para a sua posterior venda. A revista tem uma tiragem média de 13 mil exemplares por mês. A Associação “Cais” tem vários projectos, iniciativas e formas de angariar o financiamento necessário, numa intervenção ampla que beneficia muitas das pessoas que disso mais precisam.

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