IV
Para vos dar uma ideia da falta de medida que em tudo se nota e do desbarato que vai por essa Lisboa, dir-lhes-ei que, à hora do almoço, veio ontem sentar-se num restaurante, a uma mesa pegada à minha, um dos muitos que andam por aí a fazer a vida cara. Estava a ver a lista, quando de repente perguntou ao criado:
– Aqui é que é o Leopardo folgazão?
– Não senhor. Aqui é o Leopardo pensativo…
– Ó diabo! Então traga-me depressa um arroz à valenciana, uma omelette de camarão, um salmonete na grelha, um vira-me o lombo (o homem queria dizer um tourne-dos) à bordalesa, queijo da Serra, bananas, café e uma aguardente de cana e tudo isso a correr que tenho que ir almoçar com um amigo que está à minha espera aqui ao lado…
… Podem crer que por tudo andar cheio de gente almoçando duas vezes, jantando quatro e vestindo três sobretudos uns sobre os outros, é que há por aí tanta gente com fome e quase em fralda de camisa…
31 de Dezembro de 1922