MANIFESTO ANTI-TURÍSTICO JOAQUIM PALMINHA SILVA
Odeio as viagens e os exploradores.
E aqui estou eu disposto a relatar as minhas expedições.
Mas quanto tempo para me decidir! Quinze anos passaram
desde a data em que deixei o Brasil pela última vez
e, durante estes anos, muitas vezes acalentei o projecto
de começar este livro; de todas as vezes fui detido
por uma espécie de vergonha e repulsa.
Claude Levi-Strauss,
Tristes Trópicos, ed. port. de 1981.
O Homem moderno tornou-se tonto, porque de tudo se queixa, inclusive dos próprios acidentes fúteis da vida. Alguém lhe meteu na cabeça que poderia viver sem estar sempre exposto a experiências traumáticas, que não deveria sentir uma terrível insegurança (económica e outra), que jamais seria obrigado a habitar em enormes torres de apartamentos, construídas em bairros de cidades superpovoadas, onde toda a gente se empurra e pisa. A ansiedade do Homem moderno, que virou consumista, tornou-se intolerável, às vezes é tratada psiquiatricamente, outras vezes é agressiva para os outros, outras ainda é suicidária.
Em seu “socorro” corre, pois, o turismo organizado empresarialmente, que vê nesta multidão desnorteada a oportunidade única para criar um negócio de fantasias. Uma vez por ano, o Homem moderno ocidental com direito a férias, entontecido e apalermado pela sociedade de consumo, embarca na compra da mentira aos balcões do turismo, segundo os seus apetites consintam e a sua bolsa autorize: – Hotéis das mil e uma noites, aldeamentos multifuncionais e indeterminados, praias vedadas ou Inacessíveis aos indígenas, cruzeiros em paquetes de vário tipo de luxo que “actualizam” rotas românticas, safaris com a morte de animais controlada, visitas guiadas às pirâmides e outras ruínas históricas de bilhete-postal, roteiros em ilhas supostamente esquecidas, estadias em complexos urbanizados com todas as comodidades empacotadas, a preços módicos e com pensão completa. Enfim, o turismo “toma e embrulha ”, as férias em prateleiras segundo a organização das mentiras, bem-dispostas, coloridas, assépticas, desinfetadas de Povo.
Indiferente ao non-sens dos locais turísticos, o tonto dos nossos dias vê nestes sítios o lugar da sua “utopia” com todas as categorias adaptadas à aventura que lhe apetece, lisonjeira ao seu narcisismo, ao seu faz de conta que está no paraíso. Uma vez que o turismo é a “Indústria” das viagens e estadias de “repouso”, embrulhadas no exótico celofane do faz de conta que está no paraíso, conclui-se, portanto, que ele é mentira tridimensional , organizada como um filme em technicolor!
O turista é aquela pessoa que passa o tempo livre das férias a correr atrás de um mundo de aluguer, porque conhecer o mundo real é aborrecido, pode até ser doloroso e, por conseguinte, não é objectivo que se deseje alcançar anualmente, para os dias livres. Talvez, por ter um conhecimento prévio desta situação, o universo do turismo não autorize, dentro da sua área de intervenção, nem os excessos de entusiasmo, nem o abatimento, nem o encanto, nem a desilusão, nem tempos efectivamente desocupados, nem demasiadas diversões, nem cupidozinhos de arco e flecha, fora os contratados!
Liberto de quaisquer energias sentimentais im previsíveis, o turismo impõe-se às multidões (segundo as bolsas de cada um) pela organização da sua autonomia em relação à vida real (qualquer que seja essa vida real), no local do planeta onde ergueu o seu espaço lúdico.
O turismo é, pois, contra a realidade e, por conseguinte, contra a verdadeira vida! – O turismo é a representação de uma vida de tesoura, cartão e cola ! O turismo pretende ser o “sótão da nossa infância”, fazendo-nos acreditar que podemos ser o Rato Mickey em Singapura ou no Tibete, travestidos de boa-disposição!
A rotina mental e o marketing, entretanto, vulgarizaram o gosto e a fantasia dos consumidores, que assim só pedem aos operadores que lhes ofereçam as paisagens dos folhetos, o que lhes proporciona a sensação de planar sem acidentes nos locais previamente escolhidos, como se houvessem fumado uma porção de haxixe e entrassem, assim, no fofo delírio!
Por esta razão, o turismo é uma droga leve, com sérias consequências, dado que provoca habituação e propõe dispêndios que podem levar à ruina das famílias! O turismo é assistido no seu espaço próprio por um exército de empregados, especializados no faz de conta que está no paraíso, cuja missão primordial é conservarem o espaço do turismo à margem de todo o constrangimento exterior.
(Conclui amanhã)