UMA CARTA DO PORTO – Por José Magalhães (43)

CARTA DO PORTO

 

 

DA NOITE EM QUE O PORTO NÃO DORME

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O Verão começado, o São João acabado, e eu sentado na Marina do Freixo, olhando o rio que, imperturbável, segue o seu rumo de todos os dias.
O dia estava escuro, a temperatura baixa e a esplanada vazia.
É quarta-feira ao fim da manhã, e a noite de segunda-feira tinha sido a noite mais importante do ano na minha cidade, a noite de São João.
Este ano não andei pelas ruas durante a mais longa noite do Porto. Nem o fogo de artifício fui ver, nem saltei fogueiras, nem comi sardinhas, nem corri em grupos, em fila indiana e de mãos dadas uns aos outros, nem andei nos carrinhos, nem na roda gigante (atracção maior deste ano), nem dancei nos bailes de rua ou na enorme discoteca ao ar livre da Avenida dos Aliados, nem joguei matrecos, nem dei marteladas, nem…, nem…, nem… Também não fui ver as cascatas.
A ameaça de chuva e uma certa letargia, ajudaram nessa decisão. Felizmente, para quem foi, a chuva não veio e a noite foi amena e transcendente.
Ainda fiz uma tentativa, no final do dia, e fui dar uma volta pela baixa. Fui ao Passeio Alegre e comi umas deliciosas farturas, seguindo depois para o centro da cidade. Seriam cerca de 9 horas e o Porto estava já a fervilhar de gente. Uns na Avenida à espera dos concertos de música, e outros à espera do fogo de artifício. Passei no passeio das Fontaínhas, lugar por excelência para se ir nesta noite, que estava cheio, e segui para a Avenida dos Aliados, que o não estava menos.
A tradição repetiu-se e renovou-se, e ao fim da tarde já cheirava a São João. As decorações são-joaninas enfeitavam com o seu colorido a cidade que um dia foi cinzenta. Os novos adereços luminosos, coqueluche deste ano, davam ainda mais cor, às cores do fim do dia. Os manjericos perfumavam o ar com o seu aroma. Por toda a cidade, por ruas e por ruelas, o fumo dos fogareiros e o cheiro das sardinhas assadas conviviam com os “ruídos” dos martelos. Milhares de estrangeiros, de martelo em punho, ensaiavam as marteladas, ganhando coragem para baterem no desconhecido ou desconhecida que a seu lado passasse e ao seu olhar agradasse. Os balões, esses começavam a enxamear o céu.

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– Ó patego, olhó balão – dizia-se nos tempos antigos.
Abençoados martelo e alho porro, que democratizaram a relação entre as pessoas. Quantos namoricos não começaram, ao longo dos anos, com uma martelada simpática e certeira, ou com a delicadeza de dar a cheirar o alho porro ou o ramo da cidreira.
Desci para a Ribeira, olhei o rio e os barcos iluminados, tudo preparado para a grande festa do fogo de artifício da meia-noite, e regressei à Foz, e a casa, não sem antes tentar, ingloriamente, parar no Cais das Pedras e de novo no Passeio Alegre. Não encontrei um único lugar vago para estacionar o carro, e essa foi outra das desculpas que inventei para aceitar e deixar-me perder na minha letargia.
Este ano, fiquei-me pelo que disse. Nem o fogo fui ver. E dizem-me que foi de truz. O melhor de sempre. No ano passado vi-o do rio, na proa de um barco, e fiquei maravilhado.

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Enfim, fiz mal em não ter ido, mas no próximo ano não faltarei.
Entretanto, indiferente, o rio corre calmamente em direcção ao mar.

Marina do Freixo
Marina do Freixo

 

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