A IMPULSIONAR O CARRINHO DA FANTASIA, por BILL MITCHELL

Temaseconomia1

Selecção de Júlio Marques Mota. Tradução e revisão de Flávio Nunes e Júlio Marques Mota.

A impulsionar  o carrinho da fantasia

Publicado a 25 de Fevereiro de 2010

Por Bill Mitchell

Parte II

 (continuação)

No entanto, existem dois outros tipos de “fugas”, que surgem de fontes internas ou domésticas – poupança e impostos. Falemos primeiro da tributação. Quando o rendimento corresponde ao valor que é produzido, as famílias acabam por poder gastar menos do que os rendimentos que lhes são pagos em termos brutos porque o governo cobra-lhes, entretanto, impostos. Assim, o conceito de rendimento que está disponível para a subsequente despesa é chamado de rendimento disponível (Yd).

Considerem-se agora as poupanças. Os consumidores tomam decisões para gastar uma parte do seu rendimento disponível, Yd. A quantidade de cada dólar que eles gastam à margem (ou seja, quanto é que gastam a mais por cada dólar adicional de que passam a dispor) chama-se propensão marginal a consumir (c). Se dizemos que esta é de 0,80 dólares   – então estamos a considerar que o consumidor por cada dólar de Yd adicional gastaria 0,80 dólares.

Todos estes impactos tem que ser modelizados e, normalmente são expressos pelo conceito de multiplicador da despesa (k).  Este representa o aumento em bens finais e serviços (PIB) por unidade monetária adicional (euro, dólar, etc.) gasto como despesa pública. Com este multiplicador tem-se analogamente em conta os impactos indiretos do consumo induzido e as “fugas” ao sistema que igualmente estão associadas com os rendimentos crescentes.

Desta forma, quando a despesa pública tem impacto directo sobre o rendimento, isto induz ainda mais a despesa em bens de consumo  (mas algum rendimento é poupado e pago em impostos) o que, por sua vez, produz uma “segunda volta” de crescimento do rendimento e o processo continua até que os efeitos induzidos acabam por ser insignificantes. Porém, estes são cada vez menores, sucessivamente menores, pois por cada ronda subsequente, a despesa é menor, tanto quanto ocorrem as fugas ao sistema.

De qualquer forma, Barro não acredita em nada disto. A equivalência Ricardiana considera que os consumidores supõem que o aumento da despesa pública tem que ser pago depois [e, diremos até pelas mesmas pessoas]. Quando? Não existe uma resposta explícita nos seus modelos – todos os modelos utilizados assumem períodos muito curtos de tal forma que podem colocar o gráfico num slide de PowerPoint! Totalmente arbitrário, como o são todos os modelos do mainstream apelidados de “análise rigorosa”.

Assim sendo, com os consumidores, intelectualmente armados até os dentes com seus RE-squared do modelo dos Novos-Keynesianos, quando o governo gasta, imediatamente os consumidores aumentam a sua poupança levando a uma queda correspondente   do seu consumo por consequência e, o efeito global na procura é nulo.

Nota técnica: re-squared = expectativas racionais vezes equivalência Ricardiana. Conclusão: os seus modelos são o produto de duas afirmações totalmente inutilizáveis e não sustentáveis no mundo real.

Aqui, Barro foi longe de mais. Agora os multiplicadores são negativos – ou seja, 600 mil milhões de dólares em despesa pública geram uma despesa privada de (-)USD900 mil milhões. Perde-se 300 mil milhões de dólares com a intervenção governamental. É então por causa desta situação hipotética que ele assume um massivo efeito crowding out – porquê? – eis a explicação.

Barro concebe a sua análise para chegar a este resultado assente numa linguagem popular, destinada a “leigos”, iremos utilizar este argumento contra ele.

Porém, o que esses ditos “leigos” não sabem é que os modelos high-tech dos Novos- Keynesianso que Barro utiliza são uma farsa para apresentar ideias ridiculamente simples – quase que banais. Essas ideias escondem-se atrás de uma parede construída com base numa matemática de segunda categoria para enganar simultaneamente os leitores, os seus estudantes e, para manter uma postura, face ao exterior, de credibilidade.

Todavia, um economista habituado às exigências formais da matemáticas pode garantir que os modelos do mainstream – particularmente os ridículos modelos dos Novos-Keynesianos– não são dignos de qualquer aplauso.

Acerca disto, uma mera questão: Pergunte-se a um eventual matemático, minimamente dotado, sobre o que pensa da abordagem feita pelos notáveis economistas neoliberais, os do mainstream– o resultado será apenas uma reação, rir-se-ão do facto de esses neoliberais estarem convictos de que usam modelos matemáticos sofisticados, quando na verdade se verifica o inverso. Contudo, o público e os estudantes não o sabem. Constata-se aqui uma decepcionante desonestidade intelectual.

Não obstante, Barro convence-se que calculou os “efeitos sobre o PIB derivados do acréscimo das despesas públicas (o multiplicador pela ótica da despesa) e também os efeitos derivados dos impostos (o multiplicador pela ótica dos impostos) ” numa análise de dados históricos, encontrando um multiplicador da despesa de 0,4 no 1º ano e de 0,6 nos dois anos. Isso significa que:

“…se o governo gasta um valor adicional de 300 mil milhões de dólares  em cada ano, relativamente aos anos de 2009 e 2010, o PIB seria superior em cerca de 120 mil milhões de dólares em 2009 e de 180 mil milhões de dólares  em 2010. Estes resultados aplicam-se a taxas dadas e, portanto, quando a despesa é financiada pelo défice, como o foi em 2009 e 2010. Uma vez que os multiplicadores são menores que 1, a intensificação das despesas públicas reduz outras partes do PIB como as despesas pessoais dos consumidores, o investimento privado doméstico e as exportações líquidas.”

Portanto, a questão pertinente que se coloca aqui é porque é que estes multiplicadores são de facto  mais baixos mesmo do que até os outros modelos do pensamento neoliberal, onde geralmente o seu impacto total se cifra na ordem de 1,5?

É bem curioso, , porque as despesas de consumo, as do investimento privado doméstico e as das exportações líquidas têm estado a diminuir e, isso nada tem a ver com o aumento das despesas públicas.

Este é um daqueles casos típicos de esforços revisionistas que agora se estão a verificar entre os economistas neoliberais. Lê-se cada vez mais que a intervenção do governo contribuiu para que a recessão perdure por muito mais tempo. Esses distintos senhores não desistem de tentar reafirmar a sua noção distorcida da realidade.

Bom, assim, devemos presumir que Barro acredita que os consumidores antevêem num futuro próximo uma subida dos imposto, prevenindo-se para “pagar” estes estímulos orçamentais,  portanto, em simultâneo constituem poupanças agora para terem a certeza de que mais tarde poderão pagar os encargos adicionais dos impostos marginais que antevêem.

Não obstante, uma interessante questão, porque é que aquelas famílias extremamente inteligentes –capazes de calcular hamiltonian, de resolver condições de transversalidade em espaços finitos dos seus tempos de vida e que guiam a sua decisão baseada em cálculos extremamente complexos, será que não percebem que se a economia crescer, automaticamente  todos iram desfrutar de um maior rendimento global, que levará, além de níveis mais elevados de consumo, lhes permitirá economizar e pagar uma carga fiscal mais elevada?

Na realidade, a verdade é que o consumo das famílias caiu abruptamente porque muitas delas perderam ou seus rendimentos, ou por caírem numa situação de desemprego, ou porque aquelas que se mantêm empregadas tentam poupar mais com o intuito de reduzir a exposição à dívida que se seguiu à eclosão da crise dita de “crédito mal parado” – o chamado efeito de desalavancagem.

Analogamente, foi por esta mesma razão que o investimento se contraiu vincadamente, dado que os consumidores não estão a comprar, como se acabou de explicar, o que leva a que as empresas não aumentem a capacidade produtiva e tanto  mais quando as taxas da utilização da capacidade instalada tenham caído abaixo dos 70%.

(continua)

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Para ler a Parte I deste trabalho de Bill Mitchell, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A IMPULSIONAR O CARRINHO DA FANTASIA[1], por BILL MITCHELL

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