A IMPULSIONAR O CARRINHO DA FANTASIA, por BILL MITCHELL

Temaseconomia1

Selecção de Júlio Marques Mota. Tradução e revisão de Flávio Nunes e Júlio Marques Mota.

A impulsionar  o carrinho da fantasia

Publicado a 25 de Fevereiro de 2010

Por Bill Mitchell

Parte III

 (CONTINUAÇÃO)

De acordo com um documento publicado pelo departamento de Análise Económica referente às contas nacionais dos EUA do 4º trimestre, verifica-se que tanto o consumo como as despesas em investimento estão novamente a crescer. Porém, esta situação nada tem em comum com uma economia onde o sector privado se encontra em abstinência por força do efeito crowding out [por outras palavras, o comportamento da economia americana é exactamente o oposto do que  nos dizem os neoliberais, com o seu efeito de crowding out].

Dessa forma, é impossível afirmar que atualmente estamos perante uma situação de “crowding out“, mesmo que tal noção possa ter qualquer credibilidade em tudo o que são as circunstâncias normais (o que também não é verdade!).

As taxas de juros a curto prazo encontram-se perto de zero e, não cedem, já a rendibilidade dos títulos públicos, na generalidade das maturidades, mantêm-se similarmente inalterada. Não obstante, o banco central indicou que irá manter as taxas baixas para o próximo período.

Bom, então porque é que o aumento das despesas públicas dos EUA no montante de 600 mil milhões de dólares em 2009 e 2010 provocou uma perda de 300 mil milhões de dólares nas despesas do setor privado no mesmo período? Não nos é fornecida nenhuma explicação – isto é, uma pura afirmação sem qualquer explicação, embora saibamos, pelo seu trabalho, que Barro traçaria uma linha em torno da equivalência Ricardiana e do crowding out financeiro.

A análise fica ainda mais absurda quando analisamos o financiamento via impostos. Quanto é isto diz-nos Barro:

“Para pagar os impostos, centro-me numa nova medida, as taxas médias de tributação marginal sobre o rendimento; Estas taxas são aplicáveis aos impostos de rendimentos federais e estatais e às contribuições para a Segurança Social. Estimo que um aumento nas taxas de imposto marginal reduz o PIB, particularmente no próximo ano.”

Quando se analisa a relação típica entre taxas tributadas e as receitas geradas, o multiplicador é então de (-1.1). Portanto, recapitulando, um aumento de impostos no montante de 300 mil milhões de dólares conduz é uma redução do PIB do próximo ano em cerca de 330 mil milhões de dólares.

Será que Barro explica totalmente aos seus leitores o que é que está a acontecer aqui? É o aumento dos impostos o resultado das taxas de tributação marginais ou, é exatamente o resultado do aumento de rendimento? Quanto é isso ele refere-se a um efeito multiplicador dos impostos, a carga fiscal global deve aumentar.

O conceito de multiplicador via imposto é simples, contudo no que respeita à sua real estimação é um processo deveras árduo.

Suponha-se que c é de 0,80 – o que significa que os consumidores gastarão no total 0.80 por cada dólar adicional do rendimento líquido recebido. Assim, por exemplo, quando as taxas de imposto são reduzidas e o Yd líquido aumenta, o consumo sobe pelo valor do produto de (c*Yd). O aumento resultante no PIB que ocorre é então definido como o multiplicador via imposto.

Analogamente, quando as taxas de tributação aumentam, reduzem o Yd líquido e então verifica-se a situação inversa.

Contudo, o problema com que se debate nos estudos empíricos é então o de calcular este impacto – isolando os efeitos puros de imposto.

Inicialmente têm-se que isolar o efeito automático do estabilizador nas receitas fiscais – que ocorrem sem nenhuma mudança de regime de tributação. É um erro comum assumir que, dado que as receitas fiscais se encontram a subir, a política fiscal está a ter efeitos de contração na economia.

Além disso, individualmente, como o crescimento do PIB está a recuperar, a maioria das pessoas não pagará impostos mais elevados enquanto outros estarão a pagar um aumento substancial – e porquê? Porque eles mudam de uma situação de desemprego (situação em que não pagam impostos) para uma situação que na qual auferem rendimentos, o que significa, que passarão a pagar impostos. Portanto, dificilmente se pode considerar que isto é uma coisa má.

Christina Romer (economista-chefe da Administração Obama) e o seu marido, Jared Bernstein, calcularam o multiplicador via imposto obtendo um valor bem superior a 1, contrariamente à maioria de outros artigos de investigação sobre o  mesmo tema.

Esta estimativa tem sido utilizada em textos escritos por ela e por Jared Bernstein, ex-conselheiro do vice-Presidente dos Estados Unidos, como parte da estratégia orçamental da nova administração, que se intitula – The Job Impact of the American Recovery and Reinvestment Program. Mais à frente voltaremos a este assunto.

Num recente texto, (Setembro de 2009) – How large is the US tax multiplier? – os autores, Favero & Giavazzi, utilizam uma meticulosa metodologia, encontrando:

“um multiplicador orçamental muito menor do que o estimado por Romer & Bernstein (R&B), e similar ao multiplicador orçamental estimado nos modelos VAR’s tradicionais. Quando separamos a amostra em dois periodos (1950-1979 e 1980-2006, respetivamente) encontra-se, antes de 1980, um multiplicador que nunca é superior a 1, já após 1980 encontra-se um multiplicador que não é significativamente diferente de zero.”

De qualquer forma, Barro decidiu-se por um multiplicador via imposto no valor 1,1, note-se, um valor superior do que a maioria dos multiplicadores da literatura económica – apenas um pouco menor do que o de R&B. Todavia, é indiscutivelmente muito superior aos valores apontados pelas  estimativas meticulosas de Favero & Giavazzi.

Face ao exposto, no que respeita ao multiplicador via despesa, o valor encontrado por Barro é extraordinariamente baixo enquanto que o seu multiplicador pela via dos impostos encontra-se ao nível dos mais elevados da literatura.

Claramente, deflacionando o primeiro multiplicador e inflacionando o segundo, estes dois comportamentos permitem-lhe reduzir o impacto orçamental sobre o PIB. Que conveniente!

Não obstante, Barro, procede depois à análise do pacote de estímulo orçamental para os anos de 2009-10, a qual caracteriza como:

“(…) cerca de 300 mil milhões de dólares  em despesas públicas em cada ano, 2009 e 2010 respetivamente (…) [e então] (…) como em 2011, a despesa pública cai e atinge o valor de 2008(…). Supõe-se que os impostos não mudaram em 2009-10, para que se possa considerar que a despesa adicional referida tenha sido financiada pelo défice.”

A Tabela I que se segue é um resumo das simulações de Barro, onde é assumido um cenário de uma completa ausência de estímulos.

Tabela I) Resumo das simulações de Barro

bill mitchell - I

Passemos à análise dos  valores apresentados na Tabela I (em milhares de milhões de dólares):

  • 1º Ano: O Governo gasta 300 sem nenhuma alteração na política fiscal. O multiplicador da despesa é de 0.4, conduzindo a que o PIB como um todo tenha um aumento de 120 unidades[1], (300×0,4) o que significa que os gastos privados mais as exportações líquidas sofrem uma queda de 180;

  • 2º Ano: A despesa governamental aumenta 300 sem mexer na tributação. O multiplicador via despesa é 0.2 no 2º ano, sendo o do 1ºano  0,4, que se traduz em 120 (efeito do 1º ano) mais 60 (o efeito do segundo ano sobre a despesa do 1º ano), ou seja, verifica-se variação total do PIB de 180, implicando uma queda ainda maior do consumo privado e exportações líquidas em mais 120 (300-180).

  • 3ºAno: O aumento do Orçamento tem de ser pago em 5 anos de modo a que os impostos correspondentes sejam de  300. Todavia o impacto é sentido somente no ano seguinte. O efeito, do 2º ano, na despesa do 2º ano é de 300*0.2 = 60. Curiosamente, não se regista aqui nenhum efeito de crowding out ou outra perda de consumo privado neste período. Porquê? Nenhuma explicação. Irracionalidade!

  • 4º Ano: Os efeitos da despesa estão esgotados. Os impostos, novamente registam uma subida de 300. Com um multiplicador via impostos de 1.1, a perda do PIB é, portanto, de -330, sublinhe-se, tudo isto acontece com base na redução da despesa privada.

  • 5º Ano: O atraso do efeito via impostos, mais uma vez, têm um impacto negativo no PIB, levando-o a uma queda de (300*1,1), ou seja, cai 330, tendo todo este desenvolvimento como contrapartida a redução da despesa pelo setor privado de igual montante.

  • Totais: Regista-se um aumento de 600 na despesa orçamental, uma  perda de 300 em termos de PIB, uma perda na despesa privada mais exportações líquidas de  900, estando os estímulos orçamentais completamente pagos.

Relativamente aos dois primeiros anos, onde Barro afirma que 600 mil milhões de dólares têm como contrapartida uma perda de 120 mil milhões de dólares  em “impostos” (perdidos em consumo privado) em 2009 e 180 mil milhões de dólares no 2ºano – um “ótimo negócio”, acerca deste desenvolvimento diz-nos ele:

“Mas esses cálculos claramente não nos colocam perto do fim da historia do ciclo considerado, porque o valor global de 600 mil milhões de dólares  em despesas públicas conduzem a uma dívida pública superior. Estas obrigações adicionais assumidas pelo governo devem ser pagas durante algum tempo pelo aumento de impostos, a menos que os gastos do governo futuro caiam abaixo do nível de 2008, um cenário improvável”.

(continua)

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[1] 1 Unidade é aqui um milhar de milhões de dólares.

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Para ler a Parte II deste trabalho de Bill Mitchell, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A IMPULSIONAR O CARRINHO DA FANTASIA, por BILL MITCHELL

 

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