Carta do Rio – 10 – por Rachel Gutiérrez

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Perdemos muitos escritores neste mês de julho: Ivan Junqueira, o poeta e tradutor de Baudelaire e de Dylan Thomas; João Ubaldo Ribeiro, grande cronista e romancista, o mais carioca dos baianos; e Ariano Suassuna, que como diz com muita felicidade Luis Fernando Veríssimo: é um tesouro nacional. Em Portugal, perdemos o jornalista e romancista que viveu vinte anos entre nós – Fernando Correia da Silva, o criador do site Vidas Lusófonas, esse serviço inestimável prestado incansavelmente à cultura de Portugal, do Brasil e da África lusófona.

Os três primeiros pertenceram à Academia Brasileira de Letras que acolhera Guimarães Rosa por fatal coincidência três dias antes da morte súbita do escritor, em 1967. Dele, ficou famosa uma das últimas frases do discurso de posse: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Pouco antes dissera: “A gente morre é para provar que viveu”. E pouca gente prova melhor que viveu do que os escritores ao nos deixarem seus livros, que o cartunista do jornal O Globo desenhou tão expressivamente nas mãos de João Ubaldo dando adeus e recomendando que os lêssemos. Na comovente passagem da morte de Bergotte, o personagem de Proust que encarna a literatura, os livros, arrumados em vitrines cheias de luz, parecem anjos de asas estendidas que fazem vigília por aquele que partiu, e se tornam símbolos de sua ressurreição, ou imortalidade.

E aqui recorro mais uma vez a Guimarães Rosa para lembrar Correia da Silva: “O afeto propõe fortes e miúdas reminiscências”. Miúdas são minhas lembranças pois estive com ele e Rosa Feldman, sua parceira de toda a vida, apenas uma vez, numa visita que fiz a Lisboa. Guardo com carinho seu livro Querença, cuja dedicatória tem a data: 22 de outubro de 2004. Só colaborei em suas valiosas “Vidas” com um texto sobre Clarice Lispector, mas nunca deixamos de nos comunicar e tive o prazer de apresentar-lhe outras colaboradoras. E foi graças à amizade com ele que hoje me encontro entre os tantos companheiros argonautas. Lamentei não tê-lo podido rever em maio deste ano. Impressionou-me sempre a sua exuberância, a sua verve, a irreverência e, como diz Norma Couri, até um certo sarcasmo. Ele me lembra o João da Ega, de Os Maias, do grande Eça – um grande rebelde, audacioso, iconoclasta, mas à diferença do João da Ega, nem um pouco demoníaco. Pura generosidade. E é impossível deixar de reproduzir as palavras de sua filha, a também escritora Ethel Feldman, em seu texto in memoriam tão emocionado e tão belo: “Nada lhe devo porque nas nossas contas nunca houve crédito nem débito. Por outro lado, devo-lhe tudo. Aqui, neste pedaço de mim, onde ele me habita.”

E como é de escritores que falamos, permito-me citar mais um, o mexicano Octavio Paz em sua homenagem a Ptolomeu:

Hermandad            

soy hombre: duro poco

y es enorme la noche.

Pero miro hacia arriba:

las estrellas escriben.

Sin entender comprendo:

también soy escritura

y en este mismo instante

alguien me deletrea.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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