AS BOAS IDEIAS E A ESTUPIDEZ INFINITA OU CONTROVÉRSIAS SOBRE AS REDES SOCIAIS – I por Maria Helena Martins

Especulando

                         Cyro Martins, escritor e médico psicanalista brasileiro, dizia que, ao longo da vida, somos capazes de ter não mais que duas  ou três boas ideias; importante é saber aproveitá-las. Sua experiência humanística, moldada na capacidade de observar o mundo circundante e desenvolvida pelo estudo sistemático da “alma humana”, no rastro de Freud, teriam forjado essas considerações, que ele manifestava com simplicidade, não sem certo pesar por tal limitação. Também não deixava de ironizar quem lhe afirmasse ter “um livro pronto na cabeça, só faltando escrevê-lo”, ao que ele completava: “Esplêndido! É hora de colocá-lo no papel”.

                          Esses comentários de Cyro Martins – feitos nos primórdios da Era Digital – me ocorreram ao ouvir palestra de Mark D. Pagel (professor de Biologia Evolucionista e estudioso da mente humana), intitulada  The Infinite Stupidity, no sempre instigante site de John Brockman, The Edge. Diz ele (numa tradução livre minha) que um pequeno número de ideias pode ir longe. E a Internet faz com que isso aconteça cada vez mais. Nós podemos, de fato, estar vivendo um tempo em que estamos sendo domesticados por essas grandes coisas sociais como o Facebook e a Internet. Isso porque, cada vez menos, um menor número de pessoas tem que ser inovador para se dar bem.  E assim, num cálculo frio da evolução pela seleção natural, em nenhum outro tempo na história, copiadores estão provavelmente se saindo melhor que inovadores. Porque inovar é extraordinariamente difícil. Minha preocupação, conclui  Mark Pagel, é que podemos estar nos encaminhando na direção de sermos mais e mais dóceis copiadores.

jovens na internet

                      Haveria como se evitar esse triste futuro, sem ter que sentar e escrever o romance pronto na cabeça, como sugeria Cyro  Martins ao candidato a escritor? Ou sem ter que superar a mesmice e pobreza do muito que deparamos no Facebook? Será que já estaríamos irremediavelmente na senda dos copiadores?

                      Conferindo os dez tópicos mais comentados no Facebook , durante o ano de 2011, no Brasil e no mundo, é possível resumir como Entretenimento a preferência brasileira, enquanto acontecimentos (não raro surpreendentes) envolvendo Celebridades internacionais são preferidos na seleção mundial. Esses dados, certamente, ainda são válidos para nossos dias.  No geral, predomina o aqui e agora, evidenciando a circunstancialidade, o imediatismo para a maioria dos frequentadores do mundo on line. Entretanto, crescem e revelam sua importância  serviços de utilidade pública, intercâmbio entre pesquisadores e profissionais de inúmeras áreas; as atraentes TED Talks  e um dos melhores exemplos de divulgação educativa: Projeto Homem Virtual. Esses seriam  amostra mínima de efetivo compartilhamento, envolvendo gente que busca nas redes muito mais do que passatempo, num processo que vem acrescentando credibilidade ao tão alardeado espírito de democratização que perpassa a web.

                      Outra especulação sobre a Internet está em artigo  que li no Caderno LINK, do jornal Estado de São Paulo (20/02/2012), em que o autor, Evgeny Morozov,  faz uma curiosa analogia entre o internauta no início da era digital  e o flâneur (o caminhante sem rumo, típico parisiense da era pré-Haussmann (séc XIX), apreciando os becos e vielas por onde passa). Morozov (autor do livro A desilusão da rede: o lado obscuro da liberdade on line) observa que, quando a Internet se tornou viável ao usuário comum, parecia levar seus visitantes a um excitante passeio pelo WWW, cheio de surpresas: ele começava pela busca de algo que poderia acabar até esquecendo, face às descobertas que fazia pelo caminho. Mas hoje, muito pelo contrário, o internauta, à semelhança do homem das Metrópoles urbanisticamente planejadas, já sai com rumo certo, querendo chegar o mais rápido possível a seu destino. Daí o inevitável recurso ao GOOGLE e “ao  Barão Haussmann da Internet, o Facebook”, diz Morozov.

                      Esse tipo de liberdade orientada ou dirigida aumentaria a dependência do internauta, que não consegue ficar desligado, melhor, desconectado, pois poderia estar perdendo algo? Isso é o que Sherry Turkle chama de FOMO (fear of missing out). Casualmente, essa ansiedade sofrida pelos adictos das redes, mais do que me lembrar de quem não vive sem drogas, me reporta a uma querida amiga que, embora estivesse se aborrecendo numa reunião social, sempre insistia em lá ficar no grupo, na expectativa de que acontecesse algo legal que não poderia perder…

(continua)

*Dra em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP); pesquisadora sobre leitor e leitura.(mhmartins@celpcyro.org.br).  Criadora e Diretora-Presidente do CELPCYRO (1907-2011), Presidente Honorária do CELPCYRO (2012). Diretora de Cultura, Humanidades e Literatura a partir de 2012

 

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