EDITORIAL – A ESQUERDA MORREU?

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As remodelações no governo francês, que consistem sobretudo no saneamento dos que contestam a linha dominante, as disputas no PS português desprovidas de qualquer contorno ideológico, a governação Renzi  em Itália, a subjugação do partido social democrata alemão por Angela Merkel, o eternizar do bipartidarismo nos Estados Unidos, que na realidade serve para camuflar as reduzidas ou nulas diferenças entre as ideias políticas dominantes nos dois grandes partidos, outros fenómenos semelhantes noutros países, levam muita gente a pensar que não existe diferença entre a esquerda e a direita. É verdade que vão aparecendo umas personalidades que vão contestando as grandes orientações, mas o impacto das suas observações na opinião pública em geral parece ser reduzido.

Claro que a gigantesca máquina que impôs as políticas de austeridade tem aqui uma grave responsabilidade. Conseguiu que muita gente interiorizasse convicções sobre uma responsabilidade generalizada dos povos pelos distúrbios financeiros que têm vindo a perturbar a vida dos países. Nem os formidáveis escândalos que têm vindo a público conseguiram abalar seriamente essa convicção de que somos todos pecadores, ao mesmo nível de um Rockefeller, de um Gates ou de um Espírito Santo.

Um aspecto muito especial é da confusão que vingou, muito sugerida aliás por muitos comentadores e candidatos a ideólogos, entre os conceitos de esquerda e direita, e as designações partidárias. Estas últimas, já há muito tempo que é reconhecido, correspondem cada vez menos às actuações concretas dos partidos que as ostentam. Mas que indivíduos de reconhecida craveira não hesitem em fazer a equivalência entre a degenerescência dos partidos que ainda usam o nome de socialistas e a morte da esquerda é, para dizer o mínimo, um sinal grave de falta de escrúpulo. A esquerda terá sempre como objectivo pôr limites ao capital e ao lucro (no mínimo), para defender a igualdade e o bem-estar das pessoas. Um partido político, ou qualquer outra entidade, que não defenda a igualdade entre os cidadãos, e não imponha regras ao capital, não é seguramente de esquerda, por muito que se chame de socialista. Sobre este ponto recomenda-se a leitura de La gauche ne peut mourir, de Fréderic Lordon, saído no Le Monde Diplomatique deste mês (edição francesa).

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