Carta do Rio – 16 – por Rachel Gutiérrez

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Não era Ovidio, era Petrarca! E eu sabia tão pouco de Petrarca! Conhecia, certamente, o nome de sua musa ou amada secreta – a sua Laura, como conhecia o nome da amada de Dante – sua Beatriz. E em Florença, na primeira visita ao Velho Mundo, lembro o meu encantamento com a ponte Santa Trinita, onde o florentino tanto se teria emocionado ao encontrar não mais que de repente a sua musa, cena imortalizada no lindo quadro do pré rafaelita inglês Henry Holliday, do qual conservo, com carinho, uma reprodução. Sim, de Dante eu havia lido, acredito que como a maioria dos seus leitores, ao menos a primeira parte da Divina Comédia – O Inferno. Mas de Petrarca só conhecia o “Soneto 104”, obra de Franz Liszt para piano e recentemente descobri, no google,  que o compositor havia musicado e transformado em lieder, três outros sonetos do renascentista inventor ou criador dessa forma poética. Depois de alguma pesquisa, Petrarca, o grande humanista cosmopolita  me pareceu mais  próximo da modernidade e bem  mais “romântico” do que o gigantesco Dante que, na minha memória, tanto o  havia ofuscado. Mas eram os seus versos que me obcecavam.

Perguntei a latinistas da minha faculdade, tentei reproduzir as palavras latinas, mas sempre errava alguma coisa e não conseguia me fazer entender. Não houve quem me ajudasse.

E muito tempo ainda haveria de passar antes que, enquanto escrevia sobre a minha longa busca dos versos perdidos não mais de Ovidio, mas de Petrarca, tive a feliz ideia de procurar algum filólogo ou latinista ou classicista no bendito google. E encontrei a página de um monge do Mosteiro de São Bento de São Paulo, um professor universitário a quem logo escrevi contando a minha peripécia intelectual.

A primeira resposta gentil do monge latinista trouxe a frase bastante aproximada de Santo Agostinho, que ele encontrara nas “Confissões”, mas não eram os versos, ou o verso que eu procurava. Era apenas:  Inquietum est cor meum. “Inquieto está, (ou é) o meu coração”, algo parecido, sim, quem sabe já estaríamos nos aproximando do encantado verso que tanto inquietava o meu coração!  O monge, sempre solidário e gentil,  prometia continuar pesquisando, mas dependia de um precioso livro, um autêntico Thesaurus, que se encontrava na biblioteca de sua faculdade.

E finalmente, no dia 31 de agosto passado, agora um dos dias mais felizes da minha vida, chegou-me o email que reproduzo aqui:

Prezada Sra,

Encontrei o seu verso! O autor é Francesco Petrarca, um monstro da literatura humanística, e está na sua obra Secretum:

Sentio inexpletum quoddam in praecordiis meis semper.

Continuo a acreditar que a tradução seja: “Sinto qualquer coisa de incompleto por trás do meu coração sempre”.

Aquele Semper ressoando separado, como um outro verso, ficou por conta da minha imaginação.

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