2014: ANO EUROPEU DO CÉREBRO E DAS DOENÇAS MENTAIS – AS GUERRAS INTERNAS DAS CRIANÇAS por clara castilho

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Decorre o Ano Europeu do Cérebro e das Doenças Mentais escolhido pelo Parlamento Europeu, considerando que se trata de um problema que poderá ter causas e tentativas de intervenção comuns a alguns países da Europa. Continuamos a reflectir sobre o assunto.

 O que significa o facto de uma criança dizer “Vou fazer um castelo de guerra. Talvez um dia faça um de paz”?

 Por esta afirmação podemos bem avaliar uma parte do funcionamento interno de uma criança, em que são nítidas a vivência de conflitos. São conflitos consigo próprias ou com o mundo exterior ou, ainda, crianças vítimas de guerras, nomeadamente, conflitos que lhes deveriam ser completamente alheios, como os graves problemas familiares de violência doméstica, do consumo de drogas, das ausências parentais, entre outros…

conflito

Fechadas nos seus castelos de guerra, defensivamente agressivas, barricadas de uma forma tão brutal e violenta que é difícil aceder-lhes, feridas e assustadas no seu percurso de vida, ao ponto de sentirem que, por exemplo, a melhor defesa é o ataque (contra si próprias ou contra quem as cerca) numa posição de resistência, enquistamento ou desistência tão profundas quea paz que tanto desejam é afinal a paz de que tanto fogem.

 Para poder intervir é preciso compreender a origem dos conflitos (guerras), é preciso conter as angústias mais primitivas, valorizar o positivo de cada criança, de cada família, de cada meio escolar, um longo e penoso caminho para a “paz” que implica reorganizar e reconstruir o “castelo”, enquanto símbolo de um espaço de vida de cada criança e do que a rodeia, aberta, comunicativa…. Implica apaziguar o mundo interior de cada criança, tornando-o para o próprio mais claro, mais justo e saudável, para que conflitos futuros não resultem em guerras ou, a existirem, que não sejam em vão ou restando apenas uma destrutividade e  perdas irreversíveis.

 Então, como chegar, então, aos castelos de paz ?

As crianças encontram-se sempre em interacção com o meio  social e psicoafectivo, num processo de crescimento e adaptação permanente. A segurança, a confiança, a autonomia e a capacidade de iniciativa desenvolve-se na família nos primeiros anos de vida e são aspectos fundamentais e facilitadores de uma adaptação à escola e de um desenvolvimento do potencial de aprendizagem global positivo, constituindo pilares emocionais de uma base capaz de suportar novas vivências e conhecimento que a escola propicia (Erikson, 1950). O mesmo se pode dizer da progressiva interiorização de regras e de limites, da capacidade de tolerar a frustração, de conter e elaborar impulsos, aspectos cada vez mais em falha na sociedade de hoje e que são ponto de partida da psicopatologia grave, traduzida também em dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento (Fichtner, 1985).

 Há problemas de comportamento ou há problemas que se expressam pelo comportamento? Ou, dito de outra forma, devemos parar as guerras com mais guerras, ou podemos compreender as suas origens para as deter e prevenir?

 O agir motor e/ou a irrequietude, são mecanismos adaptativos, por estarem sempre a solicitar a intervenção do meio envolvente. A própria repreensão muitas vezes funciona como estímulo para repetir o mesmo comportamento, numa lógica jogo/desafio. – “Quem vai à guerra dá e leva”, uma expressão que simboliza bem o valor que o sintoma tem na relação com os outros (crianças e adultos)e das respostas que frequentemente suscitam.

 Há necessidade de perspectivar a evolução destas crianças numa dimensão probabilística e não determinista, em que qualquer serviço possa intervir como mediadores.

 

 

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