O Caso José Sócrates – por António Gomes Marques

Todos falam de José Sócrates (JS) e eu tenho de ser mais um. Agora, fala-se da sua prisão e daquilo de que é acusado, eu confesso que estou mais interessado em voltar ao tema JS pelas mesmas razões que me levaram a falar e a escrever sobre ele; no entanto, não posso deixar de fazer uma pequena referência à actual situação e à montagem de mais um circo em que a nossa justiça é perita, como habitualmente, parecendo mais preocupada com o espectáculo do que com a procura da verdade.

Será JS culpado dos crimes de que é indiciado na imprensa? Se a justiça portuguesa tem disso provas, porquê a prisão preventiva? Ou será que a justiça portuguesa desconfia do perigo de fuga e está agora a procurar as provas para levar o homem a julgamento? Se se provar a sua culpa, espero que seja exemplarmente punido; se a justiça portuguesa não conseguir tais provas, em que situação vai a dita justiça ficar? E, se acabar ilibado JS, como fica a situação do juiz Carlos Alexandre e do procurador Jorge Rosário Teixeira? E, mais importante ainda, como fica a Justiça Portuguesa? É uma situação que não quero admitir que aconteça.

 Como a imprensa bem lembrou, em particular a revista Visão, esta parceria Carlos Alexandre/Jorge Rosário Teixeira tem trabalhado noutros processos que não podem ser esquecidos, não vão agora o actual governo e os seus apoiantes entrar em euforia por JS se encontrar em prisão preventiva. Lembremos:

Caso BPN: Oliveira e Costa, apelidado de figura de proa do processo pela Visão; Dias Loureiro; Arlindo de Carvalho; Duarte Lima (este já condenado num processo ao BPN ligado, tendo recorrido ou pelo menos tendo mostrado intenção de o fazer). Ainda segundo a mesma revista, há julgamentos a decorrer e processos que aguardam julgamento, não sabendo eu, dada a minha ignorância jurídica, se algum deles pode prescrever. É bom também lembrar que só Oliveira e Costa está em prisão domiciliária, com pulseira electrónica, e que Duarte Lima, se perder o recurso, deverá ficar em prisão efectiva. E os outros serão tão diferentes de JS? Os custos para os contribuintes portugueses são bem mais graves. Tenho de pensar que os referidos magistrados saberão o que estão a fazer. O tempo dirá.

Não posso também deixar de fazer uma referência ao Professor Aníbal Cavaco Silva, cuja honestidade não ponho em dúvida, por os envolvidos serem seus próximos e também por aqui se colocar a questão da mulher de César, pois não me considero esclarecido sobre a forma como adquiriu a sua mansão algarvia e ainda não consegui compreender como foi possível ter vendido as acções que detinha da SLN, esclarecimento esse que pode constituir uma lição para mim e, assim, conseguir ficar a saber como se fazem estes negócios e poder usufruir dos mesmos direitos do Senhor Professor. A Presidência da República é um órgão que tem o respeito de todos os portugueses e o Presidente da República também tem de ser merecedor de igual respeito. E eu quero ser respeitador!

Caso Monte Branco: com origem na Operação Furacão, envolvendo várias figuras do mundo financeiro, a começar por três administradores de uma empresa gestora de fortunas; três administradores da Escom –empresa do grupo Espírito Santo-, e também Ricardo Salgado, Morais Pires, Álvaro Sobrinho e o consultor Miguel Horta e Costa. O caso está em investigação.

Operação Furacão: com 14 arguidos à espera de serem julgados.

Vistos Gold: em desenvolvimento, com 11 arguidos, alguns com altos cargos na Administração Pública, presos preventivamente uns e outros em casa com pulseira electrónica. Este caso provocou a demissão do Ministro da Administração Interna, num acto em que mostrou dignidade e sentido de Estado.

Lembrados os casos e com os portugueses à espera de verificar como vão acabar, não podemos esquecer o caso Portucale, que resultou numa derrota para a justiça portuguesa pois os 11 arguidos foram absolvidos. Será que temos mais absolvições nos casos que acima relembramos?

Temos também o caso dos submarinos, com a serem condenados na Alemanha os que terão promovido encontros com decisores políticos portugueses a quem terão entregado comissões e, nomeadamente pela recusa das autoridades alemãs e das autoridades dos paraísos fiscais em colaborar com a justiça portuguesa, sem acusações em Portugal. A maioria que suporta este (des)governo, assim como o Ministério Público encerraram o caso. No Editorial do Público de 19 de Dez/2014, escreve-se que «Pelo meio deste longo caminho desapareceram papéis essenciais, foram instaurados processos disciplinares a magistrados, outros demitiram-se. Nada se provou e o rasto do dinheiro perdeu-se na bruma dos paraísos fiscais. Salvou-se Paulo Portas.»

Estranhamente, no caso Portucale e no dos submarinos, o CDS teve generosos simpatizantes que lhe engordaram a conta bancária, como a imprensa portuguesa não se cansou de divulgar.Será pura coincidência, direi eu.

Voltemos a JS, o político que foi Secretário-Geral do partido em que ainda milito e que foi Primeiro-Ministro de dois governos em Portugal.

Devo esclarecer que, aquando da campanha para Secretário-Geral do PS, um processo verdadeiramente exemplar no nosso país, não apoiei JS; após a sua vitória, que me pareceu clara, respeitei a decisão e prontifiquei-me a votar naturalmente PS nas eleições que se seguissem, o que cumpri.

Aquando do Congresso do PS em Santarém, tive a primeira reacção anti-JS, quando o vi chegar ao conclave, rodeado dos operadores de imagem e de repórteres da imprensa, com o sorriso de superioridade que seria uma imagem de marca, inchado, olhando a plebe como se fosse constituída por seres insignificantes perante o novo senhor dos destinos de Portugal e que a ele se deveriam subjugar. A reacção que então tive para mim mesmo foi: «Este tipo vai desiludir-nos!».

Assisti aos discursos desse dia e ao encerramento ao lado do meu saudoso camarada José Girão, na altura Presidente da Câmara Municipal de Góis, que estranhou a minha falta de entusiasmo e, sobretudo, de aplausos.

Seguiu-se a maioria absoluta, que viria a ser desastrosa para o país, para os portugueses e para o PS, que permitiu a JS acentuar a sua arrogância, cabendo aqui a frase de AntonTchekhov, transcrita por Mário de Carvalho no seu último livro, «A arrogância é uma qualidade que fica bem aos perús.» O convencimento de que era o senhor do país foi cada vez mais evidente, permitindo-se tomar decisões desastrosas que levaram Portugal à situação que permitiu a intervenção exterior –FMI, BCE, UE- e a perda da quase total soberania. Se é verdade que, no primeiro governo de JS houve algumas decisões acertadas, nomeadamente a reforma da segurança social, que se deve a Vieira da Silva, e o corte em algumas despesas do Estado consideradas insustentáveis, não podemos esquecer o desastre que constituiu a colocação do endividamento externo para projectos megalómanos, que não tinham qualquer sustentabilidade, como o novo aeroporto, o TGV, renegociações nas PPP,que abrangem os sectores das rodovias, das ferrovias e da saúde, com pagamentos milionários a escritórios de advogados, sempre com lucros para os privados e altos prejuízos para o Estado, contratos esses fora das conta do Estado, como se tais despesas nada tivessem a ver com o défice público, tendo como resultado, como depois se viu quando a «troika» obrigou a que as contas reflectissem a verdadeira dívida portuguesa, que, no período de governação JS, a dívida pública portuguesa tinha duplicado, facto nunca ocorrido em Portugal, nem mesmo durante as crises que se viveram nos últimos 40 anos da Monarquia, com especial referência ao endividamento do chamado período do «fontismo» (1). Hoje, os portugueses lembrarão o desastre criado nas Estradas de Portugal, com os contratos que só beneficiaram «alguns dos donos disto tudo» e não apenas Ricardo Salgado, o desastre das decisões que levaram aos contratos com a EDP –a argumentação a favor das energias renováveis tem fácil aceitação das populações, mas estas não foram esclarecidas que os custos lhes seriam imputados, permitindo lucros fabulosos a esta empresa, agora nas mãos dos chineses-, o aumento dos funcionários públicos antes das eleições sem que houvesse dinheiro para isso, etc., etc. A promiscuidade entre política e negócios acentuou-se no período JS, nomeadamente com ajustes directos, como são exemplo os casos da Parque Escolar e da aquisição dos computadores Magalhães.

O desastre português, no entanto, já vem de trás, com a longa governação de Cavaco Silva a desbaratar os milhões que entraram por dia em Portugal dos Fundos Europeus. Não poderiam ter sido estes milhões aproveitados, no mínimo, para criar um forte sector produtivo de bens transaccionáveis e também para apostar no desenvolvimento da ferrovia em vez do que se gastou escandalosamente apenas com o sector rodoviário? Os governos que se seguiram de António Guterres, Durão Barroso e Santana Lopes também nada contribuíram para o bem de Portugal e dos portugueses, ou seja, Portugal não teve os governantes nem os partidos que merecia e precisava. Mas o meu objectivo aqui não é tratar do período destes governantes.

Hoje, como consequência desta gestão desastrosa, percebemos que vão ser os nossos descendentes, filhos e também netos, a suportar não só as dívidas como os juros incomportáveis durante décadas, tornando impossível que venham a viver melhor do que nós, como seria desejável. As excepções encontram-se apenas nos «donos disto tudo», que vão aumentando as suas fortunas e a pagar os impostos das suas empresas em paraísos fiscais como a Áustria, a Holanda, a Irlanda eo Luxemburgo, o que mostra bem a União Europeia que temos, a tal que nos foi anunciada como solidária. Não posso deixar de referir aquele empresário da distribuição que triplicou a sua fortuna em cinco anos e que, muitas vezes, na tribuna televisiva, quando ali é (era?) chamado a opinar, nos pretende dar lições de patriotismo, mas também não esquecendo os outros que vão da transformação da cortiça à produção eléctrica, dos combustíveis às telecomunicações. Então sobre esta última área de negócios muito haveria a dizer, mas tenhamos paciência e esperemos pela conclusão do caso BES, se ainda cá estivermos para ver, que nos vai dar ainda muita informação de espantar.

 O incentivo ao endividamento privado continuou, com os bancos a oferecerem paraísos aos portugueses, como se nadassem em reservas que precisavam de ter aplicação, escondendo o endividamento que faziam no mercado de capitais, a taxas então convidativas, como se tais créditos não tivessem um dia de ser pagos. A concorrência entre os bancos a levarem ao esmagamento das margens que hoje estão na origem de grande parte das imparidades reflectidas nas contas dos mesmos bancos é algo de que hoje muito se fala mas de que ninguém é responsabilizado.

A juntar a tudo isto, tivemos a chamada crise do «sub-prime» em 2007, que nenhum governante ou político da oposição com representação parlamentar soube prever, com especial destaque para Teixeira dos Santos (TS), o tal que afirmou não estar preocupado com tal crise, que, para tal afirmação fazer, ignorava que «As baixas taxas de crescimento do PIB português entre 2000 e 2007 (…) A quebra no investimento, (…) a política de contenção orçamental, (…). O consumo interno, apesar do fraco aumento registado, foi responsável pelo crescimento, chegando mesmo a verificar-se uma subida do peso do consumo das famílias no PIB. Esta evolução do consumo, associada à compra de habitação própria, teve como contrapartida a redução da poupança e o aumento do endividamento das famílias, que em 2008 correspondia a cerca de 105% do PIB. Pese embora a evolução do investimento, assiste-se no mesmo período a uma degradação bastante significativa da situação financeira das sociedades não-financeiras, o que justifica uma fatia relevante da evolução das necessidades de financiamento do país», como nos mostra o estudo de Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes, «As Encruzilhadas da Economia Portuguesa: Da Economia Global ao Memorando de Entendimento», de onde transcrevemos o texto entre comas (2). Neste estudo, os autores alertam para as consequências da adesão de Portugal à moeda única, não tendo sido criadas «condições para a reestruturação industrial que favorecesse o sector dos bens transaccionáveis» mas antes criando «condições para o continuar do favorecimento relativo do sector dos bens não transaccionáveis, nomeadamente os sectores do imobiliário e da construção», permitindo «o crescente endividamento das famílias e das empresas», como se lê no mesmo estudo, no qual também se lembra que a China terá sido o país que mais quota de mercado ganhou a Portugal.

Paramos com as transcrições, remetendo os leitores para o referido estudo se, de facto, quiserem ficar esclarecidos, mas não podemos deixar de fazer referência à subida para taxas de juro incomportáveis nos empréstimos contraídos no exterior, situação que muito contribuiu para que Portugal tivesse de assinar o Memorando, a que se seguiu a vinda da «troika», com o actual governo a querer ir além do que naquele documento ficou consignado, com as consequências que todos os portugueses, com excepção dos «donos disto tudo», estão a sentir na pele.

Outro custo para os contribuintes portugueses, que não posso deixar de referir, foi o resultante da nacionalização do BPN em Novembro de 2008, cujo total ninguém sabe hoje que montante poderá atingir, havendo quem fale em mais de 6.000 milhões de euros e mesmo quem tenha referido um montante bem superior. «A nacionalização do BPN foi um grave erro. Foi uma escolha errada», palavras estas de Miguel Cadilhe, transcritas no DN Economia, em 11 de Maio de 2011, as quais ainda ninguém conseguiu demonstrar que não seja ele a ter razão.

Virando-me agora para o interior do PS, não posso deixar de lembrar a política do «quem manda sou eu», determinada por JS, inclusive com membros da Comissão Nacional a verem ser-lhes aplicados curtíssimos tempos de intervenção quando se percebia que havia qualquer tipo de crítica a JS, por mais ténue que fosse, de que os jornais deram conta, com destaque para o Jornal i, e que levou o meu amigo e camarada Edmundo Pedro a dizer alto e bom som que havia medo no PS.

Não pretendo alongar-me mais neste texto, o que escrevi tenta mostrar o perfil que julgo ser o de JS, que nunca foi um socialista, e que justifica que eu, numa reunião de militantes do PS, membros da corrente de opinião Esquerda Socialista (COES), criada no interior do partido de acordo com os seus estatutos, declarasse que, caso JS encabeçasse a lista concorrente às eleições legislativas que ele acabaria por perder, não votaria no Partido Socialista. E não votei!

É esta a minha condenação de José Sócrates. À política o que é da política, à Justiça o que é da Justiça, dizem responsáveis do PS, afirmação que aceito, mas com que não concordo.  Haja esperança de que um dia eu possa dizer que, por fim, a Justiça funciona como deve em Portugal, mas não é com a prisão preventiva de JS que me atrevo já a tal afirmação.

Terminarei dizendo que não quis aqui tratar dos malefícios que o actual governo está a provocar ao país e aos portugueses. Talvez um dia me veja na obrigação de falar disso, sobretudo se os eleitores não tiverem o discernimento de os derrotar exemplarmente nas próximas legislativas.

Portela (de Sacavém), 2014-12-20

 

Notas

  • Quem quiser aprofundar as acções desastrosas dos governantes portugueses, tem um precioso auxiliar no livro de José Gomes Ferreira, «O Meu Programa de Governo», das Publicações D. Quixote.

  • In «Perspectivas Para Uma Outra Zona Euro», vários autores, org. de Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes, Coimbra Editora, S. A., Coimbra, 1.ª Edição, Janeiro de 2014.

 

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