UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (77)

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PORTO, A CIDADE DAS CAMÉLIAS, DESDE 1880!

A Camélia faz parte da cultura da cidade do Porto.

Desde criança que me habituei a conviver com as Japoneiras. Eram várias, e de várias espécies e cores, em casa do meu avô paterno, em Paços de Ferreira, e uma, enorme, no quintal de minha casa.
Nesta, subi aos ramos mais altos, ainda baixos na altura, saltei, escorreguei, escondi-me, enfim, brinquei como qualquer miúdo. Mais tarde, os meus filhos mais velhos, e depois os meus sobrinhos, também o fizeram, guardando, como eu, memórias lindas desses tempos. As camélias, rosa claro ou forte, consoante os anos e o adubo que se utilizava, eram a alegria do nosso quintal, no Inverno e no início da Primavera, e as folhas, as donas da suave sombra dos dias mais quentes.
Hoje, embora lá esteja a casa, e o quintal, já lá não está essa alegria.
Na parte ajardinada do terreno da casa do meu avô, aconteceu algo semelhante. A casa já não existe, em seu lugar está um Centro Comercial decadente, e das Japoneiras e das camélias de variadas cores, que a minha tia cuidava com desvelo, já só resta a memória, ainda muito viva em mim.

Camélia da Japoneira que existiu no  quintal da minha casa
Camélia da Japoneira que existiu no quintal da minha casa

As Japoneiras dão flores, na sua maioria sem cheiro, mas de uma perfeição inigualável, que exigem pouca manutenção, apesar da sua sofisticação.
“O perfume delas é, talvez, a cor”, escreveu Pedro Homem de Mello, num autógrafo dado a uma leitora, a propósito das camélias que existem no Porto.
São, ou foram, milhares as Japoneiras existentes na cidade, onde as espécies que predominam, são a camélia japónica e a camélia reticulata.
A cidade do Porto foi o primeiro sítio, em Portugal, a ter camélias (foram os portugueses, através dos jesuítas, no século XVI, depois do contacto e do fascínio seiscentista pelo Japão, quem primeiro trouxe a planta para a Europa, e para o Porto). Foi também, a primeira das cidades europeias a ser conhecida como a “Cidade das Camélias”, em 1880, e o culto pelo arbusto, enraizado naquela sociedade portuense de há perto de dois séculos, traduzia-se por haver em cada muro, e em cada jardim público ou privado, uma dessas flores a espreitar.

Azulejo representando uma Camélia
Azulejo representando uma Camélia

É nativa das florestas da China, Coreia e Japão mas possui cultivares híbridos disseminados em quase todo o mundo. A sua floração ocorre fundamentalmente no inverno e a cor das suas flores varia entre o branco e o vermelho, com algumas variedades pintalgadas ou manchadas. As flores solitárias, podem ser de diversos tipos, podendo ser grandes ou pequenas, simples ou dobradas. As suas flores e folhas têm inúmeras propriedades medicinais e também condimentares. Podem ser feitos perfumes, sabonetes, óleos para iluminação, cosméticos, chás, licores e compotas a partir da camélia, mas no Porto, não existe esse costume, desaproveitando dessa forma uma das suas características. A Japoneira pode atingir 5 a 6 metros de altura e até 3 metros de diâmetro na copa. É a flor inspiradora do romance “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas Filho.

A China tem um culto ancestral por esta planta, havendo registos de decorações com camélias ainda antes da Dinastia Tang (séc. VII e X), já para não falar da produção de Chá a partir de folhas da Camellia Sinensis.

No Japão, a partir do séc.XVII, na era de Togukawa, a Camélia torna-se ornamento indispensável dos jardins dos samurais, das casas das classes dirigentes e a rodear os templos.

Por essa altura ainda não se chamavam camellias, mas sim tsubaki, ou «árvore das folhas brilhantes». A designação de camellia surge apenas em 1735, quando o Sueco Karl von Linné (Carolus Linnaeus) assim as baptizou na sua obra Systema Naturae. O nome trata-se de uma homenagem a um jesuíta chamado Camelli, autor de uma descrição muito extensa de plantas das Filipinas.

Nos dias de hoje, já com muito menos camélias espalhadas pelas ruas do Porto, a alegrar-nos a existência, ainda podemos ver Japoneiras antigas nos jardins históricos rente aos bancos e aos lagos, e a envolver muitas das estátuas de granito da cidade.
A Japoneira vingou em todo o Norte do País. Os jardins das vilas e das cidades encheram-se de camélias, podadas em formas artísticas ou em simples sebes, ou, como em muitos lugares com o formato livre de uma qualquer árvore, dando mais alegria aos finais de Inverno chuvosos e brumosos.

Exemplos de algumas variedades de Camélias
Exemplos de algumas variedades de Camélias

Por tudo o que nos dá, em beleza e simplicidade, a camélia é uma flor que merece ser amada por todos e cada um de nós. É conhecida como a “Flor da Felicidade”.

Na cidade, encontramos Japoneiras com muita facilidade,  nos jardins do Palácio de Cristal, no Parque de São Roque, no Jardim de São Lázaro, na Quinta da Macieirinha, nos Cemitérios de Agramonte e do Prado do Repouso, na Casa Tait, no Horto Municipal, na Quinta de Bonjóia, no Jardim Botânico, nos Jardins da Casa Burmester, no Parque da Cidade, no Palacete Pinto Leite, na Fundação Eng. António de Almeida, no Parque da Casa de Serralves, na Fundação Arq. Marques da Silva, no Jardim interior do Museu Nacional Soares dos Reis, na Quinta de Villar D’Allen, no Parque de Nova Sintra, nos Jardins da Casa da Prelada, e em mais uma quantidade apreciável de lugares, formando alamedas, bosques ou simplesmente dispersas pelos espaços. Umas já quase consideradas “banais”, outras, espécies raras, mas todas belas e invulgares, formam colecções de grande qualidade, que revestem de cor e criam cenários extremamente agradáveis, completamente integrados na diversidade paisagística.

Em Celorico de Basto, celebra-se desde 2004 (em 2015 será nos dias 20, 21 e 22 de Março), um festival de camélias, neste ano terá lugar a sua XII edição, denominado Festa Internacional das Camélias, que torna mais florido o fim-de-semana daquela vila minhota.

No Porto, neste fim de semana, teremos mais uma vez uma exposição de camélias, numa espécie de festa antecipada da Primavera..
A Exposição de Camélias do Porto, que este ano celebra a sua vigésima edição, a 7 e 8 de Março, realiza-se nos Claustros do Mosteiro de S. Bento da Vitória, e vai alargar o seu âmbito à cidade, com várias iniciativas que se prolongam até 14 de Março.
A fechar o programa da Semana da Camélia, o varandim da Torre dos Clérigos será palco do espetáculo “La Traviata de Verdi”, baseado no romance “A Dama das Camélias” de Alexandre Dumas”, numa readaptação pela Ópera de Bolso.

 

Sanfins de Ferreira fica a cerca de 25km a Nordeste do Porto, e a 3km de Paços de Ferreira

4 Comments

  1. Maravilhosa história das camélias do Porto e do mundo!
    Que os deuses o abençoem, José Magalhães, olímpica e enciclopédica criatura!
    Cada vez é uma conferência, um tratado, um curso inteiro.Parabéns!
    Muitíssimo obrigada!
    abraço da
    Rachel.

  2. Caro amigo Zé,

    Muito obrigado pelas valiosas informações, concordo com Rachel que disse : que tu és uma enciclopédia, uma fonte de conhecimentos, continua por favor a fazer este nobre trabalho..

    Mohammadyne

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