CRÉDITO À ECONOMIA CONTINUA A CAIR E AS “IMPARIDADES” A AUMENTAR – por EUGÉNIO ROSA

Logótipo

A SITUAÇÃO ATUAL DA BANCA EM PORTUGAL E A MÁ GESTÃO QUE CONTINUA A IMPERAR

A implosão do grupo BES/GES e o inquérito parlamentar realizado permitiu aos portugueses ficarem a conhecer a banca por dentro e muitas das suas práticas, assim como a arrogância de muitos dos seus administradores, que se sentem “donos de tudo isto” desrespeitando as determinações das próprias entidades de supervisão, bem como o perigo que essas práticas representam quer para a segurança das suas poupanças (depósitos, investimentos, etc.) quer para o desenvolvimento do país, e para a reputação e estabilidade do próprio sistema bancário. Uma reflexão objetiva da situação da banca com base nos últimos dados disponibilizados pelo Banco de Portugal será certamente útil para um correto conhecimento e compreensão da situação atual do setor bancário, constituindo também um alerta para a reflexão sobre um atividade fundamental para o desenvolvimento do país, e sendo um indicador importante da situação da economia.

CONTINUA A REDUÇÃO SIGNIFICATIVA DO CREDITO À ECONOMIA E ÀS FAMÍLIAS E A MÁ GESTÃO

No quadro 1, reuniram-se os dados mais recentes divulgados pelo Banco de Portugal que são importantes para uma reflexão sobre a situação atual do setor bancário. São dados do Balanço e das Demonstrações Financeiras consolidadas elaboradas pelo supervisor e referem-se ao período 2010-2014, o período da “troika” e do governo PSD/CDS.

banca - VII

Como revelam os dados do Banco de Portugal continua-se a verificar, por um lado, uma quebra significativa no crédito concedido pela banca e, por outro lado, um aumento muito grande das “imparidades”, ou seja, de crédito perdido (que não será reembolsado à banca, o chamado “crédito mau”). Entre Dez.2010 e Junho de 2014, o crédito concedido às empresas, famílias e administrações públicas diminuiu em 44.300 milhões € (-13,4%), e as “imparidades” aumentaram em 79,2%, pois passaram, entre 2010 e Junho de 2014, de 12.153 milhões € para 21.776 milhões €. E esta tendência manteve-se em 2014. Se comparamos o 1º semestre de 2014 com o 1º semestre de 2013, constata-se que o crédito diminuiu em 5% (-15.021 milhões €) e as “imparidades” (crédito concedido que não será reembolsado, estando a maioria perdido) cresceu em 13,7%. Para além da má gestão que domina a banca, tudo isto é também um indicador da manutenção da crise que desmente a propaganda oficial.

E não se pense que o aumento de “imparidades” teve como causa principal o crédito à habitação, pois neste crédito é onde se verifica a taxa mais baixa de incumprimento. Em Janeiro de 2015, os créditos de habitação vencidos representavam apenas 2,47% do crédito total à habitação, quando já em Junho de 2014 as “imparidades” acumuladas correspondiam a 7,6% (3 vezes mais) do crédito total bruto concedido pela banca em Portugal. O aumento das “imparidades” resulta fundamentalmente de grandes créditos concedidos pela banca, em que se verifica uma grande concentração de risco, de que é exemplo o caso do BES/GES, onde 5 bancos tiveram uma exposição superior a 1.000 milhões € apenas num grupo económico sobre o qual existia há já bastante tempo informação sobre grandes riscos e má gestão e onde, na concessão do crédito ao grupo GES, a análise rigorosa do risco não foi feita, sendo substituída por opiniões subjetivas de administradores sobre a “solidez do grupo”. Tudo isto confirma a má gestão que impera no setor bancário onde os órgãos sociais internos de fiscalização e de supervisão praticamente não funcionam face à cultura autoritária ainda existente do CEO e onde o Banco de Portugal e a CMVM enfrentam grandes dificuldades e muitas vezes falham.

AS “IMPARIDADES” JÁ SÃO SUPERIORES ÀS DESPESAS COM PESSOAL, E MESMO ASSIM A REDUÇÃO DOS TRABALHADORES CONTINUA A SER UM OBJETIVO DA BANCA

O disparar das “imparidades”, ou seja, do crédito perdido, em que a crise teve um efeito de aceleramento mas também a função de tornar visível a má gestão e a ausência de apuramento das responsabilidades dominante na banca, determinou que as despesas com pessoal passaram a ser muito inferiores ao custo com as “imparidades”.

Como mostram os dados do Banco de Portugal, em 2010 as despesas com pessoal correspondiam a 120% das imparidades, ou seja, eram 1,2 vezes superior aos custos que banca suportava com o crédito perdido (imparidades), enquanto no 1º semestre de 2014 os “Custos com Pessoal” já corresponderam apenas 41,2% dos custos das “imparidades” suportadas pela banca nesse mesmo período. Apesar desta grande disparidade, continua a ser um objetivo dominante da gestão da banca neste momento a redução do número de trabalhadores, para assim reduzir os Custos com Pessoal, apesar disso por em perigo a recuperação do papel da banca como instrumento fundamental na recuperação económica futura e no desenvolvimento do país.

A BANCA ESTÁ A SUBSTITUIR O SEU PAPEL DE CONCEDER CRÉDITO À ECONOMIA E ÀS FAMÍLIAS POR APLICAÇÕES FINANCEIRAS VISANDO A OBTENÇÃO DE MAIS-VALIAS

Outro aspeto importante revelado pelos dados divulgados pelo Banco de Portugal é a alteração sensível do paradigma que carateriza a atividade bancária. Assim, enquanto o crédito concedido à economia e às famílias diminuiu (entre 2010 e Junho de 2014 reduziu-se em 44.303 milhões €), o investimento da banca em “ativos financeiros disponíveis para venda”, ou seja, que têm como objetivo a obtenção de mais-valias (lucro fácil e imediato nomeadamente em divida pública) aumentou, entre 2010 e Jun.2014, de 56.573 milhões € para 69.067 milhões €. No 1º semestre de 2014, a banca obteve 1.241 milhões € de receitas de mais-valias, ou seja, 4,5 vezes mais do que obteve em todo o ano de 2010 (273 milhões €), como revelam também os dados do Banco de Portugal. A banca em Portugal, e não só, está-se a transformar gradualmente numa banca que procura obter ganhos elevados de atividades que não têm nada a ver com a sua função de conceder crédito à economia e famílias, aumentando o risco a que está exposta e a possibilidade de novas crises financeiras com efeitos económicos e sociais dramáticos. E isto apesar de ainda não ter saído da crise anterior de que é a principal responsável.

OS PREJUÍZOS DA BANCA CONTINUAM A AUMENTAR E OS IMPOSTOS PAGOS AO ESTADO REDUZEM-SE A ZERO

Como consequência da crise e da má gestão que impera na banca, os prejuízos dos bancos em Portugal aumentaram, entre o 1º semestre de 2013 e o 1º semestre de 2014, de 1.043 milhões € para 3.288 milhões €, ou seja, mais que triplicaram. Tal facto determinou que os impostos pagos ao Estado tornaram-se negativos (entre o 1º sem.2013 e o 1ºsem.2014 de 2014 passaram de -199 milhões € para -724 milhões €). Isto significa que a banca poderá deduzir tais valores em impostos que tiver de pagar no futuro, reduzindo assim a sua contribuição para as receitas do Estado e para a redução do défice orçamental, o que obriga os portugueses, para compensar a perda de receitas ficais causada por essa quebra, a pagarem mais impostos.

                                                                 Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt , 20.3.2015

1 Comment

  1. Os números falam por si mas é de louvar a forma pratica como faz a apreciação dos mesmos. De facto estamos a ser vítimas de maus gestores em geral e em particular no sector das instituições financeiras. A desregulacao existente e a conivência com o poder político teria de dar este resultado. Os maus gestores de que falamos são-no “apenas” no sentido da sua função de estímulo ao crescimento da economia. São no entanto bons gestores para os interesses próprios. Como diz o negócio bancario está prioritariamente dirigido para os ganhos com a especulação financeira a qualquer custo. Controlam sectores chave de criação de riqueza, constituindo ou participando em empresas por onde fazem depois circular capitais ou papel comercial de acordo com as conveniências em cada momento. Estas operações são feitas com o investimento da poupança dos povo crédulo que confia no sistema. Depois quando há problemas o pequeno investidor perde o dinheiro que poupou e nada acontece aos responsáveis. Para quem ainda tem algumas poupanças agora os Bancos, como têm excesso de liquidez, oferecem juros ridículos e cobram comissões de gestão da conta. Em contrapartida apresentam produtos alternativos, sem qualquer risco ou responsabilidade, ao depositante que, na sua maioria, não faz a mínima ideua do que lhe estão a propor e como confia, subscreve sem qualquer compromisso de garantia. Entretanto assiste-se desde sempre às emissões de dívida pública que são assumidas por sindicatos bancários, com bons juros. O bCE empresta-lhes a 0,05% e a banca por sua vez empresta ao Estado com uma taxa superior. Porque razão o povo não pode comprar dívida pública quando da emissão e depois pode comprar no mercado secundário com mais ganhos para a Banca. Como se não bastasse e como refere ainda vão beneficiar do não pagamento de impostos, dado que podem considerar os prejuízos acumulados. Como também diz cá está o povo para pagar. A comunicação social em nada ajuda para informar os cidadãos, antes pelo contrário os confunde quando entrevista técnicos que usam uma linguagem técnica que desmobiliza os ouvintes e ou leitores.

Leave a Reply