CARTA DO RIO – 45 por Rachel Gutiérrez

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Globalização.

Nos últimos dias pensei muito no sentido dessa palavra e deixei-a sozinha, com sua ressonância e sua reverberação, na página em branco de minha crônica. Pensei em como é injusto que no mundo dito globalizado (pelos interesses econômicos) não haja uma globalização do gozo pleno dos direitos humanos, extensivos às crianças e aos adolescentes, às mulheres de todas as etnias e culturas, aos homossexuais de todos os países, e uma globalização do respeito à Natureza, assim como a da luta contra a pobreza e a fome… E também pensei em como é inacreditável e triste que não tenham inventado ainda uma guerra globalizada e efetiva ao terrorismo, que o atinja em suas raízes e passe a combatê-lo preventivamente.

E depois das últimas notícias sobre os assassinatos de mais de uma centena de estudantes africanos, pelos fundamentalistas que procuram obstruir qualquer acesso ao conhecimento e à cultura, é claro que pensei ainda mais no destino das crianças, tanto das de lá, quanto das daqui, pensei na infância, que já foi chamada de “fonte inesgotável de sonhos”, por Bernanos, mas que tem sido traída e defraudada tanto pela indiferença dos governos quanto pelo egoísmo cego da sociedade humana.

E eis que um dos nossos raros heróis, o Senador Cristovam Buarque, defensor incansável da educação em nosso país, nos acena com uma esplendorosa esperança em sua coluna do jornal O Globo de hoje, 4 de abril. Conta que com base em iniciativa sua e do Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, “parlamentares de diferentes países se reuniram na semana passada no Nepal e [criaram] o Movimento Parlamentares sem Fronteiras escolhendo como primeiro tema de ação global os direitos da infância no mundo.”!   Sim! Por que não? Pois existem os maravilhosos Médicos sem Fronteiras, que apoio há anos, com uma modesta contribuição mensal e cujo calendário, cheio de fotos de seus trabalhos por nossa terra inteira, enfeita a minha escrivaninha. Isso me soou como um milagre, como maravilhosa coincidência significativa ou sincrônica, como diria Jung. É desse tipo de globalização que o mundo precisa com urgência. Não apenas o mundo humano, mas o planeta, do qual, como sabemos, uma das mais dedicadas defensoras é a ex-senadora Marina Silva, nossa outra heroína.

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Vamos dar a palavra a Cristovam Buarque: “Nos tempos de hoje, quase todos os problemas de cada país passam por soluções planetárias e de longo prazo. Daí o movimento ter escolhido os direitos da infância como seu primeiro tema, enquanto prepara novas reuniões para outros temas, como energia, terrorismo e pobreza.”

E na coletiva internacional de imprensa, disse o Senador: “fomos lá para salvar um bilhão de crianças sem escola com qualidade, trabalhando no lugar de estudar, sujeitas à exploração sexual, sem atendimento médico e sem comida.”

E como se respondesse às minhas inquietações quando deixei ressoando a palavra “globalização” na minha página em branco, o Prêmio Nobel da Paz, Kailash Satyarthi declarou: “Aqui estamos não apenas unindo parlamentares que defendem os direitos das crianças do mundo. Estamos também iniciando uma nova cultura política, adaptada aos tempos globais, para enfrentar problemas globais.”

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Pouco importa se parecemos ingênuos ou idealistas folclóricos, já é possível acreditar que existe gente no mundo mais preocupada com o futuro da humanidade do que com seus eleitores ou com seus partidos ou ideologias mais ou menos caducas. Ao invés de repetirmos a boutade da era Clinton – “é a economia, estúpido!” podemos ter a coragem de afirmar: “é a Vida, estúpido, é o futuro da Humanidade e do Planeta!”

Se a Economia Política interpreta a palavra globalização como a simples “união dos mercados de diferentes países e da quebra das fronteiras entre esses mercados”, como dizem os dicionários, a criação do Movimento Parlamentares sem Fronteiras acaba de nos conceder o direito de sonhar com o mundo globalizável dos que acreditam que podem torná-lo melhor e mais justo.

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