A NOSSA RÁDIO – Em Memória de Manoel de Oliveira – 4 – por Álvaro José Ferreira

Imagem2

c0bb5-manoel_de_oliveira30
Muitos destes meninos voadores
Estão em várias obras trabalhando:
Uns amolando ferros passadores,
Outros, hástias de setas delgaçando.
Trabalhando, cantando estão de amores,
Vários casos em verso modulando;
Melodia sonora e concertada,
Suave a letra, angélica a soada.

31
Nas fráguas imortais onde forjavam
Para as setas as pontas penetrantes,
Por lenha corações ardendo estavam,
Vivas entranhas inda palpitantes;
As águas, onde os ferros temperavam,
Lágrimas são de míseros amantes;
A viva flama, o nunca morto lume,
Desejo é só que queima e não consume.

32
Alguns exercitando a mão andavam
Nos duros corações da plebe ruda;
Crebros suspiros pelo ar soavam
Dos que feridos vão da seta aguda.
Fermosas Ninfas são as que curavam
As chagas recebidas, cuja ajuda
Não somente dá vida aos mal feridos,
Mas põe em vida os inda não nascidos.

33
Fermosas são algumas e outras feias,
Segundo a qualidade for das chagas,
Que o veneno espalhado pelas veias
Curam-no às vezes ásperas triagas.
Alguns ficam ligados em cadeias
Por palavras subtis de sábias magas;
Isto acontece às vezes, quando as setas
Acertam de levar ervas secretas.

34
Destes tiros assi desordenados,
Que estes moços mal destros vão tirando,
Nascem amores mil desconcertados
Entre o povo ferido miserando;
E também nos heróis de altos estados
Exemplos mil se vêm de amor nefando,
Qual o das moças Bíbli e Cinireia,
Um mancebo de Assíria, um de Judeia.

35
E vós, ó poderosos, por pastoras
Muitas vezes ferido o peito vedes;
E por baixos e rudos, vós, senhoras,
Também vos tomam nas Vulcâneas redes.
Uns esperando andais nocturnas horas,
Outros subis telhados e paredes;
Mas eu creio que deste amor indigno
É mais culpa a da mãe que a do menino.

36
Mas já no verde prado o carro leve
Punham os brancos cisnes mansamente;
E Dione, que as rosas entre a neve
No rosto traz, descia diligente.
O frecheiro, que contra o Céu se atreve
O recebê-la vem, ledo e contente;
Vêm todos os Cupidos servidores
Beijar a mão à Deusa dos amores.

37
Ela, por que não gaste o tempo em vão,
Nos braços tendo o filho, confiada
Lhe diz: – «Amado filho, em cuja mão
Toda [a] minha potência está fundada;
Filho, em quem minhas forças sempre estão,
Tu, que as armas Tifeias tens por nada,
A socorrer-me a tua potestade
Me traz especial necessidade.

Leave a Reply