KRUGMAN, CAMERON, MILIBAND, PASSOS COELHO E ANTÓNIO COSTA – ALGUMAS REFLEXÕES À VOLTA DO PROGRAMA UMA DÉCADA PARA PORTUGAL – por JÚLIO MARQUES MOTA – IV

júlio marques mota

(conclusão)

Há sinais bem claros de investigações robustas que nos dizem que pagando altos salários e oferecendo aos trabalhadores segurança de emprego leva a que as empresas desfrutar de maior crescimento da produtividade e que a nação melhora a sua competitividade internacional como resultado.

Os dados do Eurostat mostram que, entre 2008 e 2013, a produtividade do trabalho por hora trabalhada aumentou em 1,8 por cento, na Alemanha, mas caiu na Grécia, o país mais atingido pela austeridade, em 8,5% e na Itália em 0,7 por cento.

Portanto, não só a abordagem de desvalorização interna falha em não conseguir aumentar a competitividade, como ela própria a coloca numa trajectória de baixa produtividade, o que prejudica os possíveis aumentos nos níveis de vida em termos reais. Os custos enormes para as nações que estão a ser submetidos a esses programas de austeridade na forma de milhões de postos de trabalho perdidos e do desemprego muito elevado da juventude são muito mais elevados a longo prazo do que quaisquer benefícios que de imediato possam surgir.

Obviamente alguma coisa esteve na base das mudanças destas relações. O que seria? Bem, a análise do Conselho Europeu nada menciona por óbvias razões políticas. Afinal, eles estão a promover a austeridade, as privatizações, os cortes nas condições de trabalho, nas condições salariais.

O gráfico seguinte mostra a contribuição da procura interna para o crescimento no PIB real de 2000 a 2014 (em pontos percentuais) para a zona euro, no total (19 países) e para a Grécia.

A procura interna é o total das despesas, com exclusão das exportações. Enquanto se pode argumentar que a despesa em bens de investimento é sensível à competitividade comercial, a realidade é que para a Grécia, como a sua competitividade evoluiu para o período pré-crise (ver o gráfico anterior) o investimento bruto foi crescendo, como aconteceu o mesmo com o crescimento real do PIB.

Uma vez rebentada a crise e com a Troika a ter começado a sabotar deliberadamente a despesa pública e privada na Grécia, a procura interna caiu a pique. Durante esse tempo, a competitividade esteve a aumentar.

diversos - I

Conclusão

Existem outros gráficos altamente controversos no documento dos 4 Presidentes. Mas a análise de um deles deu-me uma suficiente dor de cabeça.

A razão pela qual o desemprego aumentou tão fortemente nos países da zona euro entre 2008 e 2014 tem muito pouco a ver com os chamados desequilíbrios comerciais ou com as diferenças na evolução dos custos unitários.

Esses desequilíbrios (como são chamados ) e as diferenças nos custos unitários não são novos. O que aconteceu em 2008, foi um grande colapso na procura agregada que depois foi reforçado pela imposição de políticas sucessivas de austeridade.

Se colocássemos graficamente a mudança na posição orçamental (como é medido pela diferença na austeridade imposta) e a alteração da taxa de desemprego obteríamos uma relação positiva muito forte (mais austeridade, maior o aumento nas taxas de desemprego) e isso sim, teria algum significado.”

Não é nossa intenção fazer uma análise in fine do texto do PS. Queremos apenas chamar a atenção para eventuais ligações pelo que se diz e pelo que se não diz do texto do PS com textos dos mais marcantes que são emblemáticos do modelo europeu imposto por Schauble e Merkel com a crise, através da Troika. Queremos apenas chamar a atenção entre as analogias entre David Cameron e Passos Coelho, entre Miliband e António Costa. Cameron ganhou, Miliband perdeu. Que os homens do PS pensem nestas analogias, que pensem nas razões que levaram à derrota deste último, é esta a minha intenção.

Se Uma década para Portugal é um texto de resposta à crise e para um país destruído como está Portugal então apetece-me dizer como o disse Bill Mitchell face ao texto dos 4 Presidentes:

Este é um documento muito desonesto, deliberadamente enquadrado para avançar com a agenda de austeridade e com isso afectar a qualidade de vida de algumas das Nações da União Monetária. É difícil entender que um economista sério possa ser capaz de colocar o seu nome neste tipo de análise.

Lamento pensá-lo, lamento dizê-lo, lamento escrevê-lo, o que agora acabo de citar, mas de resto quando o Observador nos diz que Mario Centeno faz parte do think tank Cidadania Social, composto por um grupo de independentes que Marques Mendes quer promover a membros da Coligação PSD+CDS+Independentes e em que nestes últimos estariam elementos da “ Cidadania Social”, sinto sinceramente que o texto do PS é um texto que Salinas em o Leopardo assinaria, se fosse caso disso. E tudo dito portanto, subscrevo por inteiro o texto de Bill Mitchell. Com efeito, diz-nos o Observador:

 A “Cidadania Social”, criada há duas semanas, assume-se “como uma instituição de intervenção cívica de referência“, que trabalhará em permanência com especialistas de diversos setores “da sociedade portuguesa, designadamente, político, académico, social e empresarial”, como se pode ler no documento de apresentação da organização.

Entre os principais promotores estão, além do economista Mário Centeno, Margarida Corrêa de Aguiar, secretária de Estado da Segurança Social de Durão Barroso, Jorge Bravo, professor de Economia e Finanças na Universidade Nova de Lisboa, Fernando Ribeiro Mendes, secretário de Estado da Segurança Social e da Indústria de António Guterres, e, ainda, Carlos Silva Pereira, professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão.

“Fico muito grato por essa publicidade mas não queremos ter essa conotação”, afirmou Jorge Bravo ao Observador a propósito das palavras de Marques Mendes. “Esta associação é apartidária e a questão de vir a ser candidato a deputado não se coloca”, acrescentou.

Um longo texto de apresentação do trabalho notável de Paul Krugman. Mas o trabalho de Krugman ainda chama a atenção para um detalhe de extrema importância: é necessário desmontar o discurso oficial acerca da dívida, acerca do défice, acerca da austeridade, acerca da reestruturação da dívida, um trabalho de Hércules seguramente, e assim lutar contra a corrente dominante fortemente apoiada pelo papel que os média têm tido na manutenção das mistificações à volta da crise. Um trabalho tanto mais difícil quanto se assiste ao silêncio quase que total quer das Universidades portugueses quanto à discussão da crise quer do próprio PS. Mas esse silêncio e essa não discussão pública alimenta o papão do medo de que uma viragem progressista é voltar à estaca zero da dívida e do défice, depois de tanto sofrimento. Argumentos que Passos Coelho esgrime com o maior descaramento indo-se ao ponto de acusar o PS e Sócrates de serem os responsáveis da crise! Inimaginável. Não gosto de Sócrates quando vi, alguns meses depois de iniciado o primeiro mandato, que ele vestia a pele de cordeiro mas era um verdadeiro lobo neoliberal, discordo de quase tudo o que fez mas pelas razões exactamente opostas às de  Passos Coelho e do seu bando, ou seja, discordo de quase tudo o que fez porque este foi um digno representa da Troika antes desta mesma existir, veja-se à lupa o PEC IV. Sócrates foi um verdadeiro representante do modelo europeu actual, fazendo tudo aquilo que nele se permitia, com a agravante de que fazia uma política neoliberal pura e dura com a capa de socialismo. O PS, pelos vistos, por amor a Bruxelas preferiu o silêncio face à crise e cria e oferece a máquina do medo ao seu adversário com o qual este lhe pretende dar a estocada final.

Por tudo isto, o trabalho de critica profunda ao modelo europeu, às mistificações sobre as razões de crise, à mistificação da política de austeridade e da utilização dos défices  e da dívida como instrumento de política económica deve ser o primeiro passo a dar pela esquerda que se queira assumir como tal. Nada disto consta do documento do PS, nada disto consta da sua prática como oposição. Como oposição cala-se na AR quando é acusado de responsável pela crise. Eleitoralmente, isso paga-se. Naturalmente assim, daí a minha desilusão face ao documento Uma década para Portugal.

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Para ler a Parte III destas reflexões de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

KRUGMAN, CAMERON, MILIBAND, PASSOS COELHO E ANTÓNIO COSTA – ALGUMAS REFLEXÕES À VOLTA DO PROGRAMA UMA DÉCADA PARA PORTUGAL – por JÚLIO MARQUES MOTA – III

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