Faz hoje 64 anos, em 11 de Junho de 1951, Salazar, num dos seus toscos passes de mágica, transformava as colónias em províncias ultramarinas. Tal como em 1945, derrotado o fascismo corporativista, transformara o seu estado fascistóide e corporativo em «democracia orgânica». Mais tarde, em 1968, na chamada «primavera marcelista», a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) foi transformada em DGS (Direcção Geral de Segurança) e a UN (União Nacional) em ANP (Acção Nacional Popular). A «democracia orgânica» continuou a ser a ditadura salazarista, a DGS não deixou de ser a criminosa polícia política, a ANP continuou a ser o partido único. E as províncias ultramarinas continuaram a ser territórios coloniais.
Para completar este pequeno discurso sobre a arte do eufemismo, deve dizer-se que em muitos casos (e não só nas ex-colónias portuguesas) a independência apenas mudou a cor da pele dos exploradores. Aos pobres foi oferecida uma bandeira, um hino nacional e um equipamento novo para a selecção de futebol. A crueldade, o egoísmo, a xenofobia e o racismo, a desonestidade, a ganância exploradora, não são características exclusivas das nações colonizadoras. Em alguns casos, aos horrores da tirania colonial foi acrescentado o ódio tribal.
Nas Américas, o logro foi ainda mais escandaloso – colonos europeus e crioulos invejosos, assumiram o papel de «libertadores». Expulsaram os funcionários da administração colonial e mantiveram a escravatura e toda a parafernália de instrumentos esclavagistas. O poeticamente excelente, Canto General de Pablo Neruda exalta europeus manhosos que «libertaram» colonos europeus do controlo das respectivas metrópoles – «traidores» na perspectiva metropolitana, heróis da mitologia crioula. Escravos e pobres passaram a ser chicoteados e enforcados já não por colonialistas, mas por compatriotas. Tal como em Portugal, a «democracia orgânica» manteve o terror policial da ditadura fascista, E indo mais longe – tal como a democracia parlamentar, no Portugal de Abril, manteve as injustiças sociais do salazarismo e manteve a riqueza nas mãos das mesmas famílias que, indiferentes à mudança do nome das coisas, são os verdadeiros donos do país.
Em 11 de Junho de 1951 deixou de haver colónias portuguesas. Portugal era agora uma democracia orgânica do Minho a Timor. Um mapa editado pela Secretaria da Propaganda Nacional tinha agora a sua concretização no plano constitucional – Portugal não era um país pequeno.
E tudo era sancionado em «eleições tão livres e democráticas como na democrática Inglaterra» (como Salazar teve o desplante de afirmar). Mudar o nome às coisas é mais fácil do que mudar as coisas. Mas, como disse Shakespeare, a rosa com outro nome terá o mesmo perfume. Tal como dejectos colocados dentro de uma embalagem da Chanel não deixarão de ter o mesmo mau odor.