O assassinato da Grécia – por James Petra III

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

(conclusão)

 

Império contra o sucesso democrático

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Legenda: Aquando das eleições parlamentares gregas, provavelmente as mais importantes desde a segunda guerra mundial, os trabalhadores gregos desafiaram uma incrível campanha mediática de medo e votaram massivamente pelo partido de esquerda, anti-austeridade, o SYRIZA.

 

A partir do momento em que Syriza recebeu um mandato democrático, a elite da UE seguiu a estrada autoritária típica dos monarcas imperiais. Exigiu de Syriza (1) uma capitulação incondicional, (2) exigiu a manutenção das estruturas, políticas e práticas do precedente regime vassalo de coligação (PASOK-Nova Democracia) (3) exigiu que Syriza suspendesse toda e qualquer reforma social, (aumento do salário mínimo, aumento das despesas no sector das reformas, da saúde, da educação e da luta contra o desemprego) (4) exigiu ue SYRIZA se vergue às directivas económicas estritas e à supervisão desenvolvidas pela “Troika” (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, e o Fundo Monetário Internacional) (5) exigiu que SYRIZA mantenha o objectivo actual de excedente orçamental primário 4,5% do PIB em 2015-2017.

Para reforçar a sua estratégia de estrangulamento do novo governo, Bruxelas ameaçou cortar abruptamente todas as facilidades de crédito presentes e futuras, reclamar todos os pagamentos de dívida, pôr fim ao acesso aos fundos de emergência, e de não apoiar as obrigações bancárias gregas – as quais fornecem os empréstimos às empresas locais.

Bruxelas oferece a Syriza a desastrosa “solução” de cometer um suicídio político aceitando o diktat que lhe é imposto, alienando-se assim o seu eleitorado. Traindo o seu mandato, Syriza confrontar-se-ia com manifestações de cólera popular. Rejeitando o diktat de Bruxelas e mobilizando o seu eleitorado, Syriza poderia procurar novas fontes de financiamento, impondo um controlo dos capitais e orientando-se para “uma “economia de urgência ” radical.

Bruxelas coloca-se atrás das suas posições e fez ouvidos de mercador às primeiras concessões de Syriza, preferindo interpretá-las como um progresso para uma capitulação total, em vez ver aí os seus esforços para se chegar “um compromisso”.

Syriza já abandonou as suas pretensões de perdão de grande parte da dívida , a favor agora de uma extensão de pagamento da mesma . Syriza aceitou continuar a pagar nos seus prazos de vencimento, desde o momento em que fiquem ligados à taxa de crescimento económica. Syriza aceita a supervisão da UE, tanto quanto esta não for efectuada pela desprezível “ troika” , que tem conotações tóxicas para a maior parte dos gregos. Apesar de tudo, as mudanças semânticas não alteram a substância “da soberania limitada”.

Syriza já aceitou uma dependência estrutural a médio e longo prazo com o objectivo de se assegurar o tempo e a margem de manobra necessários a fim de poder financiar os seus programas populares a curto prazo. Tudo o que Syriza pede é um mínimo de flexibilidade orçamental sob a supervisão “de radicais” que têm a qualidade do ministro das finanças alemão.

Syriza  suspendeu temporariamente as privatizações em curso nos sectores chave das infra estruturas (infra-estruturas portuárias e aeroportuárias), da energia e das telecomunicações. Contudo, não colocou um fim nem reviu as privatizações passadas. Mas para Bruxelas, “a liquidação” dos lucrativos sectores estratégicos gregos é uma parte essencial da sua agenda “de reformas estruturais”.

As propostas moderadas de Syriza e os seus esforços para operar no quadro estrutural da UE estabelecido pelos precedentes governos vassalos foram rejeitadas pela Alemanha e pelos seus 27 lacaios da UE.

A afirmação dogmática de políticas extremistas, ultra neoliberais da UE, incluindo o desmantelamento da economia nacional grega e a transferência dos sectores mais lucrativos para as mãos de investidores imperiais, é repetida nas páginas dos principais jornais. O Financial Times, o Wall Street Journal, o New York Times, o Washington Post, o Le Monde são armas de propaganda do extremismo da União Europeia. Confrontado com a intransigência de Bruxelas e em frente da “escolha histórica” da capitulação ou da radicalização, Syriza tentou persuadir os principais governos . Syriza teve numerosas reuniões com os ministros da UE. O primeiro ministro Alexis Tsipras e o ministro das finanças Yanis Varoufakis foram a Paris, Londres, Bruxelas, a Berlim e a Roma para procurar um acordo “de compromissos”. Tudo isto não serviu para nada. A elite bruxelense martelava sem repouso:

A dívida deve ser paga e nas datas de vencimento .

A Grécia deveria restringir as suas despesas para acumular um excedente primário de 4,5% que asseguraria os pagamentos aos credores, aos investidores, aos especuladores e aos cleptocratas.

A falta de toda e qualquer flexibilidade económica da União Europeia, como de qualquer outra disposição em aceitar o menor compromisso, é uma decisão política: humilhar e destruir a credibilidade de SYRIZA como governo anti-austeridade aos olhos dos seus apoios nacionais e aos que seriam susceptíveis de o querer imitar no estrangeiro, em Espanha, na Itália, em Portugal ou na Irlanda (Economist1/17/15, p. 3).

Conclusão:

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Yánis Varoufákis and Aléxis Tsípras (Voltaire)

 

O estrangulamento de Syriza faz parte integrante do processo, já longo de 10 anos, visando o assassinato da Grécia pela União Europeia. Uma resposta brutal à tentativa heróica de um povo inteiro, projectado na miséria, condenado a ser dirigido por conservadores cleptocratas e social-democratas.

Os impérios não se desfazem das suas colónias por argumentos razoáveis nem pela falência das suas “reformas” regressivos.

A atitude de Bruxelas para com a Grécia é guiada pela política “de dirigir ou arruinar”. “Resgate” é um eufemismo para reciclar os financiamentos, atravessando a Grécia e voltando aos bancos controlados pela zona euro, enquanto que os trabalhadores e os assalariados gregos estão arrasados por uma dívida sempre cada vez mais importante e uma dominação duradoura. “O plano de resgate” de Bruxelas é um instrumento de controlo por instituições imperiais, que se chamem de Troika ou de uma outra coisa qualquer.

Bruxelas e a Alemanha não querem membros contestatários mas face a estes podem no entanto dignarem-se fazer pequenas concessões para que o ministro das finanças Varoufakis possa afirmar “uma vitória parcial” – uma comédia grotesca que tem como eufemismo “rastejem! Se não…”

O plano de resgate será descrito por Tsipras-Varoufakis como “novo” e “diferente” dos acordos passados ou ainda como um recuo “temporário”. Os alemães podem “aceitar”  que a Grécia reduza   o seu excedente de orçamento primário de 4,5 para 3,5% “no” ano próximo – mas deverá sempre reduzir os fundos destinados a estimular a economia e “adiar” o aumento das reformas, os salários mínimos…

As privatizações e as outras reformas regressivas não irão parar, “serão renegociadas”. O Estado guardará apenas “uma parte” mas minoritária.

Pedir-se-á aos plutocratas que paguem algumas taxas suplementares mas não os milhares de milhões de euros de impostos não pagos durante as últimas décadas.

Do mesmo modo os cleptocratas do Pasok- Nova Democracia não serão levados à justiça por pilhagem e roubo.

Os compromissos de SYRIZA demonstram que a definição delirante dada pela direita (the Economist, Financial Times Times, NY Times, etc.) de Syriza como pertencendo “à esquerda dura”, ou ultra-esquerda, de modo algum é fundada sobre a realidade. Porque “a esperança para o futuro” do eleitorado grego poderia actualmente transferir-se para a cólera. Somente a pressão popular pode inverter a aparente capitulação de Syriza, e os infelizes compromissos do ministro das finanças Varoufakis. Como a este falta-lhe o apoio no seu partido, Tsipras pode facilmente demiti-lo por ter assinado “um arranjo” que sacrifica os interesses fundamentais do povo.

Contudo, se, nos factos, o dogmatismo da União Europeia e a sua intransigência excluírem mesmo os acordos mais favoráveis, Tsipras e Syriza (contra a sua vontade) poderiam ser forçados a deixar o Império do Euro e de fazer face ao desafio de construir uma política e uma economia realmente novas e radicais, como Estado livre e independente.

Uma saída bem sucedida da Grécia do império germano-bruxelense provocaria provavelmente a dissolução da UE, porque os outros estados vassalos rebelar-se-iam e seguiriam o exemplo grego. Renegariam não só a austeridade mas também as suas dívidas externas e o pagamento eterno dos juros. Todo o império financeiro – o suposto sistema financeiro mundial poderia ser abalado… A Grécia poderia voltar a ser “o berço da democracia”

 

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Post-scriptum : Há trinta anos, fui um participante activo e um conselheiro durante três anos (de 1981 à 1984), do primeiro ministro Papandréou. Da mesma maneira que Tsipras, começou com promessas de mudança radical e terminou por capitular na frente de Bruxelas e da NATO, colocando-se ao lado dos oligarcas e dos cleptocratas em nome “de compromissos pragmáticos”. Esperemos que face a uma revolta de massas, o primeiro ministro Alexis Tsipras e Syriza tomem então um outro caminho. A História não é obrigada a repetir-se como uma tragédia ou uma farsa.

[1] A análise do regime de Andreas Papandreou apoia-se sobre a minha experiência pessoal , entrevistas e observações e sobre o meu artigo (escrito colectivamente) “Socialisme grec : L’état patrimonial revisité” publicado por Paradoxes méditerranéens : la structure politique et sociale de l’Europe du Sud, James Kurth et James Petras (Oxford : presse de Berg 1993/ pp. 160-224)

James Petras, L’assassinat de la Grèce,

Fonte: : James Petras, My Catbird Seat, 22/02/2015

Traduzido do inglês para o francês para os leitores do sítio  www.les-crises.fr. O mesmo texto está disponível no sitio Voltairenet, cujo endereço é :

http://www.voltairenet.org/article187245.html

Nota sobre James Petras:

James Petras, Professor emérito de sociologia na Universidade de Binghamton em New York. Ùltima obra publicada em francês : La Face cachée de la mondialisation : L’Impérialisme au XXIe siècle, (Parangon, 2002). Ultima obra publicada em inglês: The Arab Revolt and the Imperialist Counter Attack, (Clarity Press, 2011).

 

O assassinato da Grécia – por James Petra II

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