CARTA DE ÉVORA – FRAGMENTOS… por JOAQUIM PALMINHA SILVA

 

carta de évora

Desde há décadas e décadas que há encontros internacionais entre pavões plenipotenciários, representantes de Estado leoninos. No fim destes encontros, as agências noticiosas transmitem comunicados que, na essência, dizem sempre a mesma coisa com as mesmas palavras: – Que foi feito o exame da situação internacional, e as conversações dos ministros dos negócios estrangeiros desbobinaram-se numa atmosfera de grande cordialidade, e perfeita identidade de pontos de vista sobre o horizonte político a médio e longo prazo.

Passados poucos anos, às vezes meses, o exame da situação internacional demonstra-nos que não serviu para nada, pois do oriente ao ocidente, do norte ao sul, surgem nuvens fúnebres, tempestades homicidas e levantam-se as poeiras trágicas da batalhas e das guerrilhas, as colunas de fumo dos bombardeamentos exterminadores… e uma enorme azáfama no tráfego de armas ligeiras e pesadas de continente para continente, de país para país.

É possível que, dada a bestealidade e ferocidade dos homens, o mundo não possa girar de outra maneira, todavia, sucedendo tal, os ministros dos negócios estrangeiros que andam de encontro em encontro internacional para aplanar ou enrodilhar os negócios dos Estados, poderiam ao menos poupar-nos àquelas frases ridículas, que já não enganam ninguém, pois todos sabemos que a publicitada “cordialidade” pretendem esconder os punhos fechados, bem como a identidade de pontos de vista significa simplesmente que a guerra talvez tenha sido adiada, por alguns anos ou meia-dúzia de meses.

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Porque sorriem tanto para o público os políticos profissionais, os governantes destinados à “alta” política e à “alta” finança? – Para mostrarem os seus caninos e os seus incisivos, de forma a comunicarem, assim, ao mundo, que pertencem, como dominadores desapiedados e mandantes ferozes, à antiga raça dos mordazes e rapaces, à tribo dos indomáveis predadores…

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Os partidos que há décadas se substituem no Poder, são maquilhagens diferentes para o mesmo rosto gorduroso. Põem e tiram promessas com uma solenidade que antecipa a fraude, a mentira e a sem-vergonha. Os anos passam, e por detrás do tapume que esconde as suas máquinas partidárias, há uma história de casos de polícia que se abastece de mês para mês de novos “acidentes”, as ideias sebosas viraram escândalos e corrupção.

Eleições: – Aproxima-se a hora do disfarce definitivo, a grande oportunidade de viragem de existências administrativas da máquina partidária. Há um plano de vingança estruturado, há uma lista de reformas que ajudem a criar emprego vitalício…

Vem aí as eleições… – E lá vão os políticos profissionais para o emprego, para a independência económica e para as boas e bancárias relações; enfim, para a vidinha… – Acabou-se a pagodeira da ideologia e das ideias reformistas em favor do povo! Aos que ganharem a lotaria dos votos espera-os a promoção ministerial, a estagnação institucional, o confortável cadeirão do conformismo…

Então surgem os pretextos, as desculpas, as circunstâncias, a cena internacional, tudo cenários a justificar, à chapada ao povo, o aumento de impostos, a grande indústria nacional que, há anos, engorda os prestamistas estrangeiros…

E a serenidade claustral das estatísticas mostram cálculos do desastre que ninguém quer ver…

No fim…cantam o hino e gritam a moinha do realejo: – Viva Portugal!

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Às vezes, quando um povo boceja e agoniza na indiferença, mergulhado nos derradeiros limites do abismo da vulgaridade moral e da mediocridade mental, só então descobre o desejo de encontrar uma luz, despertando no seu interior o espírito de defesa, alimentado pela esperança através da crença nas forças da suprema salvação…

Só o que foi forçado a desnudar-se sabe tecer, para se proteger do olhar obsceno do mundo, a sua verdadeira túnica, couraça da alma contra a maldade. Só a mais aflitiva fome pode criar o único alimento que seja fonte de constante subsistência. Só o náufrago da vida, desesperado com a violência do mundo que empurra para o egoísmo e a solidão, é capaz de fazer surgir no mar solitário uma ilha nova.

Quando um povo perdeu quase tudo o que lhe garantia a alma e o sentido de pátria, então saberá escolher a conservação de bens que vale a pena recuperar ou reconstruir de forma mais sólida.

Enfim, quando um povo chegou ao pé de uma muralha altíssima e lisa pela acumulação de blocos graníticos de banalidades, vazio espiritual e estéril retórica, sem escadas para a suplantar nem buracos na fria pedra por onde passar, e não pode mais retroceder nem tão pouco prosseguir, não lhe resta senão uma alternativa: – Fazer com que lhe despontem, aos ombros da alma, as asas do espírito renovado, ultrapassando a muralha batendo as asas e voando sobre as ameias!

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